quarta-feira, outubro 03, 2007

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A Cruz: início de toda a existência

“...mas com o precioso sangue de Cristo, como de um cordeiro sem defeito e sem mancha, o que, na verdade, foi conhecido ainda antes da fundação do mundo, mas manifesto nestes últimos tempos por amor de vós” (1 Pe.1:19-20).

“...cordeiro que foi morto desde a fundação do mundo” (Ap.13:8b).

Eis duas passagens enigmáticas das Escrituras cristãs. Como entender que o Cordeiro, que é Cristo, foi morto antes da fundação do mundo? Afinal, Sua morte foi um fato histórico ou meta-histórico? Teria havido Cruz, antes mesmo que houvesse luz?

Há duas passagens em Apocalipse que parecem lançar uma nova luz sobre tais questões:

“Eu sou o Alfa e o Ômega, o princípio e o fim, diz o Senhor, aquele que é, que era e que há de vir, o Todo-poderoso” (Ap.1:8).

Nesta primeira passagem, Jesus Se apresenta a João como a primeira e a última letra do alfabeto grego. Ele é o princípio e o fim. Se entrássemos numa máquina do tempo, e retrocedêssemos até o momento inicial do tempo, lá O encontraríamos. Se avançássemos até o momento derradeiro, lá O encontraríamos também. Toda a História está contida n’Ele. Todo o Tempo está contido n’Aquele que é o Pai da Eternidade. A própria existência está inserida n’Ele. Como disse Paulo em seu famoso discurso aos atenienses: “Pois nele vivemos, e nos movemos, e existimos” (At.17:28). Nada há fora d’Ele. “Pois nele foram criadas todas as coisas que há nos céus e na terra, visíveis e invisíveis, sejam tronos, sejam dominações, sejam principados, sejam potestades; tudo foi criado por ele e para ele. Ele é antes de todas as coisas, e todas as coisas subsistem por ele (...) Pois foi do agrado do Pai que toda a plenitude nele habitasse, e que, havendo por ele feito a paz pelo sangue da sua cruz, por meio dele reconciliasse consigo mesmo todas as coisas, tanto as que estão na terra como as que estão nos céus” (Cl.1:16-17,19). Trata-se da plenitude da criação habitando em Cristo. Céu e terra convergiram-se e estão contidos n’Ele. Não há movimento fora d’Ele. Não há existência à parte de Cristo. E não só a plenitude da criação está contida n’Ele, como também “nele habita corporalmente toda a plenitude da divindade” (Cl.2:9). Portanto, não há Deus fora de Cristo. A Divindade inteira está n’Ele. Tempo, espaço e eternidade co-existem em Cristo. Criação e Criador se encontram n’Ele.

Ele é o habitat da Divindade e da Criação como um todo. Ele é o point cósmico, onde tudo o que existe converge.

A segunda passagem que queremos considerar é o capítulo 5 de Apocalipse: “Vi na mão direita do que estava no trono um livro escrito por dentro e por fora, selado com sete selos” (v.1).

Que livro era aquele? Por que estava lacrado? Por que era escrito por dentro e por fora? Aquele era o livro da existência. Nele estava contida toda a História da Criação, todo o propósito de Deus para Sua obra. Ali estava o projeto de Deus, pronto para ser desencadeado. Naquele rolo estava escrito a História do Cosmos, desde o momento singular, até o seu desfecho. Criação, Queda, Redenção, Restauração e Juízo, tudo estava ali.

Davi anteviu isso profeticamente, quando declarou: “Tal conhecimento é maravilhoso demais para mim; elevado demais para que possa atingir (...) Todos os dias que foram ordenados para mim, no teu livro foram escritos quando nenhum deles havia ainda. Quão preciosos me são, ó Deus, os teus pensamentos! Quão vasta é a soma deles!” (Sl.139:6,16b-17). Tudo está ali. A História de cada vida, de cada família, de cada nação. É claro que esse livro não deve ser entendido literalmente. Ele representa a vasta soma dos pensamentos de Deus relativos à Sua Obra. Paulo ficou igualmente estupefato diante desta realidade: “Ó profundidade das riquezas, tanto da sabedoria como da ciência de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis os seus caminhos! Quem compreendeu a mente do Senhor? Ou quem foi seu conselheiro? Ou quem lhe deu primeiro a ele, para que seja recompensado? Porque dele e por ele e para ele são todas as coisas. Glória, pois, a ele eternamente. Amém” (Rm.11:33-36).

O fato do livro estar selado aponta para a inescrutabilidade dos decretos divinos. Estar escrito por dentro e por fora indica que o propósito de Deus abarca a criação como um todo, tanto a visível quanto a invisível, a material e a espiritual. Nenhuma dimensão da existência está fora do escopo do projeto de Deus. João prossegue em seu relato: “Vi também um anjo forte, bradando com grande voz: Quem é digno de abrir o livro, e de lhe romper os selos? E ninguém no céu, nem na terra, nem debaixo da terra, podia abrir o livro, nem olhar para ele. E eu chorava muito, porque ninguém fora achado digno de abrir o livro, nem de o ler, nem de olhar para ele” (vv.2-4). Não havia ninguém capaz de dar o ponta-pé inicial, o start para que o projeto de Deus fosse deflagrado. Pra que a trama começasse e fosse bem sucedida, alguém teria que romper os selos, os lacres do misterioso livro. Mas teria que ser alguém digno disso. João se desespera enquanto assiste apreensivo. “Todavia um dos anciãos me disse: Não chores! Olha, o Leão da Tribo de Judá, a raiz de Davi, venceu para abrir o livro e os seus sete selos” (v.5). Alguém que emerge de dentro daquele pergaminho, o personagem principal da trama, surge no cenário, como aquele que venceu para abrir o livro. Esse personagem é apresentado como que se identificando com duas etapas distintas da História, mas que estão intimamente conectadas. Ele é o Leão da Tribo de Judá, e o Descendete prometido por Deus a Davi, para ocupar seu trono. Ele também é a semente da mulher, o Descendente de Abraão, o Messias de Israel, o Cristo de Deus.
Ele existe dentre e fora da História. N’Ele se conecta o cronos e o kairós, o tempo e a eternidade.

