sexta-feira, março 16, 2012

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A despedida de um 'anjo' que hospedamos em nossa vida


Momento de sua ordenação

Por Hermes C. Fernandes

As luzes já estavam apagadas. Não via a hora de chegar em casa e descansar. Enquanto fechávamos a igreja, chega um moço perguntando sobre o batismo. Por algum motivo, ele se atrasou. Vendo seu desejo de ser batizado, resolvi fazer-lhe uma concessão. Afinal, o batistério ainda estava cheio. Era só acender as luzes, e mesmo sem a presença do povo, batizá-lo.

O batistério ficava nos fundos da igreja. Nem tive o trabalho de acender todas as luzes. Lá estávamos eu, minha esposa, talvez uns dois obreiros, e ele.

Paulo era um jovem egresso das drogas, que fora trazido para igreja por outro jovem que conhecera em sua barraca de camelô. Este novo amigo era cabo da PM, atleta, e soro positivo. Seus últimos exames haviam constatado sua cura. Impressionado com seu restabelecimento, Paulo aceitou o convite e veio a nossa igreja no Largo do Bicão, Vila da Penha. 

Pouco depois de ser batizado, Paulo desejou ser discipulado e engajar-se nos trabalhos da igreja. Criado na antiga FUNABEM, não conheceu seus pais, nem irmãos (se é que os teve). Largado no mundo, acabou se envolvendo com o submundo das drogas. 

Justamente nesta época, meu ministério sofria uma inusitada guinada. De berço pentecostal clássico, transitando no neopentecostalismo, tive uma experiência singular que me lançou nos braços da doutrina reformada. Tive que pagar um alto preço por conta disso. Ávido por compartilhar aquela maravilhosa visão da graça e do reino de Deus, encontrei em Paulo meu primeiro discípulo pós-graça. 

Mesmo sendo um moço sem muitos estudos, Paulo demonstrava compreender como ninguém aquela mensagem. Qualquer pessoa que chegasse à igreja, ainda que fosse um mendigo, Paulo o alugava falando-lhe da surpreendente graça de Deus.

Aos poucos, ele foi conquistando espaço em nossa igreja e em nossa família. Meus filhos se apegaram a ele, como se fosse um irmão mais velho. Ele vinha pra casa, jogava video-games com o Rhuan, ajudava minha esposa com a instalação de ventiladores e chuveiros, assistia filmes comigo. Em nossas celebrações de Natal, Ano Novo, aniversário, Paulo era figurinha marcada. 

Quando deixei o pastorado da Sede da Igreja, e assumi a direção de uma igrejinha humilde em Marechal Hermes, Paulo me acompanhou e foi morar na igreja. Quando começamos a igreja na Praça do Carmo, Paulo estava ao meu lado. E assim foi no Engenho Novo (onde participou do ministério de louvor), Vargem Grande, Duque de Caxias.

Depois de mais de doze anos de discipulado intensivo, Paulo foi ordenado ao pastorado. Ele não foi forjado num seminário, mas no campo. Foi emocionante ver aquele rapaz que chegara atrasado para o batismo, agora sendo ordenado para o ministério pastoral. Não houve quem não chorasse.

Há uns três anos, Paulo achou por bem dividir seu tempo entre o ministério e um emprego secular. Deixou de morar na igreja e alugou uma casa, indo morar sozinho. Sua saúde começou a debilitar-se. 

Minha esposa sempre cobrava dele, para que se cuidasse. Ele dizia que estava tudo bem, mas víamos que não. Perdia muito peso, por conta de um problema na glândula tireoide. 

Da última vez que nos vimos, ele pediu que orasse por ele. Depois de sair do meu gabinete, disse à minha irmã Mirilayne e à minha esposa que sentia em meu coração que aquela era a última vez que o víamos. Foi uma impressão muito forte. Minutos depois, ele voltou ao meu gabinete e disse: Bispo, me perdoe por qualquer coisa. Eu amo muito o senhor e a sua família. Deu um sorriso triste e se foi.

Infelizmente aquela impressão que tive em meu espírito se concretizou. Ontem, meu filho, amigo e discípulo partiu para estar com o Senhor. Segundo o IML, Paulo sofreu um enfarto agudo do miocárdio. Se houvesse alguém com ele em casa, talvez pudesse socorrê-lo.

Paulo partiu da maneira como chegou em nossa vida: de repente. A diferença é que, quando chegou, chegou atrasado, mas quando partiu, partiu cedo demais. 

Todos lamentamos muito a sua partida. Meus filhos, minha esposa e toda a igreja sentirão muito a sua falta. Amanhã, sexta-feira, às 9:30h., estaremos no Cemitério do Irajá para nos despedirmos do seu corpo (pois seu espírito já está com o Senhor).

Paulo, você jamais será esquecido. Sempre dissemos que você era um anjo disfarçado de gente. Deus nos concedeu o privilégio de hospedá-lo em nossa vida. A Bíblia diz que alguns hospedam anjos sem saber, pois nós sempre soubemos. Se é verdade que o amor é eterno, como temos crido, então podemos afirmar com todas as letras que te amaremos para sempre. Descanse em paz, meu filho. 

Já, já no reencontramos na Glória Futura, onde você já chegou (e nós também!).



5 comentários:

  1. Emocionante hustória... mais que uma história, uma vida, um fato... um verdade que emociona até quem não o conheceu.

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  2. Grande amigo, e conselheiro..

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  3. Grande amigo, e conselheiro..
    A família "Roque" sentirá sua ausência.
    Dê um abraço no Salvador, e lembre-se de mim.

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  4. Cláudio10:12 AM

    Hermes, infelizmente faz parte da vida humana a morte.
    Meu irmão Hermes era sub inspetor da Polícia Civil em uma batida policial ele foi alvejado com um tiro no peito que acertou a veia do coração no que ele não resistiu e faleceu.
    É dolorido Hermes, ver um ente querido nosso morrer.
    Mas Deus nós dá o consolo, e que Deus dê o consolo a esta famíla que precisa, nesta hora tão difícil como a minha foi.
    O importante que sabemos que os cristãos que já partiram estão com nosso Senhor Jesus Cristo de Nazaré, e encontraremos com eles brevemente no grande dia do Senhor Jesus no seu arrebatamento de sua igreja, seu povo amado.
    O apóstolo Paulo disse, felizes os que já partiram no Senhor.
    No livro de Salmos 116.15 diz: precisosa é vista do Senhor a morte do seus santos.

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  5. Anônimo9:48 AM

    Gostei da homenagem feita a seu amigo, mais do que tudo. Deus sabe todas as coisas e nos entrega pessoas como o Paulo, para que possamos aprender deles.

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