Por Hermes C. Fernandes
Perguntaram-me recentemente de que lado eu estava. Esta é uma pergunta que sempre me faço. Ponho-me a refletir sobre aqueles que hoje são celebrados como heróis da nossa civilização, mas que em seu tempo foram tachados de hereges, subversivos, revolucionários, e por isso mesmo, foram duramente combatidos. Pergunto-me de que lado eles se poriam nas questões que hoje nos dividem. Por fim, pergunto-me de que lado Jesus estaria.
Alguém conseguiria enxergá-lo cerrando fileira com a casta sacerdotal de Sua época? Se fosse este o caso, duvido que Ele entrasse no templo derrubando as mesas e expulsando os vendilhões. Alguém o imaginaria engrossando o coro de quem pretendia apedrejar aquela mulher? Em vez disso, Ele preferiu defender seu direito. Isso mesmo! Seu direito de viver (Eis a razão por que adotei como lema "viva e deixe viver!")
Jesus invariavelmente se pôs ao lado dos excluídos, dos marginalizados, dos oprimidos, dos explorados. Jamais posou de bom garoto ao lado dos opressores e dos que se locupletavam do sistema.
Ele não resistia ao clamor das minorias.
Da vez em que foi importunado por uma mulher cananeia (depois pesquise na Bíblia o significado de ser cananeu na visão de um judeu daquela época), disse, à princípio, que não tiraria o pão da boca dos filhos para dá-lo aos cachorrinhos. Quem lê esta passagem cruamente corre o risco de escandalizar-se com Jesus. Mas Sua pretensão não era de compará-la a um animal qualquer. Sabendo de antemão qual seria sua reação, Ele quis dar uma lição em Seus discípulos. É possível que eles, como judeus que eram, até tenham gostado de ouvi-lo fazendo aquela comparação esdrúxula. Eles chegaram a pedir que Jesus a dispensasse logo, porque ela vinha atrás clamando por sua filha enferma. Porém, para a surpresa deles (mas não de Jesus!), ela respondeu: “Sim, Senhor, mas os cachorrinhos comem das migalhas que caem da mesa do seu senhor” (Mt.15:28). Compadecendo-se dela, Jesus elogiou sua fé, atendeu ao seu clamor e curou sua filha.
Que lição encontramos aí? Aquilo que para uns já não tem tanto valor, para outros tem valor inestimável. O que para uns não passa de migalha, para outros é o pão que lhes resta.
Hoje os Estados Unidos deram um passo enorme que causou comoção e escândalo no mundo inteiro. A Suprema Corte daquele país autorizou o casamento entre pessoas do mesmo sexo em todos os cinquenta estados americanos. As reações foram imediatas. Milhões celebraram, enquanto outros milhões lamentaram. Dificilmente encontramos (pelo menos nas redes sociais) quem se mantivesse isento.
Ironicamente, uma instituição que tem sido tão desgastada ao longo das últimas décadas, tornou-se o sonho de consumo de milhões de casais homossexuais.
Os mais conservadores vociferavam: Este é um direito concedido por Deus exclusivamente a casais heterossexuais. Sim, assim como o ministério terreno de Jesus era focado exclusivamente nos judeus. Mas isso não o impediu de sensibilizar-se com aquela cananeia.
Com toda a pressão política e religiosa sofrida pela Suprema Corte, ela preferiu ser sensível ao clamor desta minoria e atender à sua reivindicação.
Como seguidor de Cristo, encontro aí razão para celebrar. Por favor, não me tache de herege, pelo menos, não ainda. Prefiro ver gays num relação monogâmica a vê-los entregues à prostituição e a promiscuidade. Além do mais, ninguém vai conduzir um gay a Cristo negando-lhe os direitos. Infelizmente, alguns celebram quando a dama da justiça usa sua espada para retribuir o mal, mas não celebram quando usa sua balança atribuindo direitos iguais a todos. O problema é que toda vez que um dos pratos da balança pende para um lado, a espada da justiça vem contra ela mesma.
Mas isso é contra a lei de Deus! Esbravejariam alguns. Não perca seu tempo citando os versos bíblicos que condenam tal prática. Eu os conheço todos. Como também conheço aquelas passagens bíblicas que apoiam a escravidão, por exemplo. Passagens como Levítico 25:44 foram prodigamente usadas por religiosos que tentavam impedir que os escravos fossem livres. Segundo eles, isso faria com que a sociedade entrasse em colapso. Os abolicionistas foram chamados de hereges por renegarem o sagrado direito de se ter escravos.
