sábado, agosto 06, 2016

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Os deuses do Olimpo desceram até nós!




Por Hermes C. Fernandes

Algumas horas antes da abertura das Olimpíadas 2016, eu estava com minha esposa no hospital. Enquanto ela era medicada, fui para o lado de fora do hospital e fiquei a observar o céu estrelado. Um segurança se aproximou de mim e comentou que naquela noite havia seis planetas visíveis a olhos nus. Próximo da lua, podíamos ver três deles, Júpiter, Vênus e Mercúrio. Bem acima de nós, estavam Marte e Saturno. E do outro lado, Netuno (não o pudemos ver por causa do prédio do hospital). O único planeta ausente era Urano. Comentei com ele (que se disse um astrônomo amador nas horas vagas) que os deuses do Olimpo resolveram aparecer para a abertura dos jogos. Não é corriqueiro aparecer tantos planetas numa mesma noite. Para quem não sabe, os planetas do nosso sistema solar são batizados com nomes dos deuses do panteão greco-romano, os mesmos que, de acordo com a mitologia, habitavam numa montanha chamada Olimpo. Razão pela qual os jogos iniciados na Grécia são chamados de Jogos Olímpicos. A diferença é que os planetas são chamados pelos nomes que os romanos deram a tais divindades. Júpiter no lugar de Zeus, Mercúrio no lugar de Hermes, Vênus no lugar de Afrodite, e assim por diante.

Eles não devem ter se arrependido de terem dado as caras por aqui. A abertura dos jogos foi apoteótica. Sem dúvida, uma das melhores que já assisti. 

Lembrei-me de uma conversa que tive com o meu pai vinte anos atrás, justamente no dia da abertura das Olimpíadas de 1996.  Morávamos na mesma rua. Ele chegou sem avisar e me chamou ao quintal. A noite estava estrelada como a de ontem. Perguntou-me se eu havia assistido à abertura e confessou-se ter ficado emocionado com o desfile das comitivas. Disse-me que imaginou algo assim promovido pela igreja. Que seu sonho era que um dia tivéssemos igrejas espalhadas por cada um daqueles países, e que suas caravanas entrassem desfilando com suas respectivas bandeiras numa convenção internacional. Meu pai já estava com a saúde bem debilitada à época. De repente, apontou para as estrelas e disse-me: - Está vendo essas estrelas no céu? Minha mente as alcança, mas meu corpo não corresponde. Mas onde eu não conseguir chegar, você e sua geração chegarão.

Lá estava meu velho pai, a quem eu considerava um herói, expondo-me sua fraqueza e humanidade. No auge de sua carreira ministerial, quando reunia até 80 mil pessoas num único evento, chegando a batizar 5 mil numa manhã (foi capa do Jornal O Globo), sofreu uma parada cardíaca que por pouco não o matou. Ele costumava contar que Deus lhe deu um beliscão para lembrá-lo de que ele não era um deus, mas um homem mortal. De fato, meu pai era idolatrado. As pessoas projetavam nele expectativas sobre-humanas. Até que um dia o andor balançou, e o santo se revelou de barro. 

A julgar pelos últimos acontecimentos envolvendo personalidades do panteão gospel, tenho a impressão de que Deus está desmontando nossa fábrica de deuses.

Mas não pensem que isso seja um fenômeno recente. Já nos primórdios do cristianismo, Paulo e Barnabé cortaram um dobrado para impedir que o povo de Listra lhes oferecesse sacrifícios por considerá-los deuses do Olimpo que haviam descido até eles. Acharam que Barnabé fosse o próprio Júpiter (Zeus para os gregos), o “deus dos deuses”, e que Paulo fosse Mercúrio (Hermes), seu mensageiro. Tudo porque curaram um paralítico. Os discípulos tiveram que rasgar suas vestes em protesto, e argumentar que não passam de seres humanos de carne e osso, “sujeito às mesmas paixões”.  Repare bem nisso: eles não disseram que eram sujeitos às mesmas intempéries apenas, nem sujeitos a ficarem enfermos ou coisa parecida, mas que eram sujeitos às mesmas paixões (confira Atos 14:8-18).

