quarta-feira, dezembro 02, 2015

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Que igreja é essa?



Por Hermes C. Fernandes

“Que igreja é essa?” foi a pergunta que encontrei entre os comentários de um vídeo que postei recentemente em meu perfil no facebook. Para que se perceba a ironia da pergunta, será necessário revelar o conteúdo da postagem: trata-se de uma apresentação do ministério de louvor de nossa igreja cantando “Que país é esse?” de Renato Russo em pleno culto de domingo.

Seria uma estratégia evangelística para atrair jovens à igreja? Ou apenas uma maneira de criar polêmica, chamando a atenção para o trabalho realizado pela igreja? Nem uma coisa, nem outra.

A Reina (sigla para “rede internacional de amigos”) é uma comunidade localizada no subúrbio carioca do Engenho Novo. Sem qualquer investimento em mídia, a igreja já chamou a atenção de grandes veículos de comunicação como a Globo News, a revista IstoÉ e o jornal “O Globo”.

O que torna a Reina uma igreja diferente? Por que tem atraído pessoas de todas as camadas sociais e faixas etárias, sobretudo jovens universitários? Podemos enumerar vários fatores. Dentre os quais, a contextualização de sua mensagem.

Durante seus cultos, usa-se linguagem coloquial, sem recorrer a clichês e jargões religiosos. Os temas das reflexões são sempre atuais e buscam provocar os participantes à conscientização e a consequente tomada de posição, sem extremismos, nem apelos sensacionalistas. Fala-se de engajamento social, racismo, sexualidade, ciência, cultura e espiritualidade. Tudo sem histeria, gritarias e manipulação psicológica. Ninguém se sente constrangido ao levar um amigo ou familiar.

Como qualquer igreja, a Reina também pede contribuições que visam tanto sua manutenção, como as obras sociais realizadas em várias comunidades, principalmente no Aterro Sanitário de Jardim Gramacho onde mais de sessenta famílias foram adotadas e recebem mensalmente uma cesta básica. Apesar disso, em um culto que dura cerca de uma hora e meia, não se fala de dinheiro mais do que dois ou três minutos e sempre de maneira lúcida, equilibrada, sem incentivar barganhas com Deus. 

Ninguém é motivado pelo medo, pela culpa ou por interesses. Por isso, o nome "diabo" é raramente mencionado. As pessoas querem mesmo é ouvir falar de Deus.

Entrevista para a Globo News
O ambiente de culto é bem informal. A maioria se veste de maneira casual. Ninguém é submetido a situações vexatórias ("olhe para quem está do seu lado e diga..."). Também não se fala de política partidária. Não há desfile de candidatos no púlpito, nem mesmo sugestão para que os membros votem num ou noutro. Porém, há um trabalho de conscientização acerca do exercício da cidadania. Prega-se um evangelho desideologizado, isto é, sem vínculo ideológico. 


A maioria das canções entoadas durante os cultos é de autoria de ministros da própria igreja. Isso se dá pelo fato de que as canções evangélicas atuais destoam da proposta da Reina. Prefere-se temas como a natureza, relacionamentos, críticas sociais, em vez de "vitória", "anjos pra todo lado", "bênçãos", "prosperidade", "chuva de poder", etc. Não é incomum que se cante uma música secular antes da ministração da Palavra. Mas como já foi dito acima, não se trata de estratégia para atrair novos fiéis.  Acredita-se que o Espírito Santo também inspire pessoas de fora do círculo da igreja para levantar questões muitas vezes ignoradas ou desprezadas pelos cristãos. Por exemplo: no dia em que se celebrou a Consciência Negra, não se encontrou uma única canção cristã tratando do tema. Por isso, o ministério de louvor optou por cantar “Sararará crioulo” de Sandra de Sá seguido pela declamação da canção "Negro Drama" dos Racionais em forma de poema. No culto em que se cantou “Que país é este?”, o tema abordado foi a tragédia ocorrida na bacia hidrográfica do Rio Doce (“Acabou-se o que era doce” foi o título da mensagem pregada por Hermes C. Fernandes, bispo da igreja). O bispo fez uma analogia entre o ocorrido e o mar de lama tóxica da corrupção que jorra dos palácios governamentais e contaminam toda a sociedade. Nenhuma canção se encaixava tão bem quanto a da Legião Urbana. A propósito, o cuidado com o meio-ambiente é uma das principais bandeiras da Reina, pois crê que o projeto de Deus inclui cada uma de Suas criaturas, e que este mundo esteja destinado a ser restaurado, não destruído como defendem alguns. 

Noutra ocasião, quando se tratou do tema “Conflito de gerações”, entoou-se “Como nossos pais” de Elis Regina, e "Pais e filhos" do Legião, levando a multidão presente no evento às lágrimas.

Produções cinematográficas e televisivas também se tornam ganchos para as reflexões. Não raro, exibi-se clipes musicais ou trechos de filmes durante o culto.

Além de buscar transpor os muros entre a espiritualidade cristã e a cultura popular, a Reina também procura apaziguar a relação entre a fé e a ciência. Não é à toa que tem em seus quadros gente ligada à academia e a produção científica. Biólogos, físicos, psicólogos, pedagogos, sociólogos, além de universitários que alicerçam sua fé em Deus sem com isso abrir mão dos postulados científicos.

