terça-feira, março 06, 2012

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O Deus Pródigo




Por Hermes C. Fernandes

Uma das parábolas contadas por Jesus de maior popularidade é a do Filho Pródigo. Há quem a use para afirmar a disposição que Deus tem de perdoar, sem que haja a necessidade de qualquer sacrifício expiatório. Para estes, a morte de Jesus na Cruz não teria caráter expiatório, mas seria apenas uma demonstração de como desafiar os sistemas deste mundo pela via do pacifismo e do amor. Jesus seria um revolucionário, mas não o Salvador dos homens; um pacifista, e não Aquele por cuja morte seríamos livres de nossos pecados.

Seria esta a mensagem subliminar da parábola do Filho Pródigo? Não! Teria o perdão dispensado pelo pai ao filho rebelde custado alguma coisa? Vamos reexaminar o texto em busca de respostas.

A parábola começa com a apresentação de seus três protagonistas:

“Certo homem tinha dois filhos. O mais moço deles disse ao pai: Pai, dá-me a parte dos bens que me pertence. E o pai repartiu os bens entre os dois” (Lc.15:11-12).

De acordo com a Lei, o filho primogênito tinha direito a dois terços da herança, e um terço dela deveria ser dividido com os demais herdeiros. Mas como aquele homem só tinha dois filhos, coube ao caçula a terça parte da herança.

Aquele foi um pedido inusitado. O pai não tinha qualquer obrigação em atendê-lo. Para que os filhos desfrutassem de seu direito na herança, deveriam esperar a morte de seu pai. Porém, o mais moço tinha pressa. Era como se ele dissesse: “Pai, já que você está demorando tanto a morrer, dá-me logo a parte que me cabe”. Tal pedido equivalia a desejar a morte do próprio pai.

Mesmo triste, o pai resolveu atendê-lo. Não apenas deu-lhe sua parte, mas também a do seu irmão mais velho, que recebera o dobro que ele. Em outras palavras, o pai abriu mão de tudo quanto tinha. Ainda que continuasse à frente dos negócios da família, legalmente já não se constituía dono.

O filho primogênito, ainda que não tenha feito pedido algum, não abriu a boca para reclamar. Porém, mesmo assumindo a propriedade de tudo, manteve-se fiel e subordinado ao pai.

O texto diz que “poucos dias depois, o filho mais novo, ajuntando tudo, partiu para uma terra longíngua, e ali desperdiçou os seus bens, vivendo dissolutamente” (v.13).

Isso significa que o pai teve que colocar parte de sua propriedade à venda, para que seu filho recebesse sua herança em dinheiro. Portanto, a família perdeu prestígio junto à comunidade. Só lhe restara dois terços de tudo quanto conseguira amealhar durante toda sua vida.

Para não sofrer a censura de ninguém, o caçula partiu para uma terra distante, e lá desperdiçou tudo. O que custara anos de trabalho ao seu pai fora gasto em poucos dias de farra e diversão. Quando o dinheiro acabou, e os novos amigos desapareceram, aquele moço se viu em apuros. Ele achava que poderia ser bem-sucedido, arrumar um bom trabalho, prosperar. O que ele não contava era que houvesse uma grande fome naquela região justamente naqueles dias. Resultado: começou a padecer necessidades. Sem opções, viu-se obrigado a aceitar a oferta de um dos cidadãos daquela terra: apascentar porcos.

Na cultura judaica, nada seria mais humilhante que isso. Os judeus não criavam porcos. Isso indica que ele deixou suas raízes, para viver no meio de um povo cuja cultura era totalmente diferente da sua. Provavelmente seu pai criava ovelhas. Das ovelhas se poderia aproveitar a lã, a carne, o leite. Mas dos porcos, o que se poderia aproveitar? Pela Lei judaica, bastava-lhe tocar em um desses animais, e ele seria tido por impuro. Imagine ter que apascentá-los! Sua condição era tão precária, que o texto diz que “ele desejava encher o estômago com as alfarrobas que os porcos comiam, mas ninguém lhe dava nada” (v.16). Sua dignidade foi literalmente parar na lama. Se ele fosse um gentio, certamente desejaria comer um daqueles porcos. Mas por ser judeu, desejou comer da lavagem dos porcos.

Neste estado de absoluta miséria, ele finalmente caiu em si, e disse: “Quantos trabalhadores de meu pai têm abundância de pão, e eu aqui pereço de fome! Levantar-me-ei, e irei ter com meu pai, e dir-lhe-ei: Pai, pequei contra o céu e perante ti. Já não sou digno de ser chamado teu filho: faze-me como um dos teus trabalhadores” (vv.17-19). Não fazia sentido continuar naquela rebelião gratuita, enquanto poderia estar desfrutando da prosperidade da casa do pai, ainda que não mais como filho, mas como empregado. Seu orgulho estava no chão. Seus argumentos cessaram. Só lhe restava arrepender-se e voltar para os braços do pai.

