sábado, julho 30, 2016

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O bélico e o lúdico - A primazia do sentimento sobre a razão




Por Hermes C. Fernandes

Alguém, por favor, me ajude a entender a razão de sermos tão atrevidos em emitir opiniões, porém tímidos em externar emoções. Por que é mais fácil expor o que se pensa do que expressar o que se sente?

Preferimos nos esconder atrás de raciocínios aparentemente embasados e tomar nossas decisões depois de calcular os custos, os pros e os contras, relegando os sentimentos a um segundo plano. O que nos importa são os resultados! Queremos sair sempre no lucro, ou pelo menos, ilesos.

Nossas opiniões são armaduras com as quais blindamos o coração. Cada peça desta armadura se articula com as demais, garantindo-nos certa mobilidade. Mas se não forem frequentemente lubrificadas, tendem a se enferrujar, comprometendo nossa flexibilidade, e, consequentemente, nossa performance existencial. Lubrificamos nossas opiniões com argumentos cada vez mais refinados. Sonhamos ser imbatíveis.

Opiniões nos impõem. Sentimentos nos expõem. Opiniões nos destacam. Sentimentos nos nivelam. Opiniões provocam divergência. Sentimentos, convergência.

Reveste-se de armadura quem sai à vida como quem vai ao campo de batalha para brigar. Despe-se dela quem é capaz de transformar este campo minado num playground onde se desce para brincar. Para tal, teremos que nos abdicar do cinismo que nos contagiou a alma, roubando-nos a esperança. Teremos que recobrar nossa ingenuidade essencial, voltando a apostar na vida.

Argumentos se calarão. Pontos de vista serão relativizados. Substituiremos o olhar bélico da vida por um olhar lúdico. Em vez de tanques de guerra, carrosséis. Em vez de bazucas, gangorras. Em vez de granadas e lança chamas, balanços e pipas. O peso da armadura será substituído pela insustentável leveza do ser. Deixaremos de nos sentir ameaçados, para nos permitir amar e ser amados.

Ninguém tomaria banho vestido numa pesada armadura, não é verdade? Despir-se dela é expor a intimidade, revelando assim quão frágeis e vulneráveis somos. Quem decidir acolher nosso amor, não o fará por outra razão que não seja aquilo que somos, e não o que pretendemos parecer.

Sob a armadura, a alma se sente sufocada. Lágrimas são contidas. Sorrisos inibidos. Gestos calculados. Palavras sofrem a censura da razão que as considera impronunciáveis. O outro, a quem nossos sentimentos se devotam, é visto como um inferno em potencial. Tememos ser devorados por suas inclementes labaredas.

Nossa alma precisa de ar fresco. Lágrimas desejam ser extravasadas. Sorrisos largos exibidos despudoradamente. Gestos espontâneos. Palavras livres e sinceras. E assim, somente assim, o outro será visto como a possibilidade do céu. Desejaremos ser consumidos pelas chamas do seu amor, das quais renasceremos todos os dias como uma exuberante fênix que abraça a vida com as asas da liberdade.

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