quinta-feira, setembro 10, 2020

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A DIMENSÃO POLÍTICA DO AMOR

 Por Hermes C. Fernandes 

“Se você é neutro em situações de injustiça, você escolhe o lado do opressor.” Desmond Tutu

Como poderíamos dizer que amamos a alguém sendo condescendentes com as estruturas que o oprimem? O amor nos impele a lutar por justiça. Este é o imperativo do amor.  Não se pode dizer “eu te amo” enquanto se faz vista grossa à todo tipo de opressão, exploração e descalabro de que o ser amado é vítima. E para tal, há que se mobilizar, lançando mão de todos os recursos disponíveis para viabilizar a existência do outro com dignidade. Ao menor sinal de que seus direitos estão sendo violados, nosso amor nos fará abrir a boca em seu favor, ainda que ao custo da própria vida. Pelo menos, é o que aprendemos com Jesus.

Lamentavelmente constatamos que muitos dos que se dizem seguidores de Cristo preferem cerrar fileiras com o que há de mais retrógrado, sujeitando-se,  assim, à agenda dos poderosos. Como discípulos de um preso político, torturado e morto por um Estado opressor, devemos nos posicionar invariavelmente ao lado dos desvalidos, dos que foram vítimas deste sistema cruel de que os poderosos se valem. “Até quando defendereis os injustos, e tomareis partido ao lado dos ímpios?”, questiona o salmista, para então arrematar: “Defendei a causa do fraco e do órfão; protegei os direitos do pobre e do oprimido. Livrai o fraco e o necessitado; tirai-os das mãos dos ímpios. Eles nada sabem, e nada entendem. Andam em trevas.”[1]

Foi com vista a isso, que Paulo engrossou o coro ao declarar que “os poderosos deste mundo” estão destinados a serem aniquilados, pois nenhum deles conheceu a verdadeira sabedoria, “pois se a tivessem conhecido, jamais teriam crucificado o Senhor da glória.”[2] Por isso, o salmista diz que “eles nada sabem, e nada entendem”. Aliar-se a tais poderes, é o mesmo que aliar-se a algo destinado a ser completamente aniquilado, ou ainda, é como embarcar num navio em pleno naufrágio. Devemos, antes, como povo de Deus, optar pelos oprimidos, pelos fracos, pelos explorados, pelos excluídos, pelos pobres, pelas minorias.

Até quando os que alegam representar a Cristo na Terra continuarão se promiscuindo com os opressores? Não há meio termo. Quem deseja viver e propagar a justiça do reino tem que fazer opção pelos oprimidos, e não pelos opressores, trabalhando para tirá-los das mãos dos seus algozes. Isso é amor. Esta é, por assim dizer, a dimensão política do amor que o evangelho nos requer.

O sábio rei Salomão declarou: “Informa-se o justo da causa dos pobres; mas o ímpio não quer saber disso.”[3] O ímpio está sempre “lavando as mãos”, como fez Pilatos. Ele prefere omitir-se, em vez de tomar posição em favor dos menos favorecidos.

Tanto os profetas, quanto os apóstolos, aliaram-se às camadas mais necessitadas, e não aos poderosos. Por serem considerados subversivos, foram duramente perseguidos e mortos.

Entenda: não se trata de predileção, mas de prioridade. Deus não tem filhos prediletos. Porém, o pobre ocupa lugar de proeminência na agenda divina.

