quarta-feira, junho 03, 2020

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A negação do racismo



Por Hermes C. Fernandes

O que dizer deste vídeo compartilhado pelo presidente da Fundação Palmares em sua conta no Twitter? Uma jovem mulher negra se recusa a tomar parte das manifestações contra o racismo nos EUA, resistindo à argumentação de uma manifestante branca. Ela alega ser livre, vivendo em uma sociedade livre. Sua interlocutora diz que ela tem sorte de ser livre, mas que o problema do racismo  é sistêmico, e tenta convencê-la a juntar-se à manifestação. Mas ela se opõe firmemente, dizendo que tudo aquilo não passa de hipocrisia e que ninguém mata mais negros do que os próprios negros.

Sua fala vai ao encontro das posições defendidas por Sérgio Camargo. Sem titubear, aproveitando a enorme visibilidade que o último escândalo lhe rendeu, ele postou: "Devo tudo à educação que recebi dos meus pais. Devo nada à África. Nada à cor da minha pele." E sobre o movimento “Black Lives Matter”, em ressonância com a fala da jovem do vídeo, ele diz: “Vidas negras importam" quando são mortas por policiais, mas quem mais mata o negro é o próprio negro - fato que a militância omite porque é incoveniente para sua narrativa hipócrita.”

Tudo isso faz sentido pra você? Pois não deveria! Principalmente se você se diz um seguidor de Jesus que, apesar de ter ascendência real, se identificava com as classes mais humildes de Sua época. O Filho de Davi preferia ser chamado de Nazareno, mesmo sabendo que os galileus costumavam achar que de lá não vinha nada que prestasse.E o que dizer de Moisés? O texto sagrado afirma que tão logo chegou à vida adulta, Moisés recusou ser chamado filho da filha de Faraó, preferindo deixar o palácio para ser maltratado juntamente com o seu povo (Hebreus 11:24-25). Já imaginou se Moisés adotasse a postura defendida por Sérgio Camargo pelo simples fato de ser um hebreu metido a egípcio? Moisés escolheu honrar sua origem. Mesmo tendo sido criado como um príncipe,  sendo, por isso, forte candidato ao trono, ele preferiu ser identificado como parte de um povo escravizado. Por isso, veio a se tornar o seu libertador. Não foi Faraó que ficou com os créditos por haver deixado o povo hebreu partir. A liberdade é um bem a ser conquistado pelo oprimido e não cedido pelo opressor. Fingir que não há opressão não fará com que a opressão desapareça. Deixar de falar de racismo pelo incômodo que isso gera no coração dos racistas não fará com que o racismo evapore. Racismo gera opressão, pois, ao afirmar a supremacia de uma etnia sobre outra, confere ao opressor a justificativa perfeita, bem como os instrumentos para poder exercer a opressão. Não flerte com isso! Não diga que é mi mi mi ou vitimização. Só quem sofre na pele sabe o que é.

Perdoe-me os irmãos negros, pois reconheço que este não é o meu lugar de fala, mas eu me recusaria a ficar calado diante do que estou vendo.

ZUMBI DOS PALMARES

Tentam desconstruir a imagem de Zumbi aqui como tentam desconstruir a de Luther King nos EUA. Os brancos não aceitamos outro papel na história que não seja o de protagonistas. É bem mais conveniente afirmar que uma princesa branca foi a responsável pelo fim da escravidão e esquecer toda a luta deste bravo povo ao longo de séculos neste país. Seria como atribuir a libertação dos hebreus ao Faraó que os deixou partir, e não a Moisés, que afinal de contas, tinha seus podres. Seu passado de príncipe no Egito o condena! Ora, bolas, quem sou eu na fila do pão para dizer à população negra que eles não têm o direito de venerar seus próprios heróis? Quanta pretensão e arrogância!  Viva Zumbi dos Palmares! Chega de racismo em forma de revisionismo histórico.

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