Em decepção profunda, chorei pela frouxidão da igreja. Mas estejam certos de que minhas lágrimas foram lágrimas de amor. Não pode existir decepção profunda onde não existe amor profundo. Sim, amo a igreja. Como poderia não amar? Estou na posição um tanto singular de filho, neto e bisneto de pregadores. Sim, vejo a igreja como o corpo de Cristo. Mas, oh!, como maculamos e deixamos cicatrizes nesse corpo por meio da negligência social e por meio do medo de sermos não-conformistas.
Houve um tempo em que a igreja era bastante poderosa – no tempo em que os primeiros cristãos regozijavam-se por ser considerados dignos de ter sofrido por aquilo em que acreditavam. Naqueles dias, a igreja não era apenas um termômetro que registrava as idéias e princípios da opinião pública; era um termostato que transformava os costumes da sociedade.
Quando os primeiros cristãos entravam em uma cidade, as pessoas no poder ficavam transtornadas e imediatamente buscavam condenar os cristãos por serem “perturbadores da paz” e “forasteiros agitadores”. Mas os cristãos prosseguiam, com a convicção de que eram “uma colônia do céu”, que devia obediência a Deus e não ao homem. Pequenos em número, eram grandes em compromisso. Eles eram intoxicados demais por Deus para serem “astronomicamente intimidados”. Com seu esforço e exemplo, puseram um fim em maldades antigas como o infanticídio e duelos de gladiadores. As coisas são diferentes agora. Com tanta frequência a igreja contemporânea é uma voz fraca, ineficaz com um som incerto. Com tanta frequência é uma arquidefensora do status quo. Longe de se sentir transtornada pela presença da igreja, a estrutura do poder da comunidade normal é confortada pela sanção silenciosa – e com frequência sonora – da igreja das coisas tais como são.
Mas o julgamento de Deus pesa sobre a igreja como nunca pesou. Se a igreja atual não recuperar o espírito de sacrifício da igreja primitiva, perderá sua autenticidade, será privada da lealdade de milhões e será descartada como um clube social irrelevante com nenhum significado para o século XX. Todos os dias, encontro pessoas jovens cuja decepção com a igreja tornou-se uma repugnância absoluta.
Talvez tenha sido mais uma vez otimista demais. Estará a religião organizada ligada inextricavelmente demais ao status quo para salvar o país e o mundo? Talvez deva dirigir minha fé à igreja interior, espiritual, a igreja dentro da igreja, como a verdadeira ekklesia e a esperança do mundo. Mas, de novo, sou grato a Deus por algumas almas nobres das fileiras da igreja organizada terem rompido as correntes paralisantes do conformismo e unido-se a nós como parceiros ativos na luta pela liberdade (...) Alguns foram expulsos de suas igrejas, perderam o apoio de seus bispos e colegas sacerdotes. Mas agiram com a fé de que o bem derrotado é mais forte do que o mal triunfante. Sua testemunha tem sido o sal espiritual que tem preservado o verdadeiro significado do evangelho nesses tempos turbulentos. Eles cavaram um túnel de esperança através da montanha negra da decepção. Espero que a igreja como um todo enfrente o desafio nessa hora decisiva. Mas mesmo que a igreja não venha ajudar a justiça, não perco a esperança no futuro.
Carta de Martin Luther King, Jr. escrita enquanto estava preso em Birmingham.
Fonte: ORDEM LIVRE [via Pavablog]
Esta carta é considerada o marco de todos os esforços em prol dos direitos humanos na era moderna. Vale a pena conhecer, vale mais ainda ler AQUI
E pensar que esta carta foi escrita há tanto tempo. Será que as coisas mudaram muito pra igreja nas últimas décadas?
Cara, muito legal. Gostei. Tinha lido no Pavablog, mas não sabia que tinha vindo daqui... valeu!
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