Contrário a qualquer tipo de discriminação social, Tiago escreve:

“Se na vossa reunião entrar algum homem com anel de ouro no dedo, e com trajes de luxo, e entrar também algum pobre andrajoso, e atentardes para o que tem os trajes de luxo, e lhe disserdes: Assenta-te aqui em lugar de honra, e disserdes ao pobre: Fica aí em pé, ou assenta-te abaixo do estrado dos meus pés, não fazeis distinção entre vós mesmos, e não vos tornais juízes movidos de maus pensamentos? Ouvi, meus amados irmãos: Não escolheu Deus aos que são pobres aos olhos do mundo para serem ricos na fé e herdeiros do reino que prometeu aos que o amam? Mas vós desonrastes o pobre. Não são os ricos os que vos oprimem e vos arrastam aos tribunais?”[4]

Fica claro nessa passagem que o próprio Deus é que prioriza o pobre, o oprimido, o necessitado. Portanto, se pretendemos imitá-lo como filhos amados, não nos resta alternativa.

Como discípulos do Libertador, temos a obrigação de livrar o fraco e o necessitado, transmitindo-lhes a verdade emancipadora do evangelho. Eles precisam ser informados através dos nossos lábios acerca da dignidade que Cristo lhes conferiu. “Glorie-se o irmão de condição humilde na sua alta posição”, conclama Tiago, “o rico, porém, glorie-se na sua insignificância, porque ele passará como a flor da erva.”[5]

O evangelho preconiza a chegada de uma revolução sem precedentes, mas que não demandará derramamento de sangue, nem violência. Trata-se, antes, da revolução do amor, da paz e da justiça, anunciada exaustivamente pelos profetas. Porém ela não será fruto de uma intervenção divina futura, mas de nossa resposta aos Seus constantes apelos. Quem dera se tais apelos ecoassem agora mesmo no coração de todo ser humano que habita este planeta.

“Assim diz o Senhor: Exercei o juízo e a justiça, e livrai o oprimido das mãos do opressor. Não oprimais mais ao estrangeiro, nem ao órfão, nem à viúva, e não façais violência, nem derrameis sangue inocente neste lugar.”[6]

Violência gera violência. Não se apaga fogo com fogo. Devemos transformar nossas armas em arados, e qualquer desejo de vingança em perdão. A profecia messiânica diz que Cristo “exercerá o seu juízo entre as nações, e repreenderá a muitos povos. Estes converterão as suas espadas em arados e as suas lanças em podadeiras. Não levantará espada nação contra nação, nem aprenderão mais a guerra.”[7]  Eis a nossa esperança, razão que nos impulsiona a apostar no futuro da civilização humana.

O exercício da justiça nada mais é do que o amor em ação. Porém, isso, não pode ficar restrito a um conjunto de doutrinas. Não basta o assentimento intelectual da verdade. O verbo tem que se tornar carne. O discurso tem que se transformar em práxis. A fé que opera pelo amor se manifesta através de obras de justiça. “Executai justiça verdadeira”, diz o Senhor, “mostrai bondade e misericórdia cada um a seu irmão. Não oprimais a viúva, nem o órfão, nem o estrangeiro, nem o pobre, nem intente o mal cada um contra o seu irmão em seu coração.”[8]

As viúvas e os órfãos representam para nossa sociedade as classes desassistidas, aqueles para os quais a corda rompe primeiro. Nossa sociedade está cheia de órfãos de pais vivos. Nossas crianças e adolescentes estão crescendo sem qualquer assistência. Embora o Estatuto da Criança e do Adolescente represente um avanço considerável, precisamos de políticas mais eficazes, que promovam uma educação de qualidade para os nossos filhos. O que será de uma geração inteira que cresceu aos cuidados da babá eletrônica?

E quanto aos nossos velhos? Até quando morrerão nas filas do INSS? São viúvos do Estado. Estão entregues à própria sorte, vulneráveis às aves de rapina a serviço deste sistema pérfido, carcomido pelas traças da corrupção.  

O estrangeiro representa o diferente, o pertencente a outra realidade, outra crença, outra ideologia, outra cultura. É triste verificar como os imigrantes brasileiros são explorados no Exterior. Geralmente, trabalham por menos que o salário mínimo do país. Mas é igualmente lamentável que tratemos os imigrantes que chegam ao nosso país de maneira semelhante e até pior, fazendo-os de escravos.

