domingo, agosto 29, 2010

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Como se conjuga o verbo "ser igreja"

O verbo "Ser Igreja". Talvez não seja fácil conjugá-lo nem também explicá-lo, por ir além das imponentes catedrais ou das simples residências, onde a igreja costuma historicamente se reunir; por extrapolar os formatos litúrgicos, quer mais ou menos solenes, a que a igreja costuma frequentemente se deter; por não se limitar a apenas um momento ou a um dia sagrado, como a igreja costuma tradicionalmente guardar; por independer das estruturas organizacionais e hierárquicas a que a igreja costuma fortemente se adequar; por não resumir a audição a apenas um elemento humano falando em nome de Deus, como a igreja costuma atentamente ouvir; por não está necessariamente ligado a um nome ou denominação, como a igreja costuma alegremente se apresentar; e até por se espelhar no simples exemplo de vida de Jesus mais do que nos regimentos institucionais internos ou nos conceitos teológicos humanos, nos quais, a igreja, ao longo do tempo, resolveu fortemente se embasar.

É como se tivéssemos que, de repente, passar a conjugar um verbo cujo sentido aceitamos, com as melhores intenções buscamos praticar, mas que pelo simples fato de termos nascido num contexto que o verbaliza de forma inconscientemente inadequada, desgastada pelo tempo e corrompida pelas idéias, não conseguimos, tornando-se assim difícil de entender.

Como, então, viver sem dia e local específicos para se cultuar? Ou sem uma ordem litúrgica para se ocupar? Ou ainda sem estrutura para se organizar, ou hierarquia para se empoderar? Onde estariam os especialistas para dar orientação? Ou, os guias para conduzir a celebração? A quem prestar contas? Quem seria a tão falada cobertura espiritual? E que tal a expressão "guarda-chuvas"? É como se tivéssemos nascido numa caixa, da qual viver fora parece ser não só inadequado ou talvez inaceitável, mas simplesmente impossível e abominável ao Pai.

De fato, conjugar o verbo ‘Ser igreja’ é algo muito mais simples do que aquilo que temos aprendido com as nossas elucubrações religiosas milenares. Mesmo sendo difícil conseguir ‘sair da caixa’ e, em seguida, viver fora dela, para aqueles que o conseguem, um imenso oceano se abre à frente como se antes vivessem na medida de um pequeno aquário. O culto passa a acontecer todo dia e em todo lugar, das mais cotidianas das situações às reuniões mais solenes. O senso de pertencimento passa a extrapolar os listões de membresia e os guetos das igrejas chamadas locais, enxergando-se melhor o reino de Deus.

O evangelismo deixa de ser um plano de conquista de novos adeptos para tornar-se um testemunho de vida diário, com atitudes e, se necessário, com palavras, objetivando tão somente transmitir o crucial plano de amor do Pai para a vida do filho perdido.

A ação social deixa de ser um desencargo de consciência através de uma transferência financeira para uma ONG ou instituição religiosa, para tornar-se responsabilidade pessoal com os menos favorecidos que estão mais próximos. O discipulado passa a ser um ensino no caminho muito mais do que sobre o caminho, prazeroso privilégio voltado primeiramente aos nossos próprios filhos no convívio do lar. As relações líderes/liderados passam a ter base muito mais numa autoridade de vida cheia do Espírito, que gera serviço, do que em cargos eclesiásticos outorgados por instituições, que produzem controle e manipulação. Os métodos, sistemas e modelos estruturais ou organizacionais perdem a sua razão de ser, passando a valer muito mais o sentido de organismo, pelo simples fato de estarmos juntos, em encontros mais amigáveis e familiares do que solenes, e que acontecem nos mais diversos lugares, como residências, empresas, escolas, condomínios, hospitais, velórios, restaurantes, lanchonetes, praças de alimentação, quando espontaneamente os dons se manifestam e todos cuidam uns dos outros, orando, aconselhando, confessando, perdoando, socorrendo, amando, hospedando, encorajando, liderando, ensinando, exortando, profetizando, ofertando, e muito mais, num processo de edificação mútua tão bem relatada no novo testamento, mas nem sempre enxergada por nós, face à cegueira causada pela nossa indesejada e real religiosidade.

A forma de conjugação do verbo está escrita, embora tenhamos imensa dificuldade em lê-la. Talvez porque exija, em alguns momentos, a possível inexistência de, por exemplo, um período de louvor. O que seria, então, dos dirigentes? Ou da pregação. O que seria dos pastores? Ou do estudo bíblico? O que seria dos mestres da Palavra? Ou do ofertório? O que seria do movimento financeiro? E por que também não perguntar: o que seria de nós, se dependemos muitas vezes de cada um desses elementos? Conseguindo conjugar o tal verbo, certamente cada um dos ministros de louvor ou da Palavra, ou nós mesmos, seríamos simplesmente, igreja.

