terça-feira, julho 07, 2015

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De carona com o sucesso alheio



Por Hermes C. Fernandes 

O curso intensivo para desintoxicá-los do preconceito havia chegado ao fim. Foram três anos de lições preciosas. Chegara a hora de pôr em prática tudo que haviam aprendido. 

Mas não sem antes serem devidamente diplomados. Para isso, teriam que ficar em Jerusalém até que recebessem o certificado lá do alto, a saber, o selo do Espírito Santo, que os capacitaria a fazer as mesmas obras de seu mestre, e ainda maiores, conforme Ele mesmo prometera.[1] 

Foram dez dias de espera, reunidos no mesmo lugar, o cenáculo no qual Jesus celebrara a última ceia antes de Sua morte. Aquele mesmo cenáculo para onde um jovem que carregava um cântaro levou os dois discípulos designados por Jesus para preparar-lhe a refeição da páscoa. Os discípulos estranharam que um lugar tão grande fosse escolhido para abrigar apenas treze homens (contando com Jesus). Eles não podiam supor que em sete semanas ele abrigaria um número dez vezes maior e seria cenário do cumprimento da promessa. [2] 

Este episódio me leva a questionar se a igreja atual estaria preparada para acolher tanta gente. Até que ponto não nos tornamos num círculo fechado, numa espécie de clube com número de sócios limitado? 

Cumprindo-se o dia de pentecostes, estavam todos confortavelmente sentados quando, de repente, ouviu-se o som de um vento impetuoso, aquele de que Jesus diz que sopra aonde quer e ninguém sabe de onde vem, nem para onde vai. Todos foram cheios do Espírito Santo e começaram a falar das grandezas de Deus em idiomas que jamais haviam estudado. Pessoas de várias partes do mundo que se reuniam em Jerusalém para festejar pentecostes os ouviram falar em suas próprias línguas, numa espécie de Babel às avessas. 

Os discípulos estavam, finalmente, formados. Prontos para o desafio que deveria começar ali mesmo em Jerusalém, alcançar em seguida toda a região da Judeia, e antes de alcançar os confins da terra, teriam que fazer um último estágio em Samaria. 

Todavia, a experiência em Jerusalém foi tão boa, que eles acharam que era melhor ficar por ali mesmo. Afinal, em time que está ganhando não se mexe, não é mesmo? Por que, em vez de sair pelo mundo, não ficavam por ali mesmo à espera das quatro festas anuais que atraiam pessoas do mundo inteiro? Em vez de Maomé ir à montanha, nada melhor que esperar que a montanha venha a Maomé. Se a experiência pentecostal se repetisse, aquelas mesmas pessoas se encarregariam de espalhar a boa nova ao retornarem a seu lugar de origem. Parecia uma ótima ideia. Jerusalém se tornara em sua zona de conforto. 

Porém, Deus não estava disposto a alterar Sua agenda e cronograma. Para tirá-los da toca, permitiu que se levantasse uma “grande perseguição contra a igreja que estava em Jerusalém; e todos exceto os apóstolos, foram dispersos pelas regiões da Judeia e da Samaria (...) os que foram dispersos iam por toda parte, anunciando a palavra.”[3] 

Dentre os dispersos estava Filipe, um dos primeiros recrutados por Jesus, que descendo “à cidade de Samaria, pregava-lhes a Cristo. As multidões escutavam, unânimes, as coisas que Filipe dizia, ouvindo-o e vendo os sinais que operava; pois saíam de muitos possessos os espíritos imundos, clamando em alta voz; e muitos paralíticos e coxos foram curados; pelo que houve grande alegria naquela cidade.”[4] 

O sucesso de Filipe em Samaria foi tão estrondoso que, dois dos principais apóstolos, Pedro e João deixaram sua zona de conforto em Jerusalém para aproveitar a carona. 

Mas a que se deveu tamanho sucesso? Quem poderia esperar que uma cidade inteira se convertesse a Cristo? O único precedente de algo assim se encontra nas páginas do Antigo Testamento, quando Nínive se converteu através da pregação de Jonas. Nem mesmo Jesus durante Seu ministério terreno assistiu a algo semelhante. 

Sem querer tirar o mérito de Filipe, o fato é que ele encontrou o terreno preparado. Aquele solo já estava sendo devidamente arado. Não duvido que, dentre as multidões que atentamente ouviam o que Filipe dizia, estava aquele leproso curado que voltara para agradecer a Jesus, aquela mulher com quem Jesus conversara à beira do poço em Sicar, e até aqueles que não O quiseram acolher quando perceberam que seu aspecto era de quem ia para Jerusalém. E se Jesus houvesse dado ouvidos à sugestão de Tiago e João, orando ao Pai para que enviasse fogo do céu para consumir os samaritanos que O rejeitaram naquele dia? Agora, o mesmo João era testemunha do que Deus estava fazendo pelas mãos de Filipe. 

Pode-se dizer que, num certo sentido, Filipe também tomou carona no que o próprio Jesus iniciou. Paulo diz que um é o que planta, outro é o que rega, porém, compete a Deus dar o crescimento.[5] Ampliando um pouco a analogia dos apóstolos, eu diria que mesmo antes de entrar em cena o que semeia e o que rega, há o que ara a terra. Jesus se refere aos tais quando diz que o que põe a mão no arado não deve olhar para trás, sob pena de tornar-se indigno do reino de Deus. [6] 

Arar é afofar a terra, permitir que o ar circule para que a semente, uma vez lançada, possa germinar sem dificuldade e lançar suas raízes. 

Jesus conta uma parábola de um agricultor que saiu a semear. Parte das sementes caiu à beira do caminho. Obviamente, aquelas sementes se perderam, pois o solo no qual caíram não havia sido preparado para recebê-las. Os pássaros vieram e as devoraram. Outra parte caiu entre espinhos, e acabou sufocada por eles. Outra caiu em terreno pedregoso, chegou a germinar, mas não vingou porque não conseguiu lançar raízes. A última parte foi lançada em boa terra, não só germinou, mas cresceu e produziu muitos frutos. 

Não seria o caso de trabalharmos para arar o solo, remover os espinhos e pedras para que nossas sementes não se perdessem? 

Filipe encontrou a cidade pronta para receber a boa nova. Nem precisou tanto esforço para anunciar a Cristo. Não houve resistência, nem animosidade. Todos foram receptivos porque tempos antes, Jesus passou por lá revirando e irrigando o solo, removendo os espinhos e pedregulhos. Deu no que deu. Vidas se renderam ao Seu amor. Sem imposições. Sem ameaças de inferno. Sem lançar mão de expedientes questionáveis. Sem nenhuma estratégia de marketing religioso. Apenas o anúncio do bom e nunca velho Evangelho.



[1] João 7:14
[2] Lucas 22:9-12
[3] At.8:1-8
[4] Idem
[5] 1 Coríntios 3:7
[6] Lucas 9:62

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