sábado, julho 10, 2021

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IDEOLOGIA DE GÊNEROS x IDEOLOGIA DE GÊNESIS


Por Hermes C. Fernandes

Em oposição ao que muitos cristãos chamam  de “ideologia de gênero”, fala-se de uma “ideologia de Gênesis” em alusão ao primeiro livro da Bíblia que narra a criação de todas as coisas em forma de poema. Ambas as expressões estão equivocadas. Não há uma ideologia de gênero, tanto quanto não há uma ideologia de Gênesis. O que há é a instrumentalização da religião objetivando o estabelecimento de um projeto de poder. Gênesis não é um tratado científico, nem tampouco um tratado ético e moral. Mas se apropriaram de sua narrativa poética, transformando-a no que ela jamais pretendeu ser. 

Por exemplo: a diversidade de gêneros é peremptoriamente condenada e descartada pelo simples fato de que Gênesis afirma que Deus criou homem e mulher, macho e fêmea, Adão e Eva, não Adão e Evo. Esta mesma lógica tem sido usada para manter a mulher subserviente ao homem, posto que Deus a criou a partir da costela do homem com o único objetivo de ser sua auxiliadora. Portanto, todo o protagonismo pertence ao homem. Se a mulher resolve roubar a cena, dá no que deu: O fruto proibido é devorado, e ambos são expulsos do paraíso. Ora, se a mulher é um ser de segunda classe, qualquer traço de feminilidade encontrado em um homem, torná-lo-ia um ser repulsivo, traidor de seu gênero, que abriu mão de sua posição de autoridade, aceitando ser tratado como mulher. E foi assim que surgiu a homofobia, gerada e parida pelo machismo. 

Também foi a partir da “ideologia de Gênesis” que se estabeleceu o direito de alguns escravizarem a outros pertencentes a uma etnia amaldiçoada. Os mesmos que hoje defendem que os gays devem voltar para o armário, ou jamais ousar sair dele, são os mesmos que cem anos atrás defenderiam que a mulher jamais deveria se atrever a desejar outra vida que não fosse a doméstica e outra vocação que não fosse a maternal. Também são os mesmos que duzentos anos atrás chicoteariam o negro com uma mão, enquanto empunhassem a Bíblia com a outra. Para eles, o mundo ideal é aquele em que gays se mantenham no armário, mulheres na cozinha e negros na senzala. 

Esta é, em resumo, a “ideologia de Gênesis” em todo o seu esplendor de perversidade, que diz que a culpa do mundo estar como está é das mulheres, que o negro sofre por ser descendente de Caim ou de Cão, o filho amaldiçoado de Noé, e que os gays são uma abominação para Deus, os remanescentes de Sodoma. 

Prefiro ficar com o evangelho que anuncia um novo gênesis, uma nova criação em que não haja distinção étnica, social, cultural ou sexista. Em Cristo, todas as coisas começam do zero, e a lei que prevalece é o amor. Portanto, quando ler Gênesis, rejeite a ideologia perversa construída a partir de uma leitura literalista do texto; leia-o com as lentes deste amor derramado profusamente em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado. Para muitos é mais fácil crer numa arca capaz de comportar exemplares de todos as espécies de animais do mundo do que crer num amor divino capaz de abarcar todos os seres humanos. É mais fácil crer na queda das muralhas de Jericó ao som das trombetas do que crer que a Cruz de Cristo demoliu todos os muros que nos separavam.


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