Por Hermes C. Fernandes
Uma das passagens mais misteriosas
do Novo Testamento é a que narra o encontro entre Jesus e dois dos Seus
discípulos no caminho de Emaús. O que chama mais a atenção neste episódio é o
fato de eles não O reconhecerem de primeira mão. O que os impediu, afinal?
Ainda que fossem discípulos novatos, provavelmente já haviam estado com Ele o
suficiente para reconhecê-lo. Em vez disso, travaram um diálogo onde
demonstraram o quão frustrados estavam pelo fim fatídico que havia tido o seu
mestre três dias antes.
Jesus se aproxima como se fosse um
peregrino qualquer. Propositadamente, não se apresenta. Apenas pergunta do que
se lamentavam. Eles o respondem grosseiramente: “És tu só peregrino em Jerusalém, e não sabes as coisas que
nela têm sucedido nestes dias” (Lc. 24:18)?
O texto diz que eles estavam como
que com os olhos vendados, de sorte que não pudessem identificar o próprio
mestre. Como explicar isso?
Certamente, o que os mantinha neste
estado era a própria fantasia que haviam construído acerca de Jesus. Eles
mesmos confessam: “...esperávamos que fosse ele o que remisse Israel; mas
agora, sobre tudo isso, é já hoje o terceiro dia desde que essas coisas
aconteceram” (v
21).
Antes de condená-los, devemos
considerar que esta era a mesma expectativa fantasiosa dos demais discípulos.
Portanto, não era a Cristo que seguiam, mas a uma projeção de suas angústias e
anseios. Para eles, Jesus deveria ser o estadista que comandaria a rebelião que
tiraria Israel de sob o domínio romano e restauraria a sua soberania como
nação. Há quem acredite que a intenção de Judas ao entregá-lo às autoridades
era que Ele se revelasse e promovesse um levante contra Roma. O tiro parecia
ter saído pela culatra. Suas fantasias desvaneceram. Nada do que sonharam
ocorreu.
Deus não tem compromisso com nossas
agendas particulares. Ele tem Sua própria agenda. Seus caminhos não são os
nossos caminhos, nem seus pensamentos coincidem com os nossos. Que Ele é fiel,
ninguém duvida. Mas fiel a quê? Fiel aos Seus propósitos e não aos nossos
caprichos.
Semelhante àqueles discípulos,
muitos em nossos dias estão seguindo a uma projeção a quem identificam como
Cristo. Confundem a proposta do evangelho com ideologias políticas, e o reino
de Deus com projetos de poder. Por isso, não reconhecem Cristo onde verdadeiramente
Ele Se manifesta. Outros confundem Cristo com um gênio da lâmpada, cobrando d'Ele promessas que jamais fez.
Não percam seu tempo buscando-o nos
credos e confissões. Tampouco nas estruturas denominacionais rígidas e
cheirando a mofo. Ele é encontrado no caminho, no chão empoeirado da existência.
Percebendo a ignorância daqueles
discípulos, pacientemente começou a abrir-lhes as escrituras, apontando os
trechos que afirmavam tudo o que Ele teria que passar. Ainda assim, apesar de
seus corações arderem ante a exposição da Palavra, seus olhos se mantinham
cerrados.
Conhecimento das Escrituras não
garante que nossos olhos espirituais estejam abertos. Decorar versículos não evidencia
intimidade com o Deus revelado na Palavra.
Quando já estavam chegando à sua
casa, Jesus fez como quem prosseguiria viagem. Eles, porém, insistiram para que
ficasse com eles aquela noite.
Quando estavam à mesa para a
refeição, Jesus tomou o pão e repartiu-o com eles. Seus olhos, então, se
abriram. Mas, subitamente, Ele desapareceu diante deles.
Ora, se Jesus houvesse feito algo
sobrenatural diante deles enquanto caminhavam, eles certamente O teriam reconhecido.
Em vez disso, Jesus preferiu expor-lhes as Escrituras. Ele só fez algo
miraculoso depois de O terem reconhecido. Imagine o susto que levaram quando
Ele simplesmente desapareceu ante seus olhos!
Nenhum dos milagres feitos por
Jesus tinha a intenção de provar quem Ele era. O que o movia a realizá-los era
a compaixão. Penso que Ele não mudou Seu jeito de ser. Não consigo imaginar
Jesus fazendo sensacionalismo em cima dos milagres como vejo alguns de Seus supostos
representantes fazerem hoje na TV. Pelo contrário. Ninguém era tão discreto
quanto Ele, a ponto de pedir que os curados não espalhassem o que lhes
sucedera.
O mundo não reconhecerá a presença
de Cristo entre nós através de nossas performances circenses. Ele O reconhecerá
em nós da mesma maneira como aqueles dois O reconheceram à mesa: no partir do
pão.
Um pequeno gesto de amor pode fazer
cair muitas vendas. Quando os cristãos se dispuserem a repartir o que têm
recebido, todos saberão que Ele está entre nós, tão vivo quanto naquele dia em
que ressuscitara dentre os mortos.
Belíssima explanação sobre a passagem. Que Deus continue a te abençoar!!
ResponderExcluirExcelente artigo Pastor, gostei muito. Estou publicando no meu blog, com as devidas referências ok?!
ResponderExcluirUm abraço
Maravilhoso texto mano!
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