Ele sabia que lá chegando, não teria mais qualquer direito. Sua parte na herança já fora dada. Portanto, nada havia a reivindicar. Sem direitos, sem herança, só lhe sobrara apelar à misericórdia de seu pai, rogando-lhe um emprego.

Ele não pediu para ser seu escravo, mas um trabalhador de sua fazenda. O escravo nada recebia por seu trabalho, a não ser comida e estadia. Mas o trabalhador era remunerado. Provavelmente, sua esperança era a de devolver ao pai o prejuízo resultante de sua rebeldia juvenil, e assim poupar o pouco que restava de sua honra.

O texto prossegue: “Então, levantando-se, foi para seu pai. Quando ainda estava longe, viu-o seu pai, e se moveu de íntima compaixão e, correndo, lançou-se-lhe ao pescoço e o beijou” (v.20). Para nós, a imagem que emerge deste verso não nos causa o mesmo impacto que causou nos ouvintes de Jesus. Àquela época, seria inconcebível que um pai agisse dessa maneira. Aquele filho atentara contra sua honra. Dera-lhe um prejuízo irreparável. E agora, o que ele faz ao ver a silhueta de seu filho despontando no horizonte? Sai-lhe ao encontro correndo! Não movido por vingança, ou por mágoa, mas por uma “íntima compaixão”. Ele não apenas corre ao encontro de seu caçula, mas também se lança ao seu pescoço e começa a beijá-lo. Nada de acusação! Nada de “eu te disse, eu te disse!”. Apenas beijos, abraços e muitas lágrimas.

Saudade de ouvir sua voz, de sentir o cheiro de seu cangote, o calor dos seus braços, o carinho de seu afago...

O filho, então, se põe a falar tudo o que havia ensaiado. “Pai, pequei contra o céu... blá, blá, blá”. De repente, o pai lhe interrompe, e diz aos seus servos: “Trazei depressa a melhor túnica e vesti-o com ela, e ponde-lhe um anel na mão, e sandálias nos pés...” (v.22). Com este gesto, o velho pai estava dizendo: Não o receberei como empregado, mas como filho. Não espero qualquer restituição de sua parte. Eu quem lhe restituo a posição de que você abriu mão.

O anel que recebera tinha o selo da família. Em vez de ser contratado como trabalhador, ele é quem contrataria trabalhadores para o seu pai.

Agora era hora de celebrar! “Trazei o bezerro cevado, e matai-o. Comamos, e alegremo-nos. Pois este meu filho estava morto, e reviveu, tinha-se perdido, e foi achado. E começaram a alegrar-se” (vv.23-24).

Até aí, só festa! Mas de repente, Jesus traz de volta ao cenário outro personagem: o filho primogênito.

“O filho mais velho estava no campo. Quando voltou, e chegou perto de casa, ouviu a música e as danças. Chamando um dos criados, perguntou-lhe o que era aquilo. Ele lhe disse: veio teu irmão, e teu pai matou o bezerro cevado, porque o recebeu são e salvo. Mas ele se indignou, e não queria entrar. Então, saindo o pai, instava com ele” (vv.25-28).

Uma festa? Matou o bezerro cevado? Na mente daquele filho mais velho, aquilo simplesmente não era justo. Agora quem estava sendo pródigo era seu pai, gastando com um filho que o desprezara. – Desta festa me recuso a participar!

O mesmo velho pai que saíra ao encontro do filho mais jovem, agora sai ao encontro do mais velho, e insiste para que entre na festa.

Jesus havia sido acusado pelos religiosos da época de assentar-se com prostitutas, publicanos e pecadores. Através desta parábola, Ele revela que a humanidade está dividida em dois grupos: os pródigos (pecadores em geral) e os que se consideram “fiéis ao pai” (religiosos). Esta parábola mostra que ambos estão igualmente perdidos. E se não for o Pai a sair ao encontro de ambos, não haverá esperança para eles.

Um está perdido em seus pecados. O outro perdido em sua religiosidade. Um perdido por não ter nada. O outro perdido por achar que tem tudo. Um cheio de arrependimento, outro cheio de justiça própria. Enquanto um se perde, o outro "se acha"! Um pródigo, outro prodígio.

O filho mais velho resolveu argumentar com o pai: “Olha, sirvo-te há tantos anos, sem nunca transgredir o teu mandamento, e nunca me deste um cabrito para alegrar-me com os meus amigos. Vindo, porém, este teu filho, que desperdiçou os teus bens com meretrizes, tu mandaste matar para ele o bezerro cevado” (vv.29-30).

