Por Hermes C. Fernandes
Num
domingo desses, eu estava na fila de uma lanchonete fast food com minha filha Revelyn. Enquanto observava os crentes
que lá estavam, fiquei a imaginar o que teriam aprendido naquele dia. Será que a
mensagem que ouviram reverberaria durante a semana? Será que afetaria positivamente
seu comportamento cotidiano? Seriam eles pessoas melhores a cada culto?
Aquela
inquietação me levou a refletir durante toda a semana sobre a abordagem que
cada igreja faz acerca do Evangelho. Cheguei à conclusão que há, pelo menos,
três tipos de abordagem em voga em nossos dias. Vamos chamá-las de paradigmas:
# Paradigma Escapista
Este
mundo está prestes a acabar, e nossa missão é impedir que as pessoas sejam
condenadas ao inferno, e garantir que o céu seja devidamente povoado.
As
palavras chaves deste paradigma são: SALVAÇÃO, ALMAS, SANTIDADE,
ARREBATAMENTO, TRIBULAÇÃO, PROVAÇÃO, CÉU, PECADO, INFERNO, ORAÇÃO, JEJUM.
Igrejas com tais ênfases tendem a eleger como seu principal
inimigo o mundo, seguido da carne e do diabo.
Suas maiores preocupações são de ordem moral e espiritual.
Suas maiores preocupações são de ordem moral e espiritual.
Resultado:
Pessoas piedosas, às vezes, legalistas, porém,
descomprometidas com a realidade ao seu redor. Não há o que se fazer para mudar
o mundo, logo, a alternativa é esperar por um arrebatamento secreto que as tire
daqui e as leve para o céu. Há exceções, apesar destes viverem certa
incoerência com aquilo que creem. Como justificar, por exemplo, que alguém que uma
congregação que creia desta maneira invista milhões na construção de uma
catedral? Já que Cristo está às portas, por que não gastar tais recursos para
resgatar o máximo de almas do inferno? No passado, alguns resolveram levar isso
às últimas consequências, tirando seus filhos da escola, vendendo o que tinham
e investindo tudo na evangelização. Pelo menos, foram mais coerentes do que a
maioria dos atuais. Porém, o mundo não acabou como previram. E enquanto a
igreja retrocedeu, a ciência e a cultura
foram entregues nas mãos de incrédulos. Se antes, grandes cientistas
professavam sua fé em Jesus, agora, boa parte deles é constituída de céticos e
ateus. Hoje, a sociedade enxerga os cristãos como um povo sem instrução,
alienado, massa de manobra nas mãos de líderes inescrupulosos. Lamentável...
Pontos
positivos: Os membros destas igrejas costumam ser pessoas
honestas, recatadas, comprometidas com a versão do Evangelho que conhecem. Em
que pese a politicagem que acontece por trás dos bastidores, essas igrejas são
as que mais investem em evangelização e missões, e por isso, são as que mais
crescem em número.
Custo:
A relevância.
# Paradigma Oportunista
Já
que nossa estada aqui é passageira, nossa missão é garantir que as pessoas
tirem o melhor proveito dela.
As
palavras chaves deste paradigma são: AUTOESTIMA, BEM-ESTAR,
PROSPERIDADE, CURA, OFERTA, SACRIFÍCIO, DÍZIMO, CORRENTE, GOSPEL, MEGAIGREJAS,
CATEDRAIS, POLÍTICA, CRESCIMENTO, CONQUISTA.
Os inimigos eleitos por tais igrejas são o diabo, a
doença e a miséria.
Suas maiores preocupações são de ordem política e econômica.
Suas maiores preocupações são de ordem política e econômica.
Resultado:
Pessoas voltadas para si mesmas, para o seu bem-estar, seus sonhos, seus
projetos. Uma vida centrada no ego faz com que sejam presas fáceis nas mãos de
aproveitadores. Tornam-se também insensíveis ao sofrimento alheio e às
injustiças. Geralmente, aliam-se aos poderosos em busca de vantagens
econômicas. Para ter o que contar no próximo culto, vale tudo, inclusive
atitudes antiéticas. Se nas igrejas escapistas os crentes tendem ao legalismo,
nas igrejas oportunistas os crentes tendem ao fetichismo. Muitos acham que
podem manipular os poderes sobrenaturais a partir de amuletos, palavras
mágicas, sacrifícios financeiros, jejuns, lugares sagrados, etc. Trata-se de
uma fé supersticiosa, sem embasamento nas Escrituras. Porém, seus líderes,
quando doentes, não recorrem aos mesmos expedientes fantasiosos, antes,
procuram seus médicos, submetendo-se a tratamentos convencionais. Onde está sua
fé, afinal? Quando um crente fica doente, logo é acusado de não ter fé, ou de
não ser fiel nos dízimos, ou ainda, de estar em pecado ou sob a influência de
demônios. Por que duas medidas? Por que os líderes podem adoecer, mas os fiéis
jamais?
Ponto
positivo: Ainda que por uma motivação errada, os membros
dessas igrejas costumam ser aguerridos, 100% comprometidos com a versão do
Evangelho que conhecem.
Custo:
A credibilidade.
# Paradigma Conformista
Não
há o que se fazer para mudar os rumos deste mundo. Logo, nossa missão é a de
sermos guardiões da verdade, indicando o caminho para os eleitos, e aguardando
o novo céu e a nova terra.