Isso é uma abominação! Sim, casamentos mistos também. Começo a acreditar que chamamos deliberadamente de abominação aquilo que ainda embrulha nosso estômago. Tem mais a ver com nossos escrúpulos do que com o que cremos.
Assim como hoje ouvimos aquela velha alegação de que se um pastor se negar a celebrar as bodas de um casal gay será preso, na época da abolição, pregadores bradavam dos púlpitos que se os escravos fossem livres, em breve, haveria casamentos mistos, claramente proibidos pelas Escrituras conforme passagens como Esdras 10:2-3 e Neemias 13:23-27. Os fiéis ficavam horrorizados ao imaginar suas lindas filhas, louras e de olhos azuis, sendo desposadas por negros de mãos calejadas.
Quer gostemos ou não, o mundo mudou. O que hoje causa ojeriza em alguns, será visto como normal pelos seus netos. Assim como nos horrorizamos ao saber dos maus-tratos que os negros sofriam no passado, nossos netos se horrorizarão ao tomarem conhecimento da homofobia que vigorava em nossos dias.
Homens como Martin Luther King viveram à frente do seu tempo. De que lado eles estariam agora? Jesus viveu muito, muito à frente do seu tempo. Por isso, reconheceu que seus contemporâneos não estavam prontos para lidar com questões ligadas à sexualidade. “Nem todos podem receber esta palavra”, disse com relação aos eunucos, homens que não tinham qualquer interesse no sexo oposto (Mt.19:11-12).
Ninguém que tenha vivido à frente do seu tempo ficou ileso. Há um preço a se pagar por posicionar-se pela justiça e pelo direito (Acabei de ler uma ameaça escrita nos comentários do meu blog). O que me encoraja é saber que estamos presenciando um momento histórico. Nossos descendentes nos invejarão por havermos sido testemunhas disso.
Uma parcela considerável da população americana teve seus direitos assegurados. Eu temeria o juízo de Deus se o direito lhes fosse negado. Pois foi Ele mesmo quem advertiu: “Ai dos que fazem leis injustas, que escrevem decretos opressores, para privar os pobres dos seus direitos, e da justiça os oprimidos do meu povo; fazendo das viúvas sua presa e roubando dos órfãos” (Is.10:1-2). Entende-se por "leis injustas" aquelas que são parciais, que atendem a uns em detrimento de outros. Equidade é tratar a todos de igual modo, sem privilégios, sem prejuízos. Iniquidade é exatamente o oposto disso. Iniquidade não é conceder direitos, mas negá-los.
Assim como teria celebrado se houvesse assistido a Jesus atendendo ao clamor de uma mulher pertencente a um povo amaldiçoado, concedendo-lhe o que os “filhos” desprezavam, celebro a conquista da população homossexual daquele país e espero celebrar em breve também em nosso país, ainda que isso me custe ser atacado pelos que não sabem chorar com os que choram e se alegrar com os que se alegram.
Se discorda mim, saiba que o respeito. Graças à democracia em que vivemos, temos o direito de discordar uns dos outros. Portanto, não neguemos este direito aos outros. Como disse Voltaire: Posso não concordar com nada que você diz, mas morreria pelo seu direito de dizê-lo.
P.S. Enquanto isso, do lado de cá do Equador, no país que foi o último a abolir a escravidão, um deputado evangélico propõe uma bolsa ex-gay. Será que muita gente vai voltar para o armário com este incentivo?
Aproveito para sugerir que os mesmos que propuseram um boicote a uma empresa de perfumes, também boicote os Estados Unidos. Em vez de torrarem seu dinheirinho suado em Nova Iorque ou Miami, deixem para gastá-lo em Moscou. Afinal, a Rússia proibiu a parada gay pelos próximos 100 anos. Ou se preferirem, vão para a China onde a homossexualidade é tratada com choques elétricos nos genitais.
