Por Alan Capriles
"Não concordo com o que dizes, mas defendo até a morte o direito de dizeres.” (Voltaire)
Ouvi esta frase pela primeira vez numa aula de história, quando adolescente, e nunca mais a esqueci. Fiz do “direito de dizeres” um lema em minha vida e não me arrependo. Acredito que a liberdade de expressão é mais do que uma conquista, é uma necessidade inerente ao ser humano.
Isto se aplica, principalmente, e questões de fé. Jesus Cristo, por exemplo, não era contra o livre pensamento. Ao ler os evangelhos encontro um Jesus que incentivava o raciocínio e a liberdade de expressão. Vemos isto, por exemplo, quando ele é abordado por um intérprete da Lei, que lhe faz uma pergunta. Ao invés de simplesmente responder, o Senhor lhe devolve outra pergunta:
“Então, Jesus lhe perguntou: Que está escrito na Lei? Como interpretas?” (Lucas 10:26 ARA)
Isto obrigou aquele homem a raciocinar e a expressar sua opinião. O mesmo princípio se aplica a muitas outras passagens na vida de Jesus. Será que hoje, vinte séculos depois, temos a permissão de raciocinar e de expressar livremente nossa opinião nas igrejas cristãs?
Lamentavelmente, aonde mais o raciocínio deveria ser incentivado é onde menos isto acontece: nas escolas e nas igrejas. Opiniões contrárias ao “status quo” geralmente são reprimidas por autoridades constituídas, sejam professores, padres ou pastores.
Foi por causa disso, por exemplo, que deixei o catolicismo, com apenas dezesseis anos de idade. Após fazer um EAC (Encontro de Adolescentes com Cristo) ganhei um Novo Testamento como lembrança. Ao contrário dos amigos que participaram comigo daquele encontro, comecei a ler o presente que nos deram. O resultado foi uma porção de questionamentos, que tentava esclarecer nas reuniões de juventude que aconteciam aos domingos antes da missa. Fazíamos um círculo e cada jovem podia fazer uma pergunta para um casal de líderes. Quando chegava a minha vez, eu abria o Novo Testamento e pedia que me explicassem os pontos de discordância entre o que a Bíblia dizia e o que a igreja católica ensinava. Nunca me respondiam. Até que, certo dia, quando chegou a minha vez na rodada de perguntas, fui proibido de perguntar. Indignado, quis saber o motivo. A justificativa era que eu estava perturbando a reunião e confundindo os jovens com as minhas perguntas. Todos me olhavam, esperando minha resignação. Ao invés disto, levantei-me dizendo: “Se na igreja católica não posso falar o que penso, a partir de hoje sou protestante!” E nunca mais voltei naquela igreja, perdendo todos os meus amigos daquela paróquia. Pouco tempo depois eu estava sendo batizado numa igreja evangélica.
Anos mais tarde, descobri que, no que diz respeito à liberdade de expressão, o protestantismo não é muito diferente do catolicismo. Certa vez cheguei a ser excluído de uma igreja evangélica por causa de um questionamento. O crime? Pedir que o pastor me mostrasse na Bíblia o que ele estava querendo implantar como nova doutrina. Como não havia mesmo base bíblica, o pastor preferiu me excluir imediatamente, aos berros, para que eu não tivesse tempo de alertar outros irmãos.
Vejo que o mesmo acontece na "blogosfera" evangélica. Às vezes escrevo comentários que nunca chegam a ser lidos por outros internautas, pois o dono do blog o exclui. Concordo que não devemos publicar comentários que contenham agressão, ou palavrões, mas não é este o caso. Alguns comentários que escrevo são excluídos simplesmente porque contém uma opinião contrária, ainda que seja bíblica e coerente.
Será que é proibido pensar diferente?
Será que, por ser cristão, não posso admitir a possibilidade de vida extraterrestre sem ser discriminado? Será que meu Deus precisa estar preso numa caixinha, impedido de criar vida em outras partes do Universo que Ele mesmo criou, só porque não está revelado nas Escrituras? Quem disse que Deus é obrigado a nos contar a história toda? Deus é Deus!
