quarta-feira, dezembro 11, 2013

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A fúria das águas




Por Hermes C. Fernandes


Enchentes! Já passei por algumas aqui mesmo no Rio de Janeiro. Mas nenhuma como a que vivemos em 1996. Aquela foi uma das maiores enchentes ocorridas em nossa cidade.

Morávamos em uma modesta casa de vila em Jacarepaguá. Naquele dia, Tânia, minha esposa, amanheceu inspirada para arrumar a casa. Havíamos comprado uma capa nova para o jogo de sofá. As paredes haviam sido pintadas para o Natal. Tudo cheirava a novo!

Minha esposa sempre foi muito zelosa com a casa. E quando ela amanhece inspirada, muda tudo de lugar. Mesmo quando estava grávida, ela movia os móveis de um lado para o outro. Quando eu chegava da igreja, o susto: a estante estava do outro lado da sala, a cama do quarto havia mudado de posição com o armário, a geladeira ocupava o lugar do fogão.

Aquele foi um daqueles dias de inspiração. Eu e as crianças, ainda bem pequenas, a ajudamos a trocar as coisas de lugar. Quando finalmente terminamos a arrumação, começou a chover.

Não ficamos preocupados com a chuva, pois no verão é comum chover quase todas as tardes.

Porém algo nos assustou: um monte de baratas começaram a sair dos ralos e a subir as paredes. Que cena horripilante! As crianças subiam no sofá, gritando, com medo das baratas. Tânia nunca teve essas "frescuras". Se aparecesse uma barata, ela simplesmente a matava, fosse com o chileno ou com uma vassoura. Mas agora eram centenas delas.

Minutos depois, soubemos a razão de elas terem saído dos ralos.

A água começou a entrar pelas frestas da base das portas. Tentei coibir com panos de chão, e até logrei um êxito momentâneo. Mas a água não parava de subir. Em poucos minutos, ela alcançou nossos tornozelos. E nada indicava que ela fosse parar aí.

Ao nos dar conta disso, Tânia e eu começamos a tentar salvar algumas coisas. Levamos as crianças para a casa de cima, onde morava meu irmão com sua família. Colocamos os colchões sobre os armários. Tiramos as gavetas, e as colocamos em lugares altos, com todas as nossas roupas. Os eletro-eletrônicos também foram elevados. Quando a água chegou à nossa cintura, não tivemos alternativa. Até a máquina de lavar, tão pesada, estava flutuando na área de serviço, próximo das escadas que davam para a casa do Elias. A água chegou a ultrapassar a altura do meu peito (tenho 1,72 m).

Tânia chorava muito, mas não parava pra se lamentar. Eu só sabia dizer a ela, e às crianças: Deus está no controle!

Enquanto tentávamos salvar alguma coisa, lembramos dos vizinhos, principalmente daqueles que tinham filhos pequenos, e cuja casa não tinha andar superior. Saímos desesperados para tentar salvá-los. Tomamos várias crianças no colo, e as levamos para a casa do meu irmão. Desligamos a chave de luz de algumas casas, pois poderia causar um acidente ainda fatal.

A casa de Elias ficou superlotada. Da janela vimos quando chegou um barco oferecendo socorro. A rua da vila parecia um rio de fortes correntezas. Pra minha sorte, meu carro (na época, um corsa verde), havia sido estacionado no meio da vila, eu uma pracinha que ficava um pouco mais alta. Minha casa era uma das últimas da vila, na parte mais baixa. Não havia passagem para a água, por causa de um enorme muro que havia no final.

Deixamos de chorar, e passamos a louvar a Deus pela oportunidade de ajudar alguns vizinhos. Desde então, nossos vizinhos, que raramente falavam conosco, se tornaram nossos amigos, pois viram o testemunho de nossa fé, ao estender-lhes as mãos com amor.

Tragédias acontecem... e não adianta tentar explicá-las teologicamente. Em vez disso, devemos aproveitar a oportunidade para demonstrar o amor que Deus colocou em nossos corações por nossos semelhantes.

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