sexta-feira, maio 27, 2016

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Por que somos cúmplices do estupro coletivo daquela adolescente



Por Hermes C. Fernandes

Ao deparar-me com a triste notícia da adolescente estuprada por mais de trinta homens numa comunidade do Rio (bem próxima da minha casa), confesso que perdi o chão. Quis externar minha indignação (não sei se deveria chamá-la de santa), e usei as redes sociais para isso. Tive que me conter para não dizer uns impropérios. Não foi um post pensado como este que escrevo agora. Foi um desabafo. Eu tinha que expor meus sentimentos antes de embarcar no avião que me levaria para São Paulo, onde seria entrevistado por um programa de TV. Mas minhas palavras ecoaram internet afora causando reações totalmente antagônicas, e algumas extremadas. Até a imagem que usei no post se popularizou a ponto de muitos a colocarem no lugar de suas fotos de perfil.

Segue abaixo meu desabafo, e em seguida algumas das reações e minha resposta a elas.

“O que dizer do estupro coletivo de uma adolescente perpetrado por mais de 30 homens em pleno século XXI na cidade escolhida para sediar os Jogos Olímpicos? Os criminosos fizeram fotos e vídeos dela no chão, com a vagina e o anus sangrando enquanto eles gargalhavam, e ainda tiveram a ousadia de publicarem no Twitter!  Onde estão os defensores da moral e dos bons costumes? Por que se calam os que esbravejam pela família tradicional? E ainda têm coragem de combater qualquer política que vise proteger a mulher, bem como os homossexuais deste tipo de desumanidade! Quão hipócritas somos! Não merecemos ser chamados de cristãos! Somos cúmplices deste estupro! Conquanto nos calamos, consentindo vergonhosamente com o crime. Se ainda fosse um silêncio reverente ante a dor... mas, não! É o silêncio de quem não está nem aí, e com a maior cara de pau, sai às ruas em suas "marchas para Je$U$", celebrando nossa estupidez, apatia e falta de amor. A menina tinha apenas 16 aninhos! Foi dopada e estuprada por homens desprovidos de qualquer senso de humanidade. Se sua dor não for a nossa, então, teremos tomado parte desta monstruosidade. Que Deus tenha compaixão dela e todos nós.”

Talvez eu devesse ter sido mais comedido em minhas críticas à nossa letargia. Mas assim, eu não estaria sendo sincero. Minha crítica não se dirigiu a A ou B, mas a todos nós. Eu não disse “quão hipócritas eles são” e sim “quão hipócritas somos”. Isso, porque ainda me considero parte deste segmento, apesar da minha relutância. Tenho uma história que remonta várias gerações. Amo a igreja de Cristo, mas detesto aquilo no qual ela está se tornando, abraçando um discurso de ódio às minorias, entrincheirando-se contra aqueles a quem deveria defender.

Alguns entenderam que minha fala não passava de apologia a uma determinada ideologia. Longe disso! O que apontei foi a hipocrisia de quem vive a defender a família em seus moldes tradicionais, porém, não demonstra qualquer compaixão por alguém que sofra algo tão monstruoso quanto um estupro coletivo. Indignamo-nos com um comercial de TV onde homens e mulheres brincam de alternar suas roupas, ou com um beijo consentido entre dois adultos do mesmo sexo, mas não demonstramos a tal "santa indignação" num episódio desta gravidade.

Um dos comentaristas concluiu:

“Infelizmente o Bispo Hermes se aproveita de um caso tão triste para atacar os que pensam diferente dele... está ficando feio isso... Conservadores e os que defendem a "família tradicional" são os que defendem maior punição para esses bandidos, ao contrário da ideologia tão defendida pelo Hermes, que ainda irá tratar esses 33 homens como vítimas da sociedade...”

Não estou atacando ninguém. Estou cortando na própria carne. Os estupradores devem ser severamente punidos. Não são uns coitados. Porém, a sociedade tem uma considerável parcela de responsabilidade na degeneração de sua juventude.  Por trás da atrocidade cometida, há uma cultura de estupro, que diminui a mulher, que a torna mero objeto, um ser de segunda classe. A cultura do estupro é um efeito colateral extremado do machismo vigente em nossa sociedade.