Sei o que é ser vítima de preconceito. Quando criança, tive minha casa apedrejada pelo simples fato de sermos uma família protestante. Acordei com um paralelepípedo rente à minha barriga. Teria me matado se atingisse a cabeça. Casei-me com uma mulher de ascendência negra, e para tal, tive que enfrentar a reprovação de muitos. E por fim, tenho o privilégio de ser pai de uma portadora de necessidades especiais. Sei como é lidar com aqueles olhares indiscretos. Talvez por isso me identifique tanto com o clamor das minorias. E antes que coloquem em xeque minha sexualidade, deixo claro que sou hétero, pai de três filhos héteros, irmão de cinco irmãos héteros. Eu não preciso ser uma árvore para sair em defesa do meio-ambiente.
Assista abaixo uma mensagem que preguei anos atrás acerca do pecado de Sodoma. Você vai descobrir quem são os verdadeiros sodomitas desta nação.
Hermes bom dia. Sinto tanto a falta de coerência nas pessoas. Muitos usam a bíblia não como regra de fé e prática sua mas como ferramenta de ódio. Sou uma ex frequentadora de ajuntamento de pessoas "igreja" amo a Deus e educou minha filha para ama-lo, adora-lo e respeitas as escolhas das pessoas. Me sinto culpada por algumas atitudes que tomei mas isso lhe escrevo em outro momento. Por hora só quero deixar meu agradecimento por vc se permitir ser usado pela mente de Deus e não pela sua própria. Obrigada por palavras que me confortam e me trazem paz e ela sendo um árbitro é muito bem vinda. Que Deus conserve sua vida em saúde para que o evangelho seja apregoado correta e simplesmente pois ele é simples... Grata grata grata
ResponderExcluirShow agradecemos muito a Deus por sua vida.
ResponderExcluirConcordo. E quanto aos textos bíblicos, a maioria do povo (o extremismo conservador) apenas contextualiza culturalmente o que lhes convém. Atualmente, como a escravidão é vista com maus olhos por todos, os textos bíblicos que trazem uma abordagem pró-escravidão (ou pelo menos neutra) são encarados como "meramente culturais". Já os textos que tratam dos ainda "tabus", perdem o status de "culturais" e adquirem o de "mandamentos divinos". Haja parcialidade.
ResponderExcluirDireito de que, afinal? Direito só existe se já houver uma lei especifica sobre determinado tema. E se é para levar ao pé da letra, como fica, então, os direitos daqueles que querem praticar a zoofilia? E se uma minoria quiser o "direito" de casar-se com gato e cachorro? O amor não é livre? A pouco vi num comentário no site Genizah de uma pessoa que disse que aguarda "ansiosa" a liberação e reconhecimento do Estado sobre "a pratica do "amor livre", ou seja, poliamor [...]". Ela diz também que aguarda ""ansiosa" tambem a liberação da zoofilia, afinal o ser humano deve ser "livre" pra "comer" uns "animaezinhos a hora que bem entender, sem os crentes chatos pra dizer que é pecado, aguardo "ansiosa" a liberação e aceitação da pedofilia (sou contra) mas não posso impedir o humanos "livres" de colocar os seus desejos em pratica...".
ResponderExcluirEnfim, há muita gente que gostaria de ter assegurado seus "direito" em várias dessas áreas citadas a pouco. O que tenho visto são dois extremos: a dos fariseus hipócritas perseguindo homossexuais e dos que a semelhança do Hermes, que ao invés de se envolver somente com a subversão do Reino através unicamente da pregação do evangelho, ficam desgastando suas imagens se metendo e dando opinião em assuntos mundanos. Quem verdadeiramente prega o evangelho, pratica o bem, acolhe os homossexuais, o órfão e a viúva assim como Jesus ensinou. Nunca se vê Jesus se metendo nas leis do governo romano exigindo ativismo por parte e seus discípulos. Quantas vezes Jesus mandou seus discípulos protestarem contra leis romanas, homossexualidade, aborto, escravidão etc? O segredo para uma sociedade mais justa estava na subversão do Reino e não no uso da força através de leis...
Nosso direito acaba quando ameaça ou limita o direito do outro. Zoofilia não pressupõe que o animal use seu direito de escolha, logo, não pode ser um direito praticar a zoofilia. No tema deste texto, são duas pessoas, adultas, homossexuais e que POR LIVRE E ESPONTÂNEA VONTADE querem se casar. O animal não tem uma capacidade cognitiva para tal decisão consciente. A comparação foi ilógica e com todo respeito, infantil da parte também da pessoa que apareceu com esse argumento lá no Genizah. Abraço
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