Mas talvez, o que mais chame a atenção na proposta da Reina seja sua ênfase na ética e não no moralismo. Questões ligadas à sexualidade como sexo antes do casamento e homossexualidade são tratadas com lisura, sem preconceito e fundamentalismo. Não há assunto tabu que não possa ser tratado durante os encontros que ocorrem aos domingos 9h e 19h, segundas 19h, quartas e sextas 19h30. 

Estimula-se também a vida social dos membros. Ninguém deve deixar amizades antigas por haver se filiado à igreja. Assim como Jesus, um cristão reinista pode e deve frequentar festas, participar de atividades culturais, vivendo como uma pessoa normal, sem um surto de santidade alienante. Não se tem a pretensão de ser uma igreja descolada na embalagem, mas fundamentalista no conteúdo. 

Além da causa do evangelho, a Reina também abraça qualquer causa que seja justa, como por exemplo, a emancipação da mulher, a garantia de direitos para todo e qualquer segmento social, inclusive o LGBT, o empoderamento das minorias oprimidas (negros, índios, mulheres, portadores de deficiência, imigrantes, etc.) e a liberdade de culto. Adeptos de quaisquer credos religiosos são respeitados. Ninguém tem o monopólio da verdade. A mesma graça incomum capaz de inspirar um artista secular a produzir uma obra que desperte o que há de melhor no ser humano, também pode ter inspirado pessoas de várias tradições religiosas para trazer lampejos da verdade em seus ensinamentos. Em vez de buscar os pontos de atrito entre os diversos credos, que tal buscarmos pontos convergentes? O diálogo é sempre bem-vindo. A única coisa que a Reina não tolera é a intolerância.
Choque de Amor no Lixão de Jardim Gramacho

Tudo aquilo em que se crê, tudo aquilo que se prega, só tem sentido à luz do amor. Esta, sem dúvida, é a principal ênfase reinista. Tudo mais decorre daí. Amor que acolhe o diferente e aproxima o distante. Amor que sai ao encontro do outro em vez de esperá-lo passivamente. Amor que nos convoca ao perdão recíproco. Amor que gera a justiça a fim de patrocinar o convívio pacífico entre os homens. Amor que nos diviniza à medida que nos torna mais humanos. Amor que faz cessar as hierarquias, nivelando-nos a todos e colocando-nos à serviço do próximo. Amor que se abstém do controle para o exercício do cuidado. Amor que inclui em vez de excluir. Que estende a mão em vez de apontar o dedo. Que revela que quem está dentro não é melhor do que quem está fora. 


A Reina acredita no futuro promissor da humanidade. Para o povo reinista, amar ao próximo também é amar o que virá depois de nós, as próximas gerações. Por isso, um dos seus lemas é deixar para os nossos filhos um mundo melhor e mais justo do que o que recebemos de nossos pais. Mas também deixar para o nosso mundo, filhos melhores do que nós. 

A Reina não se considera uma igreja melhor que as demais. Mas admite manter certa distância dos modismos gospel, tomando a contramão do triunfalismo que impera em alguns setores, do tradicionalismo que impera em outros e da obsessão por crescimento numérico. 

As reuniões de pastores transcorrem a portas abertas, e o assunto gira sempre em torno de como servir melhor aos que foram colocados sob os seus cuidados. 

Ainda há muito que se melhorar e por isso, a Reina mantém o canal aberto para receber tanto sugestões quanto críticas ao seu trabalho.

No final deste ano, a Reina completa 24 anos de fundação. Obviamente, ela não era a mesma quando nasceu. De lá para cá, muita coisa mudou. E, sinceramente, espera-se que não seja a mesma quando fizer seu jubileu de ouro. A Reina está num ininterrupto processo de aprimoramento, reinventando-se a cada dia a fim de oferecer respostas às demandas do seu próprio tempo e levantar questões que porventura passem despercebidas.

No próximo final de semana estaremos celebrando nosso aniversário. Sábado, dia 5 às 18h30, domingo, dia 6 às 9h e segunda, dia 7 às 19h. Considere-se nosso convidado especial.

Rua Visconde de Santa Cruz, 226 Engenho Novo, RJ - Próximo do Hospital Vital, da 24 de Maio, da Barão do Bom Retiro e da Marechal Rondom.

Assista abaixo alguns exemplos de canções e poemas seculares apresentados em nossos cultos.





Renato Russo na Reina???? Não...Apenas sua mensagem de amor!!!
Posted by Edson de Paula on Domingo, 30 de agosto de 2015

Não somos profissionais e ensaiamos apenas duas vezes mas vale mostrar que a dança pode realmente tornar a vida mais doce e mais leve. Pra vocês que pediram, o vídeo da dança do Reinencontro :)
Posted by Revelyn Fernandes on Sábado, 25 de abril de 2015

Rhuan Fernandes declamando o poema de Carlos Drummond de Andrade no culto da Reina.
Posted by Hermes C. Fernandes on Terça, 1 de dezembro de 2015


Declamação de uma canção dos Racionais no culto da Consciência Negra na Reina com Frann Seabrah.
Posted by Hermes C. Fernandes on Domingo, 22 de novembro de 2015

2 comentários:

  1. Precisa abrir uma igreja reina aqui no interior de SP!!!! vem para Mogi Guaçu!!!

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  2. Bispo, abri uma Reina em Joinville também? Rs rs
    Abração, Fabio

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