Será que, por ser cristão, não posso ouvir música que não seja evangélica, que não esteja alimentando um sistema gospel mercantilista? Por que não? A quem interessa que eu só ouça música evangélica? Quem sai mais beneficiado com isso? Pensem, pelo amor de Deus!!!
Será que, por ser cristão, eu só posso votar em evangélicos? Será que somente os evangélicos podem trabalhar a favor do povo? Se é que vão trabalhar...
Será que, por ser cristão, eu não posso dialogar com espíritas, budistas, muçulmanos, hindus e ateus? Jesus não dialogava com todos, ainda que não concordasse com eles? Jesus não permitia que todos expressassem suas opiniões, ainda que discordasse delas?
Será que, por ser cristão, eu não posso estar enganado em alguma doutrina? Sabemos que a verdade é uma só. Mas também é verdade que há crentes calvinistas e crentes arminianos, cada qual acreditando estar com a razão! Só existe uma verdade, mas há crentes pré-milenistas, pós-milenistas e amilenitas. Quem estará certo? Só existe uma verdade, mas existem crentes ortodoxos, carismáticos, pentecostais, neo-pentecostais e sabe-se lá mais o quê!
Se quisermos descobrir verdades, precisamos nos parecer mais com Cristo. Jesus era manso e humilde de coração, características essenciais para quem deseja crescer espiritualmente. Mansidão para dar ao próximo a chance dele se expressar. Quem sabe ele esteja certo! Humildade para reconhecer que não somos donos da verdade e mudarmos de opinião quando necessário.
Você pode até não concordar com o que penso. Mas saiba que, com certeza, defenderei o seu direito de me contestar. Sim, defenderei até a morte aquilo que pra mim é sagrado: o seu “direito de dizeres”.
Por Alan Capriles
Irmão Allan,
ResponderExcluirAssim como você, tive meu início de caminhada na igreja católica, mas também me deparei com perguntas não respondidas e lacunas teológicas que me conduziram à tradição reformada.
Quando eu achei que havia me encontrado no protestantismo, deparei-me com a mesma intransigência intelectual dos líderes: se pensamos diferentes da maioria, somos tachados de "hereges", "pedras de tropeço" e outros qualificativos menos nobres.
Para que você tenha uma ideia do ponto a que chega essa intransigência, cheguei a ser proibido de expressar minha opinião em algumas aulas do Seminário em que estudava. Não preciso dizer que minha passagem por lá foi rápida.
Não sei o que se perde quando se ensina o rebanho a pensar (aliás sei, mas não vejo as "perdas" como perdas reais).
Não se perde algo que nunca se teve.
Não se perde controle sobre o rebanho. Pessoas não estão nas igrejas para serem controladas, antes devem ser ensinadas a se tornarem discípulos verdadeiros, que amam o Senhor Jesus. Se não estamos fazendo isso, é porque não sabemos o que é amar a Jesus de fato, então impomos jugos para manter as vidas sob nosso controle.
Não se perde o respeito do rebanho ensinando o povo a pensar. Aliás esse é o maior medo de um líder! Admitir que encontraremos pessoas que nos questionem é um imperativo para quem deseja liderar. Questionamentos externos também nos fazem crescer, nos fazem pensar naquilo que jamais pensaríamos por nossa própria conta. A possibilidade de encontrarmos alguém mais intelectualmente preparado que nós entre as ovelhas deve ser motivo de alegria, pois é uma possibilidade de expansão do Reino por meio daquele capaz de compreender verdades e realidades que a maioria talvez não compreenda tão bem.
Infelizmente, quem se atreve a pensar fora da caixa é lançado na arena da apostasia, da heresia, do maucaratismo, da frieza espiritual. Recebe todos esses jugos pelo simples fato de ousar dizer que discorda, que pensa diferente, que acredita que o assunto requer mais debate.
Infelizmente, homens querem pensar sobre a Palavra de Deus, hoje, com os óculos usados pelos pensadores do século XVI e XVII. Homens geniais, imensamente usados por Deus, mas que ficariam estarrecidos e perplexos diante da complexidade do mundo contemporâneo em que vivemos e que, certamente, revisariam seus próprios escritos se o pudessem fazer.