segunda-feira, março 09, 2009

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Em sintonia com o coração do homem pós-moderno

Creio que a Igreja do Futuro deve aprender a ouvir o coração do Mundo, isto é, se compadecer e discernir os anseios da alma humana, buscando correspondê-los.

Mas para discerni-los, temos que estar atentos, não apenas àquilo que seus lábios e atitudes dizem, mas também à sua produção cultural. Muito daquilo que o ser humano não consegue exprimir através de palavras, é comunicado através da arte e da cultura de um modo geral.

A igreja contemporânea se afastou da realidade. Parece que a forte ênfase nos carismas fez com que nos especializássemos na língua dos anjos, e desaprendêssemos a língua dos homens. Precisamos de uma espécie de tecla SAP, para discernirmos o que se passa na alma humana.

Mesmo conhecendo a fundo o vernáculo celestial, Jesus discerniu o anseio do coração de um ancião chamado Nicodemos, e falou-lhe usando sua própria linguagem. O tal “novo nascimento” foi a metáfora escolhida por Jesus para falar-lhe de uma realidade tão profunda que não encontra palavras em nenhum idioma terreno. Surpreso pela incapacidade do mestre fariseu em entender a metáfora, Jesus questionou: “Se vos falei de coisas terrestres e não crestes, como crereis, se vos falar das celestiais?” (Jo.3:12).

Jamais foi intenção de Jesus impressionar a quem quer que fosse com Seus discursos. Suas parábolas visavam facilitar a compreensão, trazer a realidade celestial para dentro da linguagem humana. Embora nossas Bíblias usem linguagem rebuscada, os textos mais próximos dos originais foram escritos no grego koiné, isto é, na linguagem das ruas.

Hoje, a igreja cristã peca por querer impressionar o mundo com uma linguagem pra lá de espiritual.

Tornamo-nos um gueto com nossos próprios jargões e clichês. Achamos que nos aproximamos do coração de Deus, mas ao mesmo tempo nos distanciamos do coração do Mundo.

Para sermos, de fato, igreja do futuro, temos que ter um coração no compasso do coração de Deus, ao mesmo tempo sensível aos anseios do coração dos homens.

Como profetas, trazemos a Palavra de Deus na linguagem dos homens. Como