Membros de uma etnia não têm o direito de dominar os de outra etnia. Não há raças superiores, nem física, intelectual, ou espiritualmente. Todos possuem a mesma dignidade intrínseca e, por isso, devem ser respeitados e ter seus direitos assegurados.

Também é deprimente assistir ao crescimento dos bolsões de miséria, das favelas e guetos, habitados por aqueles que deixaram seus rincões, no afã de obterem melhores oportunidades na cidade grande.

O mandamento de Deus quanto ao tratamento que devemos dispensar ao imigrante é categórico: “O estrangeiro não afligirás, nem o oprimirás, pois estrangeiros fostes na terra do Egito.”[9] E mais: “Como o natural entre vós será o estrangeiro que peregrina convosco. Amá-lo-eis como a vós mesmos, pois fostes estrangeiros na terra do Egito. Eu sou o Senhor vosso Deus.”[10]E ainda: “Pois o Senhor vosso Deus é o Deus dos deuses, e o Senhor dos senhores, o Deus grande, poderoso e terrível, que não faz acepção de pessoas, nem aceita suborno. Ele faz justiça ao órfão e à viúva, e ama o estrangeiro, dando-lhe alimento e vestes. Amai o estrangeiro, pois fostes estrangeiros na terra do Egito.”[11]

O Deus Eterno apela à compaixão. Só podemos nos compadecer daquele que passa por algo pelo qual um dia também passamos. Somos um país de imigrantes. Quem não é imigrante, é, no mínimo, filho, neto ou bisneto de imigrante. Os únicos que têm suas raízes fincadas nesta terra há muito mais tempo são os indígenas. Os demais descendem de europeus, africanos e orientais. Portanto, antes de agirmos com preconceito, ou explorarmos mão-de-obra estrangeira, lembremo-nos de nossos ancestrais.

O trato que Deus ordenou que Seu povo dispensasse ao estrangeiro era de tal ordem, que é usado como referência para o trato que devemos dispensar a nossos irmãos, quando estes atravessarem alguma dificuldade econômica: “Quando teu irmão empobrecer e as suas forças decaírem, sustentá-lo-ás como a um estrangeiro ou peregrino, para que viva contigo.”[12]

Quem diria? Em vez de o estrangeiro ser tratado como irmão, o irmão que deveria ser tratado como estrangeiro. Porém, hoje, tratar um irmão como se fosse um estrangeiro, seria considerado um total descaso, dado o desprezo com que o tratamos.

Urge que se levantem políticos comprometidos com o bem comum, e não com suas ambições pessoais ou com interesses econômicos. A igreja cristã bem que poderia fornecer à sociedade tais políticos. Mas na maioria das vezes, candidatos evangélicos se apresentam apenas como defensores da moral cristã, da família tradicional ou dos interesses de sua própria denominação, garantindo-lhe cargos, privilégios, concessões de rádio e TV, etc.

Não creio que um seguidor de Cristo deveria opor-se aos direitos de qualquer que seja o segmento social. Ser cristão não é ser anti-gay, anti-feminista, anti-direitos trabalhistas, anti-qualquer coisa. Não deveríamos ser vistos como a turma do contra, os estraga-prazeres. Em nome de uma agenda conservadora, boa parte dos políticos ditos evangélicos prefere ser flagrada ao lado dos que defendem o porte de arma, a pena de morte, a redução da maioridade penal, etc. E foi assim que surgiu a união de três bancadas conhecidas pela sigla BBB: Bancada da Bíblia, da Bala e do Boi.[13]

Imagine se os políticos e líderes evangélicos defendessem os direitos das minorias com a mesma veemência com que defendem a moral religiosa. Mas seus escrúpulos religiosos, bem como seus interesses ideológicos não os permitem. E assim, o bem se passa por mal, e o mal por bem. Aos tais, vale a advertência: “Ai dos que ajuntam casa a casa, e reúnem herdade a herdade, até que não haja mais lugar, e fiquem como únicos moradores da terra (...). Ai dos que ao mal chamam bem, e ao bem mal, que fazem da escuridade luz, e da luz escuridade, que põem o amargo por doce, e o doce por amargo.”[14]

Em uma sociedade capitalista, onde o capital tem supremacia sobre o trabalho, enriquecer às custas do trabalho alheio é visto como um sinal de esperteza, de sagacidade, de inteligência. Trata-se de uma clara inversão de valores.

