Por Hermes C. Fernandes
O atentado terrorista ocorrido em Boston no último dia 15 deixou milhões de imigrantes apreensivos quanto a uma eventual reviravolta que poderia provocar na tão aguardada reforma migratória prestes a ser promulgada nos EUA. Morei com a minha família naquele país por duas vezes e conheço bem de perto a luta que nossa gente passa por conta de seu status migratório. A maioria dos brasileiros é indocumentada, o que os impede de deixar o país para visitar familiares no Brasil e os mantêm sob constante risco de deportação.
Na última terça-feira (16), o grupo formado por senadores democratas e republicanos revelaram o tão sonhado projeto de lei que elimina o risco de deportação de milhões de imigrantes indocumentados e permitiria a possibilidade de eventualmente se tornarem cidadãos americanos. De acordo com a proposta, os estrangeiros que já viviam continuamente no país até 31 de dezembro de 2011 poderão aplicar para um status provisório seis meses depois que o Presidente Obama assiná-la. Entretanto, eles teriam que esperar um década ou mais até terem o direito de aplicar para a cidadania, o que lhes daria direito a benefícios federais, enquanto o Governo busca formas de aumentar a segurança na fronteira e fazer cumprir as novas leis migratórias.
O Presidente Barack Obama, que fez da reforma uma prioridade em seu segundo mandato, saudou o projeto. "É essencialmente consistente com os princípios que defendi repetidamente", considerou Obama. "Peço ao Senado que aja rapidamente para fazer com que este projeto avance."
Gostaria de propor neste artigo o exame da questão sob duas perspectivas, uma bíblica e outra política.
Tenho encontrado brasileiros cristãos naturalizados americanos, ou já em posse de seu Green Card, que apoiam a iniciativa do governo de perseguir os ilegais. Segundo eles, os imigrantes indocumentados estariam cometendo um tipo de pecado, por desobedecerem as leis do Estado. Ora, apesar de este tipo de postura estar embasado no texto bíblico, carece de um exame mais profundo da questão. Há vários precedentes bíblicos de pessoas retas que em algum momento de suas vidas foram imigrantes. A principal delas é o próprio Jesus, que fugindo da perseguição de Herodes, foi levado pelos seus pais para o Egito, onde viveu os primeiros anos de sua infância. Um Deus que conhece na pele o que é viver em terra alheia, sendo vítima de todo tipo de preconceito cultural e racial, pode perfeitamente identificar-se com aqueles que vivem a mesma situação. Será que ele viveu legalmente no Egito? Bem, se viveu escondido, como diz a Escritura, logo, viveu na clandestinidade.
E o que dizer de Moisés? Pelo decreto de Faraó, todos os recém-nascidos dentre os hebreus deveriam morrer. Mas as parteiras o desobedeceram deliberadamente. Por algum tempo, Moisés, além de filho de imigrantes, viveu na ilegalidade, até ser descoberto e adotado pela filha do monarca egípcio.
Poderíamos apontar outros precedentes bíblicos, mas em vez disso, que tal buscar a instrução dada por Deus quanto ao trato que deve ser dispensado ao imigrante?
Logo durante a organização civil do povo hebreu, Deus ordena:
“O estrangeiro não afligirás, nem o oprimirás, pois estrangeiros fostes na terra do Egito” (Êx. 22:21).
O Supremo Legislador chama Seu povo à consciência!
- Lembrem-se que vocês também foram imigrantes. Não tratem o estrangeiro da maneira como vocês foram tratados no Egito!
Além do mandamento claro, Deus ainda adverte:
“Se de alguma maneira os afligirdes, e eles clamarem a mim, eu certamente ouvirei o seu clamor. A minha ira se acenderá” (Êx.22:23-24a).
Ora, os Estados Unidos são um país construído por imigrantes. Os mesmos americanos que vociferam contra os ilegais são filhos e netos daqueles que deixaram a Europa, a Ásia e a África em busca de oportunidades na América. O próprio presidente Barack Obama é filho de imigrante, o que gerou enormes expectativas por parte da comunidade de imigrantes de que tão sonhada reforma migratória finalmente sairia.
Muitos acham que a decadência moral e espiritual da América se dá por conta da proibição de se fazer orações nas escolas, como antigamente. Pode até ser que isso tenha colaborado. Porém, não encontramos advertências bíblicas de que a ira de Deus se acenderia caso as crianças não orassem mais nas escolas, ou tivessem que aprender outra teoria que não fosse o criacionismo. Em vez disso, a advertência de Deus diz respeito ao tratamento dado aos estrangeiros. Pelo jeito, tem muita gente coando mosquito e engolindo camelos.