Teve até quem conseguiu encontrar espaço para humor em sua crítica ao meu post. Repare no tom jocoso do comentário abaixo:

“Segundo ONGs da esquerda, e os direitos humanos, a menina estuprada será processada, por colocar as vítimas da sociedade, que vivem na favela e estavam armadas para se proteger da polícia opressora, por danos morais.”

Que falta de sensibilidade! Que sarcasmo impróprio para um momento de tamanha dor!

Outro comentário que me deixou pensativo:

“Tavez a dificuldade se dará quando estes 30 estupradores comecarem a frequentar a igreja e por falta de moralidade e conservadorismo, a igreja não oferecer referências éticas e morais biblicas para libertação, transformação de vidas... “(sic)

Seja quem foi que tenha escrito tal coisa, demonstrou não compreender que o que transforma o ser humano no âmbito da fé não é a moralidade ou o conservadorismo, mas a atuação do Espírito da graça que se revela na acolhida, no amor que constrange até o mais duro coração.


Outro comentarista conseguiu enxergar em meu post um incentivo à luta de classes:

Triste, uma barbárie desta e ainda ficarmos preocupado em que lado estamos direita ou esquerda. É mais triste ver a hipocrisia deste pastor aproveitando a desgraça alheia para usar em briga de classes. isso sim é estratégia de esquerda, que no fundo quer que todos se lasquem e o que importa no fundo é o lucro.”

Lucro? Estou aqui tentando entender de que maneira se pode extrair algum lucro de um episódio como este? Lucro a gente consegue quando propõe o boicote de uma marca para beneficiar outra que nos patrocina. Lucro a gente consegue quando usa uma manifestação como as marchas para Jesus com o objetivo de demonstrar capital político. Cada vez que um político sobe a um trio elétrico daqueles, verbas públicas são direcionadas para patrocinar os projetos megalomaníacos de líderes religiosos que não veem mal algum em negociar os votos do seu rebanho.

Houve um comentário que foi editado depois de receber sérias críticas. Mas, por sorte, outra comentarista fez questão de frisá-lo:

“Eu estou com seu primeiro comentário latejando dentro de mim, vi que depois vc editou, mas não posso deixar de comentar: ..... Triste a pessoa comentar que há adolescentes que se doam a esse tipo de orgia... sendo que pra essa pessoa talvez o erro não esteja nos homens ou rapazes que aceitam que uma adolescente se dê a esse tipo de orgia, mas no fato da garota se doar... e nem repara em que ele deveria se escandalizar em saber que há homens que ACEITEM esse tipo de coisa em que uma adolescente que não tem toda uma formação completa, que na verdade muitas vezes está procurando apenas ser aceita e se aproveitam da situação, já que são incapazes de conquistar mulheres pelos seus próprios predicados, (quem estupra tem uma péssima auto estima e um senso de valor muito abaixo do zero), antes as iludem, e as estupram, é lamentável. Ninguém em sã consciência vai pra um estupro de boa vontade, ainda que seja convidada pra uma orgia e aceite, isso não dá o direito ao grupo de estuprá-la... O ato em sim é nojento, é asqueroso, é inominável, é ultrajante, é bárbaro...” (sic)

Culpabilizar a vítima é o cúmulo do absurdo. Imaginar que cristãos se prestem a isso é preocupante. Que evangelho estão lendo, afinal? Em que cartilha estão rezando? Talvez até sigam um Messias que tenha sido batizado no Rio Jordão, mas certamente não é o que foi gerado no ventre da bendita virgem.

Soube por outro comentarista que alguns defensores da moral e dos bons costumes foram à página do G1 dizer que se estivesse em casa lavando louça, não teria sido violentada. Pelo amor de Deus! Ainda há mentes tão tacanhas assim? É justamente esta a mentalidade que os torna cúmplices daquele estupro coletivo, posto que reduz a mulher ao ambiente doméstico. Qualquer que se atreva a deixar o perímetro da cozinha, sabe dos riscos que corre e decide assumi-los, portanto, é candidata consciente ao estupro. Isso é ridículo! Machismo do mais descarado e nojento. Tenho ânsias de vômito só em pensar. Vão se converter a Cristo, seus machistas de merda! Tomem vergonha na cara!  Enquanto vocês insistirem com este discurso que estigmatiza e inferioriza as mulheres, ditando o que devem vestir, como devem se comportar e que espaço devem ocupar, privando-as de ter autonomia para decidir por si mesmas, vocês serão cúmplices de toda violência que se pratique contra a mulher.