Infelizmente, assistimos à igreja sucumbindo a este espírito. Pastores bradam de seus púlpitos que o crente deve almejar ser patrão, em vez de conformar-se em ser empregado. Deve ser cabeça em vez de cauda, alusão à promessa contida na Lei de Moisés: “E o Senhor te porá por cabeça, e não por cauda; e só estarás em cima, e não debaixo, se obedeceres aos mandamentos do Senhor teu Deus, que hoje te ordeno, para os guardar e cumprir.”[15] Em contraste a isso, Paulo diz que não devemos fazer nada “por contenda ou por vanglória, mas por humildade”, e que cada um deve considerar “os outros superiores a si mesmo”, não atentando “cada um para o que é propriamente seu, mas cada qual também para o que é dos outros” (Isso é revolucionário!), “de sorte que haja em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus.”[16] De fato, a Nova Aliança da graça contém promessas infinitamente superiores às da Antiga Aliança da Lei.[17] E a maior delas é a de nos tornarmos semelhantes a Cristo. Portanto, o que vale agora não é mais ser cabeça ou cauda, mas ser coração. O que está em jogo não é mais quem está por cima ou por baixo, mas no centro. E o centro ao redor do qual tudo deve orbitar é o amor. Já não vivemos em função de provar nada a quem quer que seja. Já não nos preocupamos em ficar nos comparando aos outros para ver quem é melhor ou mais bem sucedido. O que nos interessa é parecermos cada vez mais com Cristo, a começar pelo mesmo sentimento que o motivava.

O problema não está em encorajar as pessoas a melhorarem sua condição econômica. Não há nada de errado em querer ascender socialmente. O problema é quando esta ascensão é desejada apenas pelo glamour, pela vaidade, desprezando a responsabilidade social que ela demanda. Quem dera estivessem atentos à sabedoria que diz que “onde os bens se multiplicam, ali se multiplicam também os que deles comem.”[18]

Ao estimular seu povo a ascender socialmente, o pregador deveria focar as oportunidades de trabalho que um empregador poderia criar, diminuindo assim o alto índice de desemprego, e consequentemente, a criminalidade. Mas em vez disso, enfatiza-se apenas o conforto material e o status social que tal ascensão poderá promover a ele e à sua família.

Testemunhos são colhidos de pessoas que usam suas conquistas materiais, como a aquisição de carros luxuosos, ou coberturas de frente para a praia, como aferidor de sua fé. Ainda não se viu um pastor midiático perguntando a tais empresários emergentes, quantos foram beneficiados através de sua prosperidade, quantos chefes de família foram empregados, quantas iniciativas foram tomadas para ingressar os jovens no mercado de trabalho, etc. O que tem sido chamado de “testemunho” não passa de ostentação. Testemunhar tornou-se sinônimo de contar vantagem, estimulando os ouvintes à inveja e à esperança de que um dia chegará a sua vez de ganhar nesta loteria de fé.

