quinta-feira, dezembro 22, 2016

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Quanto nos custaria mudar o mundo?



Por Hermes C. Fernandes

Havia sido um dia difícil. Jesus estava exaurido. Não adiantou tentar fugir da multidão ávida por milagres. Quando desembarcou do outro lado do mar de Tiberíades, surpreendeu-se por ver que o povo o seguira, rodeando o mar.
Já entardecia, e Jesus não queria despedir aquele povo sem que antes fosse alimentado. Seu receio era de que muitos desfalecessem pelo caminho, pois estavam com ele desde muito cedo.
Virando-se para Felipe, perguntou-lhe:
- Como vamos fazer pra alimentar tanta gente? Onde compraremos pães suficientes?
Apesar de saber exatamente o que faria, Jesus quis testar Seu discípulo, atribuindo-lhe a posição de diretor de logística.
Imagino que Felipe recorreu à tesouraria para saber quanto havia disponível em caixa. Judas deve ter-lhe informado que só restaram duzentos denários.
Antes de responder à pergunta do mestre, Felipe calculou que aquela quantia não seria suficiente nem para garantir um mísero pedaço de pão para cada pessoa. Afinal, eram cerca de cinco mil homens, fora mulheres e crianças. Estima-se que havia ali ao menos quinze mil pessoas.
Ademais, ainda que houvesse dinheiro suficiente no caixa, que padaria seria capaz de atender a tal demanda em tão pouco tempo?
Talvez Felipe tenha considerado argumentar com Jesus mais ou menos nesses termos:
- Senhor, alimentar este povo não é responsabilidade nossa. O Senhor já os curou, os ensinou; Sua missão está cumprida. É melhor despedi-los agora.
Vimo-nos diante de uma importante questão: até onde vai a nossa responsabilidade como igreja para com o mundo? Alguns dirão que nossa missão se limita a ‘povoar o céu’, salvar almas, ensinar a sã doutrina, etc. Enquanto isso, o mundo segue faminto por justiça.
A razão pela qual evitamos qualquer envolvimento em questões de ordem social é sabermos o quão oneroso é. Alimentar os famintos, vestir os desnudos, abrigar os sem-teto, denunciar estruturas injustas, tudo isso tem um preço. Quem se dispõe a arcar com ele?
A evasiva é limitar a atuação da igreja à salvação da alma, isto é, garantir às pessoas uma eternidade feliz.
Porém, a proposta do Evangelho abarca o homem por inteiro. Tudo o que diz respeito ao ser humano, suas demandas, seus anseios, devem estar dentro do escopo de nossa missão.
Fica bem mais em conta a manutenção de nossos templos e programas.  Gastamos vastas somas para garantir o conforto dos fiéis. Construímos nossas suntuosas catedrais. Compramos equipamentos cada vez mais sofisticados. Mas não nos importamos com o mundo à nossa volta.
A cada dia, novas cracolândias surgem debaixo do nosso nariz. Mas isso não é da nossa conta...
Mães solteiras são abandonadas com os seus filhos... Elas que arquem com o ônus de sua imoralidade!
Quanto será necessário para que mudemos este quadro? Quanto temos em caixa atualmente? Quanto das ofertas e dos dízimos que recolhemos será usado para atenuar a dor dos nossos semelhantes?
Enquanto Felipe fazia seus cálculos, outro discípulo, André, se mete no meio da multidão à procura de alguém que fosse a resposta. André seria o que no mundo empresarial chamamos de gerente de recursos humanos.
No meio de tanta gente faminta, eis que surge um menino trazendo consigo uma lancheira. Sua mãe, ao saber que passaria o dia fora, preparou-lhe uma merenda: cinco pãezinhos e dois peixinhos. Assim mesmo, tudo no diminutivo.
André imagina que aquele garoto poderia, no mínimo, disponibilizar parte do seu lanche para saciar o mestre. Afinal, quem estaria mais faminto do que Ele depois de atender a tanta gente?
O reino de Deus não precisa de dinheiro, mas de gente. Não importa a faixa etária, a etnia, o grau de instrução, ou a situação econômica. A única coisa que, de fato, importa é que haja disposição e disponibilidade. Não adiante estar disposto, mas não estar igualmente disponível, nem vice-versa.
Aquele menino era a solução do problema.
Ao receber de suas mãos o lanchinho que sua mãe lhe preparara, Jesus tomou-o, deu graças, repartiu-o e deu aos Seus discípulos. Quando estes já iam levando à boca  o  seu pedaço, Jesus os interrompe e diz: Agora é a vez de vocês repartirem com os demais.
Quem disse que Deus precisa de muito para fazer grandes coisas? Pelo contrário, Sua especialidade é fazer coisas extraordinárias a partir daquilo que é considerado ínfimo, insignificante.
O que não se pode é multiplicar zero. Deus faz milagres, não mágica. Zero vez mil continua sendo zero. Zero multiplicado por um trilhão ainda é zero. A única vez que Deus fez alguma coisa a partir do nada foi na criação dos céus e da terra. A partir daí, tudo o que Deus fez teve como ponto de partida algo que já existia.
A lógica divina contraria a humana. Para que haja multiplicação, tem que haver divisão. Sem partilha, tudo continua como é.
Não subestime o que Deus lhe tem confiado. Ele sabe exatamente o que fazer para que isso seja potencializado. Porém, para isso, é mister que confiemos às Suas mãos o que temos recebido. Não apenas nossos recursos materiais, mas também intelectuais, emocionais, espirituais, o que inclui nossas aptidões, dons, talentos, know how, experiências. E como confiamos tais recursos a Ele? Quando os disponibilizamos para ser usado em favor do bem comum. Nada do que Deus nos deu foi visando exclusivamente a nossa satisfação pessoal. Nossa vocação primordial é a de ser bênção. E como é gratificante saber que outros estão sendo beneficiados através do que Deus nos conferiu.
Depois de alimentar à multidão, ainda sobraram doze cestos lotados de pães e peixes. Não me pergunte como. Se pudesse ser explicado, já não seria milagre.
Chama-me atenção a ordem dada por Jesus para que os discípulos não permitissem qualquer desperdício. Mesmo sabendo que Seu poder é uma fonte inesgotável, não somos autorizados a sermos pródigos com os recursos que nos têm sido disponibilizados. Um estilo de vida consumista é incompatível com uma consciência transformada pelo Evangelho.
Compartilhar não é o mesmo que desperdiçar, mas aproveitar ao máximo o que recebemos. O prazer proporcionado ao outro multiplica o nosso próprio prazer. Desperdiçar é jogar fora, ou gastar irresponsavelmente. Como cristãos, deveríamos estar na vanguarda das campanhas de reciclagem. O mundo não suporta mais tanto desperdício. Tanto pela injustiça que produz (uns com tantos, outros com tão pouco), como pelo uso de fontes nem sempre renováveis e o acúmulo de lixo que compromete a sustentabilidade.
* Reflexão baseada em João 6.

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