Teve um ser humano que aproveitou para alfinetar a Dilma e o Lula, culpando-os por abrirem as fronteiras e permitirem que as drogas chegassem aos nossos jovens. Depois, a mesma comentarista complementou: “Chorem os petistas, o choro é livre!”  Quanta sensibilidade vindo de uma mãe! Ela ainda aproveita para defender o atual governo interino: “Agora o Temer já mandou resguardar e fiscalizar mais as fronteiras, pois estava escancaradas” (sic). Ela ainda teve a audácia de culpar os pais da menina. Não bastasse toda dor que os acomete, e ainda têm que aturar críticas idiotas de quem é desprovido de qualquer sentimento de solidariedade. Ela arremata: “Hermes tu perdeu a oportunidade de ficar calado!”(sic).

Ao menos não me chamou de falso profeta como outro comentarista que me acusou de trazer confusão e colocar os evangélicos uns contra os outros.

Os que esses comentários têm em comum é que não demonstraram qualquer respeito à dor alheia. Só fizeram reforçar tudo o que eu disse em meu texto.

Somos uma sociedade capaz de rir de piadas machistas e homofóbicas sem qualquer recato. Prova disso é a confissão que Alexandre Frota fez num programa de TV em rede nacional de ter praticado um estupro, sendo, então, aplaudido pela plateia. Agora, este mesmo ser tem a petulância de visitar o ministro da educação para lhe fazer sugestões para melhorar a qualidade da educação no país. Só mesmo a graça divina para que não percamos a esperança de que este mundo possa mudar. Não que ele seja ruim. Só está muito mal frequentado ultimamente. 

Aproveitando o post do meu mano Renato De Paulo, segue abaixo algumas verdades inconvenientes sobre quem insiste em culpabilizar a vítima de estupro:

Todos os dias 15 mulheres são estupradas por homens normais (carteiros, pastores, advogados, vizinhos, familiares...seus amigos). neste país.

"Se ela estivesse estudando isso não aconteceria!"
Menina estuprada em escola de São Paulo reconhece agressores:http://glo.bo/1TZ6Ej0


"Se ela estivesse na igreja isso não aconteceria!"
Jovem é estuprada dentro de secretaria de igreja em Brasília:http://bit.ly/1NQpoVc

"Se ela estivesse em casa isso não aconteceria!"
Morre jovem encontrada com sinais de estupro dentro de casa na Zona Norte: http://bit.ly/1qMl4Lu

"Se ela estivesse trabalhando isso não aconteceria!"
Jovem é atacada e estuprada a caminho do trabalho: http://bit.ly/1P19Wpq

"Se ela tivesse um namorado fixo isso não aconteceria!"
'Meu namorado me estuprou por um ano enquanto eu dormia':http://bbc.in/27UhJvG

"Se ela fosse mais família isso não aconteceria!"
Adolescente com deficiência física é estuprada pelo tio em RR:http://glo.bo/1THnB47

"Se ela fosse menos 'puta' isso não aconteceria!"
Menina (de 1 ano e meio) morta em igreja foi violentada:http://bit.ly/1Z3LEM4


"Se ela tivesse mais cuidado isso não aconteceria!"
Jovem é estuprada em estação do Metrô de São Paulo:http://bit.ly/1WnjCgw

P.S.: Como se não bastasse o silêncio ensurdecedor das lideranças evangélicas diante deste crime hediondo, os deputados Marco Feliciano e Jair Bolsonaro, em conluio com a bancada evangélica, estão tentando derrubar a Lei 12.845/13 que garante à vítima de estupro pleno atendimento hospitalar, policial e psicológico através da PL 6055/2013 de autoria de Feliciano e do deputado Pastor Eurico (PSB-PE). Talvez venha daí a ausência de qualquer manifestação solidária à menina vítima do estupro coletivo.

P.S.2: Tão logo publiquei a informação acima nas redes sociais, vieram os fãs do Bolsonaro postar banners dizendo que ele defende uma punição mais rigorosa dos estupradores, envolvendo castração química, etc. Mas de quê adianta exigir rigor na punição do criminoso e ao mesmo tempo sabotar o direito da vítima de receber o devido amparo médico, psicológico e policial?