A advertência profética diz que Deus esperava que Seu povo exercesse justiça, mas viu opressão, esperou retidão, mas ouviu clamor, e um tipo de clamor que jamais gostaria de ouvir.[19] De quem seria este clamor? Daqueles que são explorados pelos que almejam concentrar riquezas. Quem dera atentassem ao mandamento que diz: “Não explorarás o assalariado pobre e necessitado, seja ele teu irmão, seja ele estrangeiro que mora na tua terra e nas tuas cidades. No mesmo dia lhe pagarás o seu salário, para que o sol não se ponha sobre a dívida, pois ele é pobre, e disso depende a sua vida; para que não clame contra ti ao Senhor, e haja em ti pecado.”[20] Para os tais, isso não passaria de uma sugestão divina, não propriamente um mandamento. Se se recusam a dar ouvidos ao mandamento, que ouçam ao menos a advertência: “Ai daquele que edifica a sua casa com injustiça, e os seus aposentos sem direito, que se serve do serviço do seu próximo sem paga, e não lhe dá o salário do seu trabalho.”[21]

A expressão “ai” encontrada em algumas advertências divinas visa ressaltar a seriedade e o rigor com que Deus trata certas injustiças, sem jamais fazer-lhes vistas grossas. O Deus revelado em Jesus está sempre atento ao clamor dos injustiçados. E ainda que estes não saibam como clamar reivindicando seus direitos, a própria injustiça por eles sofrida deporá diante do tribunal divino: “Vede! O salário dos trabalhadores que ceifaram os vossos campos, e que por vós foi retido com fraude, está clamando. Os clamores dos ceifeiros chegaram aos ouvidos do Senhor Todo-poderoso.”[22] Não obstante, Deus se recusa a ouvir o clamor dos exploradores, dos que trabalham com o único intuito de concentrar bens, e que para isso, não hesitam explorar descaradamente a seu semelhante:

“A vós que aborreceis o bem, e amais o mal, que arrancais a pele de cima deles, e a sua carne de cima dos seus ossos, que comeis a carne do meu povo, e lhes arrancais a pele, e lhes esmiuçais os ossos, e os repartis como para a panela, e como carne do meio do caldeirão. ENTÃO CLAMARÃO AO SENHOR, MAS ELE NÃO OS OUVIRÁ, antes esconderá deles a sua face naquele tempo, visto que eles fizeram mal nas suas obras.”[23]

Os ricos deste mundo precisam acordar para o fato de que todas as nossas obras são sementes, que mais cedo ou mais tarde, resultarão em colheitas. Como diz o adágio bíblico, “eles semeiam ventos, e colhem tempestades.”[24]  Toda a injustiça praticada pelas elites brasileiras, tem resultado numa escalada da violência sem precedentes na História deste país. Os mesmos que se negam a pagar um salário justo a seus empregados são obrigados a gastar fortunas em segurança, blindando seus carros, colocando sistemas de alarme caríssimos em suas residências, e contratando equipes de vigilância. De fato, Deus está exercendo juízo sobre essa elite indiferente, que enriquece às custas da injustiça feita ao trabalhador: Depois, não adianta querer espiritualizar as coisas, atribuindo a miséria à atuação de demônios. Como disse Thomas Hobbes, “o homem é o lobo do homem.” Isto é, o homem é o maior inimigo do próprio homem. Ou como repetia exaustivamente meu saudoso pai: “De que se queixa, pois, o homem vivente? Queixe-se cada um dos seus pecados.”[25] Deus exerce Seu juízo sobre nós, simplesmente permitindo que colhamos exatamente o que plantamos. Deus é tão bom que nos confere a liberdade de semear o que quisermos, mas é tão justo que não nos permitirá colher senão o que houvermos semeado. “Chegar-me-ei a vós para juízo”, adverte o Senhor, “e serei uma testemunha veloz contra os feiticeiros e contra os adúlteros, e contra os que juram falsamente, e contra os que defraudam o trabalhador, e pervertem o direito da viúva, e do órfão, e do estrangeiro, e não me temem.”[26] Para Deus, não há diferença entre o que pratica a feitiçaria, o adultério e o que defrauda o trabalhador. São todos, por assim dizer, farinha do mesmo saco. O feiticeiro usurpa o poder de Deus, achando-se capaz de manipulá-lo a seu favor, o adúltero usurpa a companhia da mulher alheia, e o que defrauda o trabalhador usurpa o inalienável direito de quem sobrevive do suor do seu rosto. Ambos praticam a injustiça e eventualmente colherão o que houver sido semeado.