É cômodo para muitos líderes venderem uma imagem de seres infalíveis, detentores de poderes especiais.  Tem-se a impressão de que se rasgarem suas vestes como fizeram Paulo E Barnabé, revelarão o traje do super-homem por baixo de seus ternos Armani. Até que num belo dia, o casamento perfeito desmorona, o marido do ano é acusado de pedofilia, o pastor-deputado santarrão é acusado de tentativa de estupro, um pastor político (ex-candidato a presidente do país) que tem histórico de violência doméstica ameaça uma jovem de morte, um líder evangélico considerado suprassumo da honestidade é flagrado recebendo suborno e em seguida aparece agradecendo a Deus pela "provisão", e por aí vai.

O que causa escândalo não é a fraqueza em si, mas a hipocrisia do discurso e o uso do poder para extravasar a tara contida. Há sempre algo podre por trás de quem arrota santidade e ainda desdenha dos que considera abaixo de seu suposto padrão moral.

A credibilidade da igreja repousa sobre a admissão de suas fraquezas e idiossincrasias. Temos que rasgar nossas vestes para mostrar que abaixo delas não há uniforme de super-herói. Somos seres plenamente humanos, capazes de atos heroicos, bem como de vergonhosos gestos de vilania. É justamente isso que nos faz 100% dependentes da graça de Deus.

Nem Deus, nem o mundo, esperam de nós perfeição, mas tão somente coerência. Somos admitindo nossas fraquezas seremos aptos a ganhar os fracos, admitindo nossa ignorância poderemos alcançar os ignorantes. Nossa pseudo-santidade só serve para disfarçar taras inconfessáveis, agravando sobremaneira nossas neuroses, alimentando nossos monstros.

Quando, enfim, nossos ídolos se espatifam no chão, sentimo-nos órfãos, traídos por aqueles que considerávamos padrão moral e ético.

De quanta dor, decepção e vergonha seríamos poupados se fitássemos a Cristo e não os que se dizem seus porta-vozes. E de quanta dor, decepção e vergonha pouparíamos os que amamos se não nos atrevêssemos a bancar uma santidade de fachada, desprovida de compaixão e amor.

Os deuses não desceram até nós. Foram derrubados! E mesmo se fazendo passar por divindades, serão julgados “como homens” (Sl. 82:1-8).

No final das contas, a ninguém mais veremos, senão a Jesus (Mt. 17:8), cujo esplendor ofusca a glória da Lei e dos Profetas, quanto mais a glória estapafúrdia dos homens. 

***

P.S.1 - A imagem acima é apenas ilustrativa. Não tem a pretensão de fazer qualquer insinuação acerca das pessoas representadas, mas apenas denunciar nossa mania de eleger heróis, semi-deuses acima do bem e o mal. 

P.S.2 - O objetivo deste post não é acusar, nem levantar suspeita. Alguns comentários nas redes sociais foram feitos por quem nem se deu o trabalho de lê-lo até o fim. O que questiono não é a idoneidade de A ou B, nem sua culpa ou inocência, mas a nossa mania de construir ídolos. Nesse sentido, o problema não são propriamente eles, mas nós. Tratá-los como ídolos é nocivo tanto para nós, quanto para eles, haja vista a sua incapacidade de atender às nossas expectativas. As acusações que pesam sobre Felipe Heiderich ainda não foram provadas. Há fortes indícios de que possam ser falsas. A justiça decidirá. Os fatos envolvendo Marco Feliciano ainda estão sob investigação. Não se pode sentenciar ninguém sem que antes seja levado a juízo. 

8 comentários:

  1. mais claro impossivel.

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  2. Muito boa reflexão! Tremenda verdade!

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  3. Não fermente o caso do Feliciano, ele pode ser inocente!

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  4. Excelente texto. Parabéns!

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  5. Ótima reflexão, é tempo de colocar somente Deus no trono, que é o seu lugar

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  6. O nosso país os evangélicos daqui, estão com uma terrível maldição de idolatrar quem ocupa os púlpitos. Digo maldição porque tais pessoas colhem maldição. Falo com propriedade. Porque também sou pastora, isso é algo horrível que me incomoda muito. Os gospel estão recebendo mais tributos do que o próprio Deus que é Rei e merecedor de toda honra e toda glória!!

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