As
palavras chaves deste paradigma são: PECADO, GRAÇA, REDENÇÃO, ETERNIDADE, REFORMA,
PREDESTINAÇÃO, ELEIÇÃO.
Os inimigos eleitos por tais igrejas são as HERESIAS.
Suas maiores preocupações são de ordem doutrinária e litúrgica.
Suas maiores preocupações são de ordem doutrinária e litúrgica.
Resultado: Indiferença. Falta de
paixão pelas pessoas. Nossa paixão é focada na doutrina. Amamos a verdade, não
as pessoas. Sentimo-nos bem conosco mesmo por termos sido escolhidos por Deus,
mas nos mantemos indiferentes para com aqueles que estão à nossa volta, por
desconhecermos se são ou não alvos da escolha soberana. Não há empenho
evangelístico, pois, afinal, os escolhidos virão de qualquer maneira. Ainda que
historicamente tais grupos tenham sido responsáveis por missões ao redor do
mundo, atualmente, a maioria está voltada para dentro de si, lutando pela
ortodoxia e liturgia.
Ponto positivo: As Escrituras são ensinadas
com zelo, produzindo crentes de caráter, comprometidos com a doutrina do Evangelho
e com os valores defendidos pela igreja ao longo dos séculos.
Custo:
A
simpatia.
# Paradigma Reinista
As
palavras chaves deste paradigma são: GRAÇA, REINO, FUTURO, GERAÇÕES, JUSTIÇA,
SUBVERSÃO, REVOLUÇÃO, RESTAURAÇÃO, AMOR.
Este
mundo pertence a Deus, e nossa missão é trabalhar para que a Sua vontade seja
feita aqui na terra, como é feita no céu, conscientizando as pessoas a pensarem
no futuro, honrando as gerações que as
antecederam e trabalhando pelas que virão. O foco não é o indivíduo, mas a
coletividade.
Nosso principal inimigo é a INJUSTIÇA.
Suas maiores preocupações são de ordem ética e social.
Suas maiores preocupações são de ordem ética e social.
Resultado: Gente apaixonada pelo
futuro, que pensa mais nas gerações do porvir do que em si mesma. Zelosa com o meio-ambiente. Engajada na
transformação da sociedade. Politizada, porém, não ingênua a ponto de ser massa
de manobra na mão de líderes gananciosos. Consciente de que a igreja não pode
comprometer-se com partidos, candidaturas ou ideologias, sob pena de perder sua
isenção profética. A transformação não começa de cima pra baixo, mas de baixo
pra cima. Os políticos atuais são o suprassumo da sociedade, e refletem o
estado em que estamos. É a sociedade que fornece ao mundo os maus políticos, os
policiais corruptos, os criminosos, etc. Somente a proclamação do Evangelho em
sua integralidade poderá reverter este quadro. A igreja deve produzir agentes transformadores que, uma vez infiltrados em cada setor da sociedade, devem promover a restauração de suas estruturas. Assim, a igreja cristã recobrará seu papel subversivo na História.
P.S. A título de analogia, digamos que o paradigma escapista equivale a um barco que se nega a ancorar no porto, mantendo distância segura do continente e oferecendo botes pra quem deseja nele embarcar. O paradigma oportunista equivale a um avião que pretende acessar a terra vindo do ar, por cima, em grande estilo, prometendo a todos os seus passageiros uma viagem agradável na primeira classe. O paradigma conformista pode ser comparado a um carro que insiste em chegar ao seu destino pela rota apontada pelo GPS, ainda que para isso tenha que enfrentar um trânsito caótico. Rotas alternativas, nem pensar. Não vale a pena o risco de parar pra consultar um transeunte. O paradigma reinista seria o metrô, que sem chamar a atenção pra si, posto que transita por baixo da terra, vai avançando discretamente rumo ao seu destino, parando em cada estação, tomando e dispensando passageiros à medida que segue seu caminho.
P.S. A título de analogia, digamos que o paradigma escapista equivale a um barco que se nega a ancorar no porto, mantendo distância segura do continente e oferecendo botes pra quem deseja nele embarcar. O paradigma oportunista equivale a um avião que pretende acessar a terra vindo do ar, por cima, em grande estilo, prometendo a todos os seus passageiros uma viagem agradável na primeira classe. O paradigma conformista pode ser comparado a um carro que insiste em chegar ao seu destino pela rota apontada pelo GPS, ainda que para isso tenha que enfrentar um trânsito caótico. Rotas alternativas, nem pensar. Não vale a pena o risco de parar pra consultar um transeunte. O paradigma reinista seria o metrô, que sem chamar a atenção pra si, posto que transita por baixo da terra, vai avançando discretamente rumo ao seu destino, parando em cada estação, tomando e dispensando passageiros à medida que segue seu caminho.
Excelente texto Bispo Hermes! Uma observação que faço é que muitas vezes os paradigmas escapista e oportunistas andam juntos em muitas igrejas. Nós aqui continuamos com o paradigma reinista. Apesar de não fazermos mais parte da mesma denominação (Reina), continuamos sendo parte do mesmo Reino. Seus textos continuam sendo muito inspiradores para nós. Grande abraço!
ResponderExcluirBispo Hermes, fiz o comentário acima, mas esquecei de me identificar: Rangel.
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