segunda-feira, julho 01, 2019

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O CURADOR FERIDO


Por Hermes C. Fernandes

Reza a lenda que Cronos se viu atraído fortemente pela bela Filira e, para tê-la, precisou se transformar em um cavalo para fugir da desconfiança de sua mulher, a deusa Réia. Da união desse amor proibido nasceu um menino, metade homem, metade cavalo. Inconformada em ter gerado um Centauro, a mãe rejeitou o filho, pedindo aos deuses que a transformassem em uma árvore. Os deuses, sensibilizados com o pedido, escolheram transformá-la em uma Tília, uma árvore sagrada com poderes mágicos que protegiam os guerreiros.

Quando Cronos soube, preocupado que os lenhadores desavisadamente lhe fizessem mal, resolveu protege-la fazendo com que ela exalasse para todo sempre um agradável e inebriante perfume durante a primavera.

Os Centauros costumavam ser violentos, por isso Cronos, que amava o filho, decidiu mudar esse destino compartilhando suas virtudes como deus do tempo. Assim, Quiron herdou do pai a sabedoria, os conhecimentos de magia, astronomia e o dom de prever o futuro. Além disso, era conhecedor das artes e da música. O menino foi entregue ao deus Apolo e à deusa Artêmis para ser educado e, por sua sabedoria, virtudes e grande espiritualidade, foi eleito como rei dos centauros, recebendo a missão de educar os jovens a respeitarem às leis divinas.

Certa vez, quando seu amigo Hércules matou o monstro Hidra de Lerna com cabeças envenenadas, acidentalmente o feriu na coxa com uma das flechas saturadas de sangue do monstro. Quiron, embora imortal, não conseguia curar a si mesmo, ficando condenado a viver em sofrimento. Ferido e com um ponto sensível que doía ao ser tocado, reconheceu que possuía uma vulnerabilidade.

Os ferimentos de Quiron o transformaram em um curador ferido, aquele que, por meio de sua própria dor, é capaz de compreender a dor dos outros. Quiron representa a parte ferida de cada um, simbolizada por alguma deficiência, limitação ou problema, que o torna benevolente em relação aos que o cercam, pois entende-lhes o sofrimento com compaixão.

Carl Jung, pai da psicologia analítica, tomou emprestada a expressão "curador ferido" para referir-se àqueles que mesmos machucados, sentem-se compelidos a tratar a outros.

Cristo é o maior de todos os exemplos de alguém ferido que se propõe a cuidar até mesmo daqueles que o feriram. Pode-se dizer que nossas feridas nos habilitam a isso na medida em que nos levam a olhar o outro com compaixão, fazendo-nos solidários à sua dor.

Outro exemplo é o de Paulo que condoeu-se da situação do carcereiro que estava prestes a dar cabo de sua vida, dissuadindo-o de tal desatino ao impedir que houvesse uma fuga em massa de presos após o terremoto que abriu todas as celas. Mesmo ferido após quase uma quarentena de chicotadas, Paulo juntamente com Silas foi instrumento de restauração para aquela vida. O texto diz que o próprio carcereiro cuidou das feridas que possivelmente ele mesmo tenha aberto.

Nossas feridas não são desculpas para a nossa apatia ante o sofrimento alheio. Pelo contrário, são nossas credenciais.

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