Por que há tão poucos em posse de tantas riquezas, enquanto grande parte da sociedade humana vive abaixo da linha da pobreza? Como poderíamos reverter isso? A mensagem do reino, sempre na contramão do sistema deste mundo, constitui-se na mais subversiva mensagem jamais pregada. Todavia, não basta pregá-la. Temos que encarná-la, isto é, trazê-la da teoria para a prática. Em outras palavras, precisamos semear justiça, onde até hoje só se semeou opressão e exploração.

“Semeai para vós em justiça, ceifai o fruto do constante amor, e lavrai o campo de lavoura, porque é tempo de buscar ao Senhor, até que venha e chova a justiça sobre vós.”[27]

Observe que semear em justiça é sinônimo de buscar ao Senhor. Ainda que as mudanças não ocorram com a rapidez que desejamos, não podemos nos cansar de fazer o bem, até que chova a justiça sobre a terra.  A admoestação apostólica ecoa esta verdade: “Não vos enganeis: Deus não se deixa escarnecer. Tudo que o homem semear, isso também ceifará (...). E não nos cansemos de fazer o bem, pois a seu tempo ceifaremos, se não houvermos desfalecido. Então, enquanto temos oportunidade, façamos o bem a todos, mas principalmente aos da família da fé.”[28] E o escritor de Hebreus complementa: “Não vos esqueçais de fazer o bem e de repartir com outros, pois com tais sacrifícios Deus se agrada.”[29]

Cada vez que praticamos o bem, repartindo com alguém aquilo que o Senhor nos deu, estamos semeando no reino de Deus. Em breve, a chuva virá, e toda a terra será renovada. É sobre isso que repousa nossa esperança.

“Porque, como a terra produz os seus renovos, e como o jardim faz brotar o que nele se semeia, assim o Senhor Deus fará brotar a retidão e o louvor perante todas as nações.”[30]

Tudo o que nos é concedido pelo Senhor, tem como objetivo abençoar aos que nos cercam. Não temos o direito de concentrar nada em nossas mãos. Fazê-lo constitui-se em injustiça e franca rebeldia à Sua Palavra. Tomemos, portanto, o exemplo da igreja primitiva em que “era um o coração e a alma da multidão dos que criam, e ninguém dizia que coisa alguma do que possuía era sua própria, mas todas as coisas lhes eram comuns.”[31]


[1] Salmos 82.2-5a

[2] 1 Coríntios 2.6,8

[3] Provérbios  29.7

[4] Tiago 2.2-6

[5] Tiago 1.9-10

[6] Jeremias 22.2

[7] Isaías 2.4

[8] Zacarias 7.9-10

[9] Êxodo 22.21

[10] Levítico 19.34

[11] Deuteronômio 10.17-19

[12] Levítico 25.35

[13] A Bancada BBB é um termo pejorativo usado para referir-se conjuntamente à bancada armamentista ("da bala"), bancada ruralista ("do boi") e à bancada evangélica ("da bíblia").

[14] Isaías 5.8,20

[15] Deuteronômio 28.13

[16] Filipenses 2.3-5

[17] Hebreus 8.6

[18] Eclesiastes 5.11

[19] Isaías 5.7

[20] Deuteronômio 24.14-15

[21] Jeremias 22.13

[22] Tiago 5.4

[23] Miquéias 3.2-4

[24] Oséias 8.7a

[25] Lamentações 3.39

[26] Malaquias 3.5

[27] Oséias 10.12

[28] Gálatas 6.7,9-10

[29] Hebreus 13.16

[30] Isaías 61.11

[31] Atos 4.32

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