O tal bezerro cevado era a gota d’água! Ele não se incomodou com o anel recebido pelo irmão, nem mesmo com a festa, mas com o bezerro cevado. Era comum as famílias separarem um bezerro e engordá-lo para uma ocasião que fosse muito especial, em que toda a comunidade seria convidada a celebrar. O “bezerro cevado” pode representar a vida de Cristo entregue por nós.

Achando que seu argumento convenceria seu pai do quão pródigo estava sendo, o filho mais velho ouviu a seguinte resposta:

“Filho, tu sempre estás comigo, e todas as minhas coisas são tuas. Mas era justo alegrarmo-nos e folgarmos, porque este teu irmão estava morto e reviveu, estava perdido e foi achado” (vv.31-32).

Jesus encerra Sua parábola abruptamente. Nunca saberemos se o irmão mais velho entrou ou não na festa. O fato é que seus argumentos caíram. Ele havia se esquecido que ao repartir a herança entre os filhos, dois terços dela lhe foram dados. Portanto, tudo o que restara a seu pai agora lhe pertencia. E ele chorando por causa de um bezerro...

Mas aqui cabe uma reflexão. Ora, se tudo agora pertencia ao irmão mais velho, logo a festa pela volta do mais novo estava sendo custeada por ele. Talvez por isso ele se sentira tão incomodado. Seu irmão festejava às suas custas. Seu pai estava gastando o que lhe pertencia por direito.

É claro que na parábola a figura do irmão mais velho representa os judeus religiosos da época, enquanto o mais novo representa os pecadores, os gentios, os excluídos. Porém, podemos amplificar um pouco sua abrangência.

O filho pródigo representa a humanidade como um todo. Todos nos extraviamos e juntos nos fizemos inúteis. Não há um justo sequer! Este é o diagnóstico que as Escrituras fazem acerca da humanidade. Todos desperdiçamos nossa herança dissolutamente. Basta vermos o que estamos fazendo com o planeta!

Neste caso, quem seria o irmão mais velho? O primogênito da criação? JESUS CRISTO!

Diferente do irmão mais velho da parábola, Jesus Se dispõe graciosamente a custear nossa redenção, e a bancar a festa da reconciliação.

Agora somos chamados a agir à Sua semelhança. Paulo diz que fomos predestinados para sermos “conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos” (Rm.8:29). Todos somos filhos de um mesmo Pai. Como disse o escritor de Hebreus: “Tanto o que santifica (JESUS), como os que são santificados (nós), vêm todos de um só (DEUS, O PAI). Por esta causa Jesus não se envergonha de lhes chamar irmãos” (Hb.2:11).

Ele é o anfitrião da festa! O bezerro cevado é Sua própria vida entregue por nós. E agora, nos convida a tomá-lo como exemplo, dando também a nossa vida pelo mundo.

O escritor de Hebreus se refere à igreja como “igreja dos primogênitos inscritos nos céus” (Hb.12:23). Estamos dispostos a bancar a festa da reconciliação de Deus com o Mundo? Ou, à semelhança do filho primogênito da parábola, nos sentiremos enciumados e injustiçados? O cevado já foi sacrificado! A festa já começou! Vamos ficar do lado de fora murmurando?

Tiago diz que “segundo a sua vontade, ele nos gerou pela palavra da verdade, para que fôssemos como que primícias (primogênitos) das suas criaturas” (Tg.1:18). Portanto, quem é nossa referência de primogenitura, o primogênito da parábola ou o Primogênito da Criação, Jesus?

Este Deus Pródigo, que gasta o que tem pela salvação de Seus filhos, convida-nos a sermos igualmente pródigos, não como aquele filho caçula, que desperdiçou o que tinha para seu próprio aprazimento (Tg.4:3), mas como Jesus que não poupou Sua própria vida para nos receber de volta na Casa do Pai. Pois, “nisto conhecemos o amor: que Cristo deu a sua vida por nós. E devemos dar a nossa vida pelos irmãos” (1 Jo.3:16). Ou como disse Paulo: “Pois o amor de Cristo nos constrange, julgando nós isto: um morreu por todos, logo todos morreram. E ele morreu por todos, para que os que vivem não vivam mais para si (...) E tudo isto provém de Deus que nos reconciliou consigo mesmo por Jesus Cristo, e nos deu o ministério da reconciliação, isto é, Deus estavam em Cristo, reconciliando consigo o mundo, não imputando aos homens os seus pecados, e nos confiou a palavra da reconciliação” (2 Co.5:14-15a, 18-19).

Portanto, gastemos e nos deixemos gastar pelas almas dos homens, amando-os sem esperar nada em troca (2 Co.12:15). E que ao repartirmos nossos haveres, façamos com total prodigalidade (Rm.12:8).

