Por Hermes C. Fernandes
Conheço a Cassiane desde criança, quando cantava nos cultos celebrados pelo meu saudoso pai, Cecilio Carvalho Fernandes em Quintino Bocaiuva. Apesar de esboçarmos teologias tão distintas, reconheço sua índole e não ousaria questiona-la. Mas devo concordar com os milhares de internautas que viram no clipe de seu novo single “A voz” uma romantização da violência contra a mulher, apologia à impunidade, desencorajando a denúncia, e naturalização da masculinidade tóxica, ainda que não tenha sido esta a intenção.
A canção é uma composição do cantor Jotta A, que recentemente assumiu sua homossexualidade. O problema não é a canção, mas as imagens exibidas no clipe cuja produção foi creditada a Jairinho Manhães, marido da cantora.
A mensagem do clipe é que a mulher deve acatar, calada e submissa, aos maltratos do marido e orar por um milagre que o transforme em um homem de Deus.
Segundo o roteiro, a mulher que sofre com as agressões prefere se omitir em buscar ajuda das autoridades. Em vez disso, busca na religião o refúgio, apesar das agressões persistirem. Ela, então, decide sair de casa, deixando-lhe um bilhete dentro da bíblia, onde diz que o perdoa e ora por ele. No final, o casal se encontra, troca olhares e retoma a relação como se os problemas simplesmente desaparecem.
É claro que acreditamos no poder da fé, do amor e do perdão. Mas isso não significa que devamos consentir com a violência doméstica. Seria como incentivar um doente a não procurar ajuda médica, apelando unicamente à fé.
Fato é que muitos pastores incentivam as vítimas a se calaram ante as agressões sofridas. Deveriam, antes, incentiva-las a denunciá-los às autoridades.
Em tempos em que o machismo é encorajado nas igrejas, urge que as mulheres se unam, umas pelas outras, e se insurjam contra todo tipo de abuso, tanto física quanto psicológica.
Para o Crime de Violência contra a Mulher existe a Lei Maria da Penha e o criminoso pode ser denunciado através do número 180.
Quanto à cantora, não a julgo. Sei que tanto ela, quanto muitos da indústria fonográfica gospel vivem numa redoma religiosa, sem qualquer sintonia com o que acontece no mundo. E assim, sem que percebam, naturalizam o racismo, a misoginia, a homofobia, etc.
Lembro-me bem da entrevista cedida por Aline Barros a Marília Gabriela anos atrás. Ela insistia no uso de clichês religiosos, deixando a entrevistadora boquiaberta. Num dado momento, foi-lhe perguntado se ela era monarquista, por se referir tantas vezes a Jesus como rei. Ela nem sequer sabia o que era monarquismo.
Acredito que as gravadoras gospel como a MK, do grupo Arolde Oliveira, senador eleito pelo RJ, da base de sustentação do governo Bolsonaro, sejam as principais responsáveis por manter seu cast preso a esta bolha. Quanto mais alienados forem, maior alienação promoverão. Quando um deles se desperta, como foi o caso de Kleber Lucas, passa a ser sabotado.
Triste a realidade deste gueto chamado gospel, com sua subcultura à serviço dos interesses mais mesquinhos e inconfessáveis. Seu lucro é garantido pela manutenção das coisas como são.
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