Por Hermes C. Fernandes
Três parábolas contadas por Jesus. Na primeira encontramos a
tese. Na segunda, a antítese. Na terceira, a síntese.
Na primeira delas, Jesus fala de um pastor que tinha cem
ovelhas, mas perdeu uma. Quem tem cem e perde uma, teve um prejuízo de 1%.
Certamente que em pouco tempo aquela ovelha seria reposta através da
procriação. Mas em vez de se conformar, aquele pastor deixa as 99 no deserto e
sai à procura da que se extraviou. Portanto, ele se expõe ao risco de perder as
demais. Elas não ficaram na segurança de
um redil, mas no ambiente inóspito do deserto. Ao encontrar a ovelha perdida, colocou-a sobre
os ombros e a levou-a de volta para casa. Uma pergunta que me vem à mente é:
por que ele teve que carrega-la nos ombros em vez de simplesmente guia-la de
volta? Há, pelo menos, dois motivos plausíveis. Ou ela estava machucada sem
condição de caminhar com suas próprias patas, ou ela era tão rebelde que se
fosse deixada solta voltaria a se extraviar. Sua alegria foi tão grande que resolveu
convidar os vizinhos para uma festa em celebração por haver reencontrado sua
ovelha.
Na segunda parábola, uma mulher perdeu uma de suas dez
moedas. Portanto, sua perda foi de 10%.
Não era uma moeda qualquer, mas uma dracma. Diferentemente do pastor da
parábola anterior, ela não precisou sair de seu domicílio para procurar o que
perdera, pois a moeda havia sido perdida dentro de sua própria casa. Para
encontra-la, ela acende a candeia, varre a casa e a busca persistentemente. Não
daria para encontra-la de luz apagada. E para encontra-la, ela teria que varrer
a casa, isto é, livrar-se do lixo acumulado. Quanto mais se acumula lixo no
ambiente doméstico, mais difícil será encontrar nele o que se procura. A
exemplo do pastor, ela também convoca suas amigas e vizinhas para uma festa em
comemoração à moeda encontrada. Talvez, ela tenha tido que usar todas as dez
moedas e algumas a mais para bancar tal festa. Faz sentido isso? Não se trata do valor da
moeda em si, mas do valor do encontro.
As duas primeiras parábolas são contadas em forma de
pergunta. “Que homem dentre vós...”, e
“Qual a mulher que...”. A primeira fala
de uma perda externa. A segunda, de uma perda interna. Na primeira, se busca.
Na segunda, se procura.
Mas a terceira parábola nos apresenta a síntese das
anteriores. Em vez de começar a nova parábola com uma pergunta, Jesus recorre a
uma antiga fórmula de se introduzir uma estória, bem ao estilo “era uma
vez...”. “Certo homem tinha dois
filhos...” O mais novo reivindica a sua parte na herança. O pai resolve
repartir tudo o que tem entre os dois. O primeiro aproveita a grana para sair
de casa e viver todas as aventuras que sempre almejara experimentar. O outro se
manteve ao lado do pai. De primeira mão, a impressão que se tem é de que apenas
o filho caçula se perdeu, desperdiçando sua parte na herança na farra. Porém,
no desfecho da parábola, deparamo-nos com o seu irmão mais velho igualmente
perdido, negando-se a participar da festa em comemoração à volta de seu irmão.
O pródigo era a ovelha extraviada, que só caiu em si depois de haver perdido
tudo e só restar-lhe a comida dos porcos para saciar sua fome. O mais velho era
a moeda perdida dentro de sua própria casa. A diferença é que o pastor perdeu
1% de seu rebanho. A mulher perdeu 10% de seu dinheiro. Mas aquele velho pai
perdeu 100%. Não apenas por haver repartido o patrimônio inteiro com os seus
dois filhos, mas por havê-los igualmente perdido. Um, fora de casa. Outro,
dentro.
Foi necessário que o mais novo saísse de casa para que se
revelasse quão perdido estava o que permaneceu.
Foi necessário que o que estava fora retornasse para que o
que estava dentro também fosse achado pelo pai.
Todas as três parábolas terminam em festa. Mas somente na
última, alguém se nega a participar. Apesar de apresentar razões morais que
justificassem sua decisão em não festejar, a bem da verdade, a razão era outra.
O tal bezerro cevado oferecido como churrasco foi apenas a gota d’água. Uma vez
que seu pai já havia repartido seu patrimônio entre os dois filhos, e que o
primeiro havia desperdiçado sua parte, concluímos que o dinheiro que bancava
aquela festa pertencia ao mais velho.
Seria como se a mulher que encontrara a moeda perdida resolvesse gastar todas
as suas moedas para celebrar seu achado, ou se o pastor que recuperara sua
ovelha decidisse matar as noventa e nove para dar uma churrascada em
comemoração à ovelha resgatada. De fato, o filho mais velho parece coberto de
razão. Aquela festa não era justa. Não do ponto de vista da justiça humana.
Porém, há que se considerar que a justiça divina extrapola nosso senso de
justiça própria. A própria graça em si subverte a nossa lógica baseada em
méritos e deméritos.
Celebrar o retorno do perdido servia para revelar a perdição
de quem jamais se permitira partir. Como bem disse Paulo, “não há um justo
sequer. Todos se extraviaram.” Tanto os que estão dentro, quanto os que estão
fora, tanto os que procuram, quanto os que são procurados, tantos os que voltam
com suas próprias pernas, quanto os que precisam ser carregados nos ombros.
Todos somos igualmente carentes da graça de Deus. Ninguém é melhor do que
ninguém. O valor que possuímos não é intrínseco, mas atribuído pelo amor. Em
outras palavras. Não somos amados porque temos valor. Nosso valor decorre do
fato de sermos amados.
E por fim: Enquanto a celebração do outro nos ofender, não
teremos entendido absolutamente nada do que seja graça, muitos menos, do que
seja amor.
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