quinta-feira, março 05, 2009

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Um Místico Urbano

Uma verdadeira experiência mística vai muito além dos limites da razão.

Tomás de Aquino (1225-1274) foi um homem interessante e intrigante. Apesar de ter nascido numa rica família, optou, em certo momento de sua vida, por ser um pobre frade. Por ter um corpo grande, desajeitado e lento, ganhou o apelido de “boi burro”. Quando seus colegas assim o chamavam, não poderiam imaginar estar diante daquele que seria considerado um dos teólogos mais geniais da história do Cristianismo, cuja voz iria atravessar os tempos.

Aquino foi um sistemático pensador aristotélico em um ambiente teológico imerso no platonismo. Ele foi um severo crítico do subjetivismo platônico, por entender que os teólogos influenciados por este pensamento caíam num transcendentalismo desconectado da realidade. Por isso, foi a mosca que pousou na sopa de tais teólogos místicos, influenciados por um pensar mais aberto ao sobrenatural. Sua Suma Teológica tornou-se o primeiro tratado de teologia sistemática do Ocidente, uma tentativa de sintetizar em volumes os múltiplos e infindáveis tópicos teológicos.

Mas aqui reside um mistério: propositadamente, ele deixou sua Suma Teológica inacabada. Seu amigo Reginaldo ficou preocupado quando observou que Aquino parou de trabalhar na sua obra-prima. Instado a continuar, Aquino respondeu que não poderia mais escrever. Diante da insistência do amigo, o teólogo abre o coração e diz: “Eu não posso mais escrever, porque tenho visto coisas que fazem todos os meus escritos serem como palhas”. E assim foi. Aquino não mais escreveu depois de ter tido uma experiência mística com Deus durante uma celebração, que o fez baixar a pena em uma atitude de humilde adoração. No leito de morte, este grande filósofo e teólogo, pai da Teologia Natural e um dia antagonista da Teologia Mística, pede para ouvir a leitura bíblica do Cântico dos Cânticos.

Afinal, qual foi a experiência mística que levou Aquino a considerar tudo quanto tinha escrito – e que constitui um dos principais pilares da teologia ocidental – como palha? Tentar descobrir é profanar com uma curiosidade racional a santidade de uma experiência única; mas reporto-me a esta experiência de Aquino porque ela mexe o meu mundo interior, despertando sonhos antigos. Pois eu tenho um sonho de me tornar um místico! Sim, eu gostaria de organizar a minha vida em torno do mistério de Deus. A mística é considerada na tradição espiritual cristã uma “ciência” mais elevada, pois é uma forma de conhecer Deus como fruto da experiência com ele, e não do acúmulo de informações frias sobre a sua pessoa.

Equivocadamente, pensa-se que uma experiência mística é o eclipse da razão, um suicídio intelectual em nome do indescritível. Nada mais errôneo para com a mística cristã. Um místico não é um louco, ou alguém intelectualmente preguiçoso e limitado, mas alguém que crê por ter experimentado encontros com Deus não explicados puramente pela razão e nem totalmente descritos com palavras. É uma forma de conhecer a Deus – no dizer de Teófilo, “a sabedoria escondida e secreta de Deus, na qual, sem ruído de palavras e ajuda de algum sentido corporal nem espiritual, como no silêncio e quietude da noite, obscura a todos os sentidos naturais; ensina Deus a alma, no oculto e no secreto, sem que esta saiba como está sendo ensinada”.

Eu tenho um sonho de influenciar uma geração de estudantes de teologia e de jovens pastores a se tornarem místicos. Queria poder dizer-lhes que os anos de estudo teológico não podem seqüestrar sua devocionalidade. Gostaria de alertá-los de que a Igreja contemporânea tem uma necessidade urgente de místicos intelectualmente sólidos, teologicamente saudáveis, e não de oradores que produzem discursos dominicais vazios por não nascerem do encontro com o Deus vivo. Sonho poder inspirá-los a refundarem a mística protestante, deturpada pela onda neopentecostal. Sonho poder falar-lhes de liderança, não a partir de modelos puramente técnicos advindos do mundo corporativo, mas sim de uma liderança com base na mística capaz de fazer de homens e mulheres de Deus verdadeiros sábios espirituais.

Eu tenho um sonho de libertar a palavra discipulado da prisão reducionista na qual nós a pusemos. O discípulo de Jesus é um místico que sobe o monte da transfiguração com ele e desce de novo para expulsar os demônios do vale. Sonho em transformar minha igreja em um centro de formação espiritual, dentro da qual são gestados místicos preocupados com a transformação da sociedade. Então, tenho o sonho de ser um místico urbano. Não quero ir para o mosteiro, mas desejo trazer para minha realidade pós-moderna os maravilhosos princípios da espiritualidade monástica. Sonho viver aquilo que Bonhoeffer disse: “Somente um novo monasticismo pode salvar a Igreja atual.” Quero ser este novo monge, que usa celular, assiste televisão e comunica-se por e-mail, mas cultiva o silêncio e a contemplação no meio do barulhento inferno urbano.


Texto de Eduardo Rosa

Fonte: Cristianismo Hoje

Um comentário:

  1. Anônimo11:06 PM

    O Urbano é o sitio mais carente do exercício místico.
    Nas hortas urbanas e que ploriferam toda espécie de males. As hostes espirituais da maldade são do Mundo e têm predileção pelos sítios urbanos.
    É no urbano que nascem as feiras as Catedrais e os prostíbulos.

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