E aí, vamos festejar? Todos estão convidados! A a festa está só começando... Vai ficar do lado de fora?.


Publicado originalmente em 17/01/2010

6 comentários:

  1. Muito bom, Hermes.

    Uma observação:

    Os escravos judeus eram considerados parte da família (quse filhos adotivos) e continuavam com ela para sempre.

    Os empregados judeus não eram parte da família, podiam ser dispensados e eram considerados hierarquicamente abaixo dos escravos.

    Assim, o filho pródigo se ofereceu para uma posição abaixo de escravo.

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  2. Veja meu blog:

    atos17.blogspot.com

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  3. Missionário Barbosa6:43 PM

    Bispo Hermes, Sem Jesus Cristo não dá para ser feliz.
    O irmão referiu estes dois versículos que me chama atenção.
    "GASTAREI E ME DEIXAREI GASTAR PELAS VOSSAS ALMAS."2 Co 12.15.
    O espírito de Paulo, de amor devoto àqueles a quem ele procura ajudar, é um exemplo para todos os pastores, professores, missionários e obreiros em geral. Suas palavras retratam o seu amor devotado; leiam 2 Co 6.11,13; 7.1,4, como o de um pai por seus filhos. è um amor que o levava a gastar-se até o fim, para o bem dos outros; um amor que não pensa em si, mas que demonstra gunuína solicitude àqueles que estão sob seus cuidados. Paulo não quer nada em troca, contanto que seus corações estejam voltados apra Cristo. Todo fiel ministro do evangelho deve possuir esse tipo de amor.
    "EXORTA REPARTE PRESIDE EXERCITA MISERICÓRIDA."
    2 Co 12.8.
    Trata-se, aqui, de dons espirituais.
    1- Exortar é a disposição, capacidade e poder dados por Deus, para o cristão proclamar a Palavra de Deus de tal maneira que ela atinja o coração, a consciência e a vontade dos ouvintes, estimule a fé e produza nas pessoas uma dedicação mais profunda a Cristo e uma separação mais completa do mundo; leiam
    At 11.23; 14.22; 15.30,32; 16.40; I Co 14.3; I Ts 5.14,22; Hb 10.24,25.
    2- Repartir é a disposição, capacidade e poder, dados por Deus a quem tem recursos além das necessidades básicas da vida, para contribuir livremente com seus bens pessoais, para suprir necessidades da obra ou do povo de Deus; leiam
    2Co 8.1,8; Ef 4.28.
    3- Presidir ou liberar é a disposição, capacidade e poder dados por Deus, para o obreiro pastorear, conduzir e administrar as várias atividades da igreja, visando ao bem espiritual de todos; leiam Ef 4.11,12; I Tm 3.1,7; Hb 13.7,17,24.
    4- Misericórdia é a disposição, capacidade e poder dados por Deus para o cristão ajudar e consolar os necessitados ou aflitos.; Ef 2.4.

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  4. Amei o texto!!! Muito bem explanado. Outra explanação sobre a parábola do filho gastador que eu amei foi do Juliano Son (Ministério Livres para Adorar), na Batista da Lagoinha (aqui: http://www.youtube.com/watch?v=qr4kZlDiBNM ).

    Uma coisa que vc disse no texto que achei muito relevante foi sobre o primogênito, o irado enciumado que ficou “retado” pelo pai ter cedido o boi gordo para festejar a volta do gastador. Eu penso que na cabeça desse irmão mais velho corria o pensamento: “Que safado esse meu irmão! Gastou a parte da herança dele e agora vem comer da minha”. O que me leva a pensar isso é a próxima parábola que Jesus solta no capítulo 16, onde aborda o assunto DINHEIRO: “Vocês não podem servir a Deus e ao Dinheiro. Os fariseus, que amavam o dinheiro, ouviam tudo isso e zombavam de Jesus”. Penso que os fariseus estavam muito bem representados na parábola do filho pródigo, na posição do filho primogênito, que apesar de tanta falta de misericórdia, de talvez tanto amor pelas riquezas terrenas, estava encontrando na mesma parábola o amor do pai que sai (sem orgulho) ao seu encontro para uma chance de mudar sua atitude... O Pai bom esse nosso ein?!?

    A paz irmão, e mais uma vez, belo texto!

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  5. A paz do Senhor querido. Quero agradecer por você esta seguindo o meu blog www.pastormelqui.com nós temos uma web-rádio www.avivafe.com e gostaria de saber como podemos colocar um banner ou player em seu site ou no Genizar, gostaria de saber quanto custa. Desde já agradeço pela atenção.

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  6. Anônimo3:10 PM

    muito bom parabéns pelo excelente texto

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