quarta-feira, dezembro 05, 2012

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Entre o primeiro choro e o último sorriso

Eu e meu primeiro violão aos 11 anos

Por Hermes C. Fernandes

Há exatos 43 anos, eu deixava o ambiente acolhedor do ventre de minha mãe para mergulhar de cabeça neste vasto mundo. Ao som de uma velha vitrola, meu primeiro choro quase não se ouviu.

Não fui aparado num hospital ou maternidade, mas pelas mãos de uma parteira numa casa modesta cercada de goiabeiras e mangueiras em um bairro de São Gonçalo chamado Alcântara.

Mamãe conta que debaixo de uma dessas goiabeiras, em noites estreladas, meu pai costumava contar-me histórias bíblicas, ainda nos meus primeiros meses de vida. Quando perguntado sobre a razão disso, ele afirmava que mesmo não entendendo uma só palavra do que dizia, aquelas histórias seriam armazenadas em sua memória, e que um dia aquele nenê se tornaria num pregador do Evangelho.

Desde que me entendo por gente, fui criança querendo ser adulto. Culpa de minha tia Inês, que hoje, sofrendo de Alzheimer, aos poucos volta a ser criança, amparada na casa de minha mãe. Foi ela quem, ao flagrar-me chupando chupeta, censurou-me, dizendo: - Que coisa feia! Um homem desse tamanho... Com apenas três aninhos, corri pelo quintal na direção dos fundos, onde havia um matagal, e joguei fora o apetrecho infantil, para o desespero de minha mãe, que, com razão, queixou-se devido ao cordão de ouro que foi junto.

A partir do fatídico episódio, não quis ser mais criança. Queria vestir-me como homem, falar grosso, imitar meu pai em tudo. O que me devolveu a infância foi a nossa primeira televisão. Assistindo a seriados japoneses (Ultraman, Speed-racer), desenhos de Hanna-Barbera, Capitão Aza, Rin-tim-tim, Sítio do Pica-pau Amarelo, e outros, desenvolvi uma imaginação fértil que me fez desejar ser um super-herói, mais precisamente o superman. Cheguei a improvisar um uniforme, amarrando uma toalha nas costas e vestindo a cueca sobre a calça.

Criado muito preso, sem jamais ter brincado na rua, minha fuga eram os gibis. Foi com eles que tomei gosto pela leitura.

Aos noves anos me apaixonei pela empregada de minha mãe. Tinha surtos de ciúme toda vez que ela gritava histérica ao ver o Sidney Magal nos programas de auditório da TV. Minha mãe teve que despedi-la para evitar dor de cabeça.

Fiz muitas estripulias. Talvez a pior delas foi jogar pedras nos ônibus que passavam em frente a nossa casa. Lembro-me da vez em que uma das pedras atingiu um carro,  despedaçando o para-brisa. Levei uma coça inesquecível. rs

Jamais me esquecerei das noites em que meu sono era interrompido pelas lágrimas de minha mãe, que percorria os quartos impondo as mãos sobre os filhos e pedindo a Deus que os guardasse deste mundo.

Depois que meu pai passou a dedicar-se integralmente ao ministério, coube a ela reunir-nos todos os dias (às vezes munida de cinto rs) para orar, ler a Bíblia e cantar louvores a Deus. Chamávamos de “culto matutino”, apenas de muitas vezes acontecerem à noite. Foi nesses cultos que peguei o gosto pela leitura das Escrituras.

Ganhei meu primeiro violão aos nove anos. Foi amor à primeira vista. Com ele compus minha primeira canção. Foi nesta mesma época que entrei num curso de datilografia (isso existe ainda?). Ainda com nove anos preguei meu primeiro sermão em uma igrejinha dentro de uma comunidade em Marechal Hermes, subúrbio do Rio.  Com treze anos tomei emprestado de um amigo de escola um disco do Kiss. Influenciado pelo som pesado da banda, adquiri minha primeira guitarra e comecei a aprender a solar. Com treze anos montei uma banda de rock na igreja. Que fase! Quanto trabalho dei para os meus pais... Pulava o muro da escola para ir pra praia... Fugia de casa de madrugada... queria conhecer o mundo. Só não enveredei nas drogas, nem me afastei da igreja. 

Próximo de completar catorze anos minha vida deu uma guinada. Fui eleito presidente da juventude de minha igreja. Liderei-a por dois anos. Chegamos a ter mais de duzentos jovens. Nesta mesma época, dirigi meu primeiro programa de rádio.

Aos 15, conheci aquela que seria a mulher da minha vida. Aos 17, recebi a responsabilidade de pastorear interinamente uma igreja no Engenho Novo. Percebe-se que tudo em minha vida foi precoce. Graças à censura que minha tia fez por chupar chupeta aos três anos... rs

Mas não me arrependo de nada (ou melhor, de quase nada). Se pudesse viajar no tempo e reviver cada etapa de minha vida, acho que não mudaria nada (ou quase nada).

Hoje, aos 43, aquele menino ainda sobrevive em mim. E tenho aprendido que a vida é o que acontece entre o primeiro choro e o último sorriso. E quanto a este, não tenho pressa de exibi-lo.

Obrigado a todos os que têm me acompanhado ao longo desta jornada, ou pelo menos, em algumas de suas etapas. Sem a companhia de cada um de vocês, a vida não teria a mesma graça, e talvez, nem valesse a pena ser vivida. 

Sobretudo, agradeço a Deus por este dom maravilhoso, e por permitir-me ser contemporâneo de tanta gente maravilhosa com a qual tenho aprendido a amar e a viver. 

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