Por Hermes C. Fernandes
Que homem é este? Por que seu próprio povo o entrega para
ser julgado? Estas eram algumas das perguntas acerca de Jesus que povoavam a
cabeça de Pôncios Pilatos, homem da mais alta confiança de César, e que havia
sido destacado para ser o governador da Judeia.
Jesus já havia passado pelas mãos do sinédrio e dos
sacerdotes, mas estes, apesar de o considerarem digno de morte, acusando-o de
heresia, nada podiam fazer. Não tinham autoridade para executá-lo. Por isso,
enviou-o a Pilatos.
Temeroso da reação popular, já que Jesus gozava de
popularidade invejável, Pilatos o envia a Herodes, o rei fantoche. Depois de
divertir-se um pouco com o Galileu, Herodes o reenvia a Pilatos, pois também
temia perder popularidade, caso o condenasse.
Jesus parecia um joguete nas mãos dos poderosos. Ninguém
queria aquela “batata quente”.
Sem ter mais a quem apelar, Pilatos se viu numa sinuca de
bico. Algumas horas antes aquele povo havia recepcionado a Jesus na entrada da
cidade, bradando: Hosana ao Filho de Davi!
Se Pilatos o condenasse, ficaria bem com a casta sacerdotal,
mas teria sua popularidade maculada. Se o absolvesse, ganharia o povo, mas
perderia o apoio dos sacerdotes. E agora, José?
Quem nunca se viu numa saia-justa dessas? Do tipo, se correr
o bicho pega, se ficar o bicho come?
A exemplo de Pilatos, recorremos a todas as instâncias,
buscando manter-nos isentos. Preferimos omitir-nos, alegando não ser problema
nosso. Mas algumas demandas são como bumerangue, vão e voltam, e caem no nosso colo.
De repente, ocorre a Pilatos que os judeus estavam em plena
semana de Páscoa, ocasião em que, segundo a tradição, as autoridades levavam dois presos diante do povo, para que se
escolhesse quem deveria receber indulto.
Não haveria momento melhor do que recorrer a tal tradição. Era
uma espécie de jurisprudência, em que o juiz se baseia em decisões anteriores de
seus colegas para resolver questões não previstas na lei, e assim poupar-se de
ser acusado de arbitrariedade.
De fato, basear nossas ações em tradições nos protege. Caso cometamos
qualquer erro, este entra na conta da tradição. Apenas repetimos um padrão
estabelecido antes de nós.
Que mal tem? Meu pai agiu assim. Meu avô, idem. Por que
deveria fazer diferente?
No fundo, isso não passa de um mecanismo que visa
isentar-nos da responsabilidade.
Pilatos imaginou que trazendo diante do povo um meliante
como Barrabás, Jesus facilmente escaparia daquela cilada armada pelos
sacerdotes.
Quem em sã consciência escolheria um bandido de alta
periculosidade em vez de um rabino de conduta ilibada?
Enquanto Barrabás é introduzido, e colocado ao lado de
Jesus, a mulher de Pilatos se aproxima e sussurra em seu ouvido:
- Meu bem, não se mete com este homem. Andei tendo uns
sonhos estranhos. Acho que ele é um santo e não seria justo você condená-lo por
causa da pressão desta gente.
Quantas vezes Deus tem colocado ao nosso lado pessoas que
nos servem como despertador para nossa consciência! Gente que percebe as coisas
de um ângulo que não logramos enxergar. São nossos alter-egos. Aqueles que
extraem de nós o que temos de melhor. Quando necessário, nos confrontam. Dizem o que nem sempre é o que queremos ouvir.
Bem-aventurado é quem tem ao seu lado alguém que lhe faça pensar antes de agir.
Tudo indica que o argumento dela convenceu-o. Pilatos estava
disposto a defender Jesus contra a inveja daqueles religiosos profissionais.
Os sacerdotes aproveitaram a distração, se infiltraram no
meio do povo, e começaram a incitá-lo a pedir a liberdade para Barrabás, e a
crucificação de Jesus.
Em poucos minutos, o mesmo povo que aclamara Jesus na
véspera, agora estava convencido a pedir sua execução.
Em meio a turba, nossa consciência é suprimida. Nossos instintos
são aflorados. Os valores vão para o ralo. Bem faríamos se considerássemos seriamente o
mandamento: “Não seguirás a multidão para fazeres o mal; nem
numa demanda falarás, tomando parte com a maioria para torcer o direito” (Êxodo 23:2).
Há líderes que dominam a malévola arte de manipular uma
multidão. Com seu carisma a toda prova são capazes de jogar com as emoções das
pessoas, levando-as das lágrimas às gargalhadas num intervalo de segundos. Com
seu senso crítico suspenso durante a histeria coletiva, as pessoas se prestam a
qualquer papel, inclusive o de tirar tudo o que têm no bolso e entregar nas
mãos destes líderes inescrupulosos.
Pilatos se levanta, dirige-se à turba enfurecida e pergunta:
- E aí, minha gente, já decidiu? A quem devo soltar? Jesus,
o gente boa, ou Barrabás, o cão chupado manga?
O coro já estava ensaiado. “Barrabás!” gritam os incautos.
- E quanto a Jesus, chamado Cristo, o que devo fazer?
Sem titubear, o povo grita: “Crucifica!!!”
Ele ainda tenta argumentar em defesa de Jesus. Mas os gritos
abafam seus argumentos. O tumulto crescia, e antes que se perdesse o controle,
Pilatos pede uma bacia com água, e diante de todos, faz um gesto que entraria
para a história como o símbolo-mor da omissão.
- Vocês são testemunhas de que não vi nada de mal nesse
homem. Por mim, ele seria liberado. Mas como vocês exigem a soltura de Barrabás
e a sua crucificação, eu lavo minhas mãos. Sou inocente do sangue deste homem.
Quanto custa lavar as mãos numa situação como esta? Neste
caso, enquanto as mãos de Pilatos saíram limpas, as mãos de Jesus saíram
feridas, perfuradas por cravos que o penduraram na cruz.
É relativamente fácil lavar as mãos, omitir-se, deixar que
outros decidam por nós; difícil é lavar a consciência, sabendo que poderia ter
evitado uma injustiça e não o fez.
Assistindo àquele gesto insólito, a multidão respondeu:
- Que o seu sangue caia sobre nós e nossos filhos!
Meu Deus, onde aquela gente estava com a cabeça? Perderam
totalmente o senso? Não perceberam o peso daquelas palavras?
Horas depois, enquanto percorria a via-crucis, Jesus viu
algumas mulheres chorando, parou e disse-lhes: Não chorem por mim! Chorem por
vocês e por seus filhos!
Cada decisão que tomamos afeta não apenas nossa vida, mas
também à vida dos que nos cercam, bem como a daqueles que virão depois. Por
isso, não temos o direito de agir inconsequentemente. Há que se ponderar a
repercussão que nossas atitudes poderão ter no futuro.
Que o Senhor nos cerque de gente mais persuasiva que a mulher
de Pilatos, que nos impeça de cometer precipitações e, sobretudo, injustiças.
Que o Senhor nos livre de gente como aqueles sacerdotes movidos de ciúme e
inveja, capazes de incitar o que há de pior em nossa natureza.
E que lá na frente, ninguém pague o pato pelas nossas precipitações.
Vai uma bacia de água aí?
Nenhum comentário:
Postar um comentário