“Então vi, no meio do trono e dos quatro seres viventes, e entre os anciãos, em pé, um Cordeiro, como havendo sido morto, e tinha sete chifres e sete olhos, que são os sete espíritos de Deus enviados por toda a terra. E veio e tomou o livro da mão direita do que estava assentado no trono” (vv.6-7).

Cristo surge como o centro de tudo. Ele está no meio do trono. Tudo orbita em torno d’Ele. O Cordeiro visto por João se apresentava “como havendo sido morto”. Portanto, trata-se do Cristo Crucificado, aquele de quem Paulo diz: “Pois nada me propus saber entre vós, senão a Jesus Cristo, e este crucificado” (1Co.2:2). O sacrifício de Cristo foi o detonador da História. A História não começa com a criação de todas as coisas, e sim com o sacrifício do Criador. O Cosmos surge a partir da Cruz. Os sete chifres do Cordeiro representam Sua Onipotência, enquanto Seus sete olhos representam Sua Onisciência e Onipresença. Portanto, o Cordeiro é o próprio Deus, pois compartilha de todos os atributos incomunicáveis da Divindade.

João prossegue: “Logo que tomou o livro, os quatro seres viventes e os vinte e quatro anciãos prostraram-se diante do Cordeiro, tendo todos eles uma harpa e taças de ouro cheias de incenso, que são as orações dos santos” (v.8). Ora, como poderiam ser as orações dos santos, se tudo isso ocorre antes da abertura do livro, e portanto, antes da fundação do mundo? Mais uma vez Davi nos responde: “Sem que haja uma palavra na minha língua, ó Senhor, tudo conheces” (Sl.139:4). Sua Presciência permite que todas as orações dos santos estejam diante d’Ele, mesmo antes de terem sido feitas. Todos os ingredientes estavam postos diante do Trono. Louvores, orações, e acima de tudo, Alguém digno de abrir o livro, e iniciar o processo histórico, que culminaria com a glória de Deus revelada à Criação.

Imagine um livro em forma de um rolo de pergaminho. Ele não tem páginas, como os livros de hoje. Trata-se de uma grande tira de pergaminho, enrolada pelas duas pontas. Quando seus selos são rompidos, ele começa a desenrolar-se por igual. O lado esquerdo pode representar as coisas passadas, e o lado direito as futuras. A Cruz entra no meio, e faz com que o rolo se abra para os dois lados. Tudo acontece na Cruz, com a morte do Cordeiro. A História começa na Cruz, mas já surge contendo um passado e um futuro. No Kairós, a Cruz é o ponto inicial. Mas no Cronos, a Cruz ocorre na plenitude dos tempos.

Deus cria o mundo a partir da Cruz. Mas o cria já com um passado e um futuro. Ainda que os cientistas tenham razão em dizer que o Universo tem 15 bilhões de anos, aos olhos de Deus, esse universo veio a existência a partir da Cruz, como que instantaneamente.

Ali o rolo se abriu, pra esquerda e pra direita. Nada existia antes da Cruz, pelo menos, não da perspectiva divina. Há quem defenda a hipótese de que Deus possa ter criado as coisas com aparência de certa idade. Mas tudo não passaria de “aparência”. Portanto, a Terra “aparenta” ter 4,5 bilhões anos, mas seria, de fato, muito mais jovem (aproximadamente 6 mil anos). Os que defendem tal hipótese, argumentam que Adão fora criado já adulto. Quem quer que o encontrasse, lhe conferiria certa idade, ainda que ele houvesse sido criado um dia antes. Pode parecer um argumento plausível, pelo menos do ponto de vista teológico. Entretanto, não me parece ser este o modus operandi de Deus.

Por que Jesus não surgiu no mundo já em idade adulta? Por que Ele teve que ser gerado no ventre de uma mulher, e experimentado cada etapa do desenvolvimento humano? Se esse fosse o modus operandi de Deus, haveríamos de esperar que o mesmo se sucedesse com o advento de Jesus. Em vez de acreditar que Deus criou um Universo aparentemente velho, prefiro acreditar que Deus criou um Universo já com uma História pregressa, e um futuro glorioso. Não creio que Deus faria alguma coisa com a intenção de criar um ilusão de ótica.

Portanto, concluímos que a Cruz é o início de tudo. Nada existia antes dela! Sem que o Cordeiro fosse morte antes da fundação do mundo, não haveria nada que cobrisse a nudez do primeiro casal. Nossa culpa foi expiada mesmo antes que houvéssemos pecado.


Aleluia! Christus Victor!

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