Habitando entre nós, Jesus provou saber muito bem conjugar este verbo. Mesmo antes dos acontecimentos relatados no livro de Atos, Ele costumava estar sempre à mesa com irmãos para desfrutar de ceias fartas de alimento, comunhão e amizade, sempre regadas a um bom vinho, elemento que ele aproveitou do cotidiano judeu, para utilizar como símbolo, juntamente com o pão, a fim de que, até a Sua volta, recordássemos e anunciássemos o Seu sacrifício na cruz "todas as vezes" que nos reuníssemos. Naquela mesma ocasião, com os doze primeiros discípulos dessa eterna comunidade, ele nos deixava o exemplo.

No dia em que um reconhecido pastor, ao tentar me elogiar, afirmou que eu sabia "fazer igreja" muito bem, a minha boca calou e o meu coração se incomodou diante do seu grande equívoco. Não deixava de lembrar que certamente essa é uma tarefa do Espírito, não minha. Com o tempo, tal inquietação teve resposta no meu coração descobrindo que, primeiro, existe uma caixa; segundo, que é possível sair dela, apesar de um forte preço; e, terceiro, que como a ideia por si só traduz, é maravilhosamente libertador. Aprendi a não querer inconscientemente ser o Espírito Santo, na tentativa de ‘fazer igreja’, mas a buscar a Sua ajuda para conseguir conjugar o verbo ‘Ser Igreja’.

Augusto Guedes

6 comentários:

  1. Assim como Martinho Lutero afixou as 95 teses na porta da Igreja do Castelo de Wittenberg em 1517, acredito que esse artigo deveria ser afixado na porta de cada templo, de cada catedral, que diz professar a fé em Cristo Jesus; como um convite aberto a um verdadeiro retorno a essência do Cristianismo!

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  2. Bom dia meu amigo, amigo houve umas mudanças e gostaria de sua atenção.
    O blog que esta em seu "diga com quem tu andas..."
    mudou de link,
    antes: www.samborawilliams.blogspot.com,
    o novo link é: www.escandalodagraca.blogspot.com.

    Queria que troca-se ou pra não lhe dá trabalho como é uma pessoa muito ocupada, colar de novo o banner (novo link) e colar aqui no seu...

    Antes de mais nada muito obrigado...
    Se puder trocar msn pra sempre mantermos contatos agradeceria..

    Fica na Paz Bispo!

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  3. Anônimo2:33 PM

    Oie!

    Eu
    Tu
    Ele
    Nós
    Vós
    Eles
    Somos um em Cristo.

    A igreja é um organismo vivo, que contém a vida de Deus!!!

    A igreja é o corpo de Cristo, o corpo de Cristo é a igreja!!!

    Amei esse texto!

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  4. Sambora Williams,

    Obrigado por me avisar. Já atualizamos seu link.
    Abraço.

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  5. Tibérius4:03 PM

    Fala Hermes descobri suas mensagens através do Genizah! Tenho sido muito edificado quando vejo seus vídeos. Parabéns.
    Estamos vivendo uma confusão eclesiástica tão perigosa que textos como esse nos inspiram e aliviam, ainda há esperança, afinal trata-se do Corpo de Cristo e não desta ou daquela denominação ou local com tijolos ou pedras de Israel...

    Obrigado irmão, valeu por tudo. Me senti importante com seu comentário... KKKKKK
    Estamos juntos...

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  6. Amado Hermes,

    O irmão Augusto expressou brilhantemente a conjugação do verbo "Ser Igreja".

    Seguindo essa linha, creio que tem um "tempo verbal", nesse verbo, que costuma ser esquecido: quando nós começamos a ser convertidos e aprendemos um pouco da Palavra, temos um impulso instintivo de almejar o episcopado, ou de sermos o "bom samaritano". São coisas "boas" e elogiadas pela Palavra. Só que esse episcopado supõe um rebanho a ser instruído, e esse "bom samaritano" supõe uma pessoa caída a ser restaurada. E, dificilmente, nos colocamos em tais situações, ou, pelo menos, reconhecemos que estamos em tal situação. Normalmente, queremos ser o instrumento da bênção, não a pessoa necessitada. Isto cheira à soberba.

    Então, o tempo verbal que tem sido esquecido na nossa conjugação é humildade. Se conjugássemos mais desta forma, vários erros citados pelo Augusto seriam evitados.

    Grande abraço e continue na Paz!

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