Outros alegam que tais leis migratórias mais duras coibiriam o aumento de criminalidade, diretamente ligado à imigração ilegal. Afinal, dizem eles, uma significativa parcela de crimes é praticada por estrangeiros. Ora, este raciocínio, além de preconceituoso, é raso e falacioso. Por que jovens imigrantes se envolvem com o crime? Não será pelo fato de não poderem concluir seus estudos? Ou ainda por não terem acesso ao mercado de trabalho formal? Quiçá estejamos invertendo a ordem, enxergando causas onde há efeitos, e efeitos onde há causas.
Quantos jovens imigrantes são vítimas de bullying nas escolas americanas… Pergunte aos meus filhos. Eles te dirão o que têm testemunhado cotidianamente. Se isso não é afligir o imigrante, o que é, então? Com quem estas crianças aprendem a desprezar colegas de outras etnias ou nacionalidades? Muitos ouvem seus pais acusarem os imigrantes por estarem desempregados, e acabam descarregando suas frustrações nos colegas da escola.
Não basta simplesmente não afligir o imigrante. A orientação bíblica vai além:
“Como o natural entre vós será o estrangeiro que peregrina convosco. Amá-lo-eis como a vós mesmos, pois fostes estrangeiros na terra do Egito. Eu sou o Senhor vosso Deus” (Lv. 19:34).
O imigrante precisa ser aceito, amado, acolhido. E mais: Deve ser tratado como se fosse nativo. Em momento algum Deus ordena que se dê privilégios aos imigrantes, e sim, que seja tratado sem discriminação. Caso contrário, o juízo de Deus vem.
Deve-se amar o estrangeiro, pelo simples fato de que Deus o ama (Dt.10:17-19).
O trato que Deus ordenou que Seu povo dispensasse ao estrangeiro era de tal ordem, que é usado como referência para o trato que devemos dispensar a nossos irmãos, quando estes atravessarem alguma dificuldade econômica:
“Quando teu irmão empobrecer e as suas forças decaírem, sustentá-lo-ás como a um estrangeiro ou peregrino, para que viva contigo” (Lv.25:35).
Quem diria... Em vez de o estrangeiro ser tratado como irmão, o irmão que deveria ser tratado como estrangeiro. Porém, hoje, tratar um irmão como se fosse um estrangeiro, seria considerado um total descaso, dado o desprezo com que tratamos àqueles que consideramos diferentes de nós.
Portanto, não se pode tomar o estrangeiro como bode expiatório da crise econômica. É comum justificar a perseguição aos imigrantes alegando que estes estejam tomando as vagas de emprego que poderiam ser ocupadas por americanos. Será que o americano estaria disposto a assumir o tipo de serviço exercido pela mão-de-obra estrangeira?
Recente relatório do censo populacional sobre a população latina nos Estados Unidos com aproximadamente 50 milhões, desencadeou um debate de que teriam sido a “chave” nas eleições de 2012 do país norte-americano. Há mais latinos do que negros no EUA. Se todos os imigrantes latinos fossem legalizados e com isso, obtivessem o direito ao voto, poderiam decidir qualquer eleição. A perseguição aos imigrantes, sobretudo, de origem latina, tem o sórdido objetivo de diminuir sua influência política. Algo semelhante ao que Faraó intentava, ao ordenar a morte dos infantes hebreus.
Do ponto de vista econômico, uma reforma migratória mais dura equivaleria a dar um tiro no pé. Só em 2009, os brasileiros injetaram mais de 4 bilhões de dólares na economia americana. No ano seguinte, teriam sido mais de 10 bilhões. Não são só os pastores que estão preocupados. O comércio, a indústria hoteleira, e até os parques têm razões de sobre para se preocuparem. Imagine, por exemplo, se os brasileiros, que hoje são responsáveis pelo segundo maior número de visitantes de Orlando, resolvessem boicotar a cidade? Não se esqueçam que a Disney não é exclusividade da Flórida. Além dos parques da Califórnia, também há parques na Europa e Ásia.
Urge que se levante alguém com o cacife profético de Martin Luther King Jr., para conclamar a população latina a unir-se em busca por seus direitos civis. Brasileiros e hispanos estão no mesmo barco. Somos todos latinos, com nossas convergências culturais, e não podemos desperdiçar a oportunidade histórica de lutarmos pelas próximas gerações. Este país ainda será governado por um presidente de origem latina. Quem viver, verá.
* Parte deste texto foi extraído de um artigo que escrevi sobre o mesmo tema em 2010 quando ainda morava nos EUA.
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