11 comentários:

  1. Bela resposta, mesmo que a notícia que motivou todos esse falatório, não tenha nada de lindo.
    Como o senhor disse, como podem as pessoas demonstrarem tal frieza e tentarem justificar o injustificável?
    Me sinto envergonhado também.

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  2. Nossa, bispo, admiro demais sua maneira de pensar, modo correto, como nós cristão devemos agir. Pena q nós, ativistas sociais, somos censurados pelos colegas de religião. Sinto até vergonha de me declarar evangélica por isso, pois a classe tá se sujando cada vez mais. Gostaria de saber se tens algum meio de comunicação mais íntimo, como what's APP, por exemplo. Continue assim, querido, estamos, nós e Deus, contigo! Tenho imenso orgulho de você e todos os dias acompanho seu blog mara.Sou mulher, feminista e de esquerda, só pra constar.Abraço!

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    1. Este é, talvez, uma das maiores contradições que eu já tive o desprazer de ver:

      Cristã Feminista

      Buscar e apoiar a reta justiça bíblica, englobando o amor ao próximo, respeito mútuo e proteção de todos deve ser o que todo cristão busca. Apoiar uma ideologia COMPLETAMENTE contrária à Palavra de Deus, como o feminismo e ideais esquerdistas é completamente outro. Lembro que o Feminismo defende a ideologia de gênero (abominação!) e o aborto (abominação!), dentre outros pontos que são COMPLETAMENTE DIVERGENTES DA PALAVRA DE DEUS.

      Afirmo aqui, com toda a verdade que uma Cristã não pode ser Feminista. Não podemos adorar a dois senhores: ou um, ou outro.

      Deus instituiu o homem como o cabeça da família, assim como Cristo é cabeça da igreja. As brigas feministas não são contra o homem, e sim contra Deus.

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    2. Anônimo11:14 PM

      Meu Deus!!? Voce existe mesmo??? ou seu comentario é piada de mau gosto??

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  3. é impressionante como vemos a cada dia como há mais falta de compaixão dentro do povo dito "evangélico" do que chamamos de "incrédulos"

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  4. Obrigada pelo seu posicionamento...me acalma saber que existem cristãos para além do que temos visto ultimamente. Fui criada na igreja mas hj não me enquadro nesses moldes dessa igreja que permite machismo e hipocrisias para manter o status quo. Fico aqui no meu canto procurando vozes como a sua para compreender o meu incomodo de achar que o segmento evangélico hj não se parece em nd com o que Cristo propagou. Obrigada por este meio de comunicação! Obrigada por ser um propagador do amor de Cristo. O seu texto é um alento...

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  5. Quanta sobriedade e equilíbrio. Parabéns querido pelo texto.
    Punição aos agressores nos rigores da lei. Cuidado e amparo à vítima.

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  6. Anônimo3:00 PM

    Hermes, você há de ser honesto e admitir que usou sua primeira postagem para atacar os conservadores. Eles responderam. Dois lados, uma mesma moeda. Dois pacotes fechados. Freud explica ;)

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  7. Anônimo7:05 PM

    Não sou responsável, sou conservador e não vem com essa lorota de que os conservadores, os defensores da família tradicional são co-autores. Se colocar na balança os ideólogos como tu, é mais co-autor que qualquer um.
    Uma coisa é certa, não vocês que exploram o sexo livre, o sexo sendo apresentado mais cedo as nossas crianças? Não são vocês que vivem defendendo a ideologia de gênero, se observarem a ideologia de gênero é o incentivo precoce de crianças na procura de sua sexualidade, basta ver como são exploradas as linguagens para o publico infantil sobre essa ideologia nefasta.
    Se tem um co-responsável, nesse grupo tu se inclui, e todos ideólogos que lhe apoiam!!!
    Durma com sua consciência pesada, não jogue a culpa para outros, pois quem incentiva és tu!!!

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  8. Claudio Henrique1:13 AM

    OU DÁ OU DESCE ! Edir Macedo et caterva...
    Atentado violento ao pudor é esse estupro doutrinário que transformou a teologia reformada em abatedouro de tosquiar, com a anuência da casta de exatores engravatados.

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  9. Quando esses individuos matam ha quem os defenda, alegando que são excluidos e sem opcao. E agora, eese discurso não vale?
    Detalhe, alguem sabe se a mae da menina apresentou queixa contra o pai do filho de tres anos q ela tem? afinal, sexo com menos de 14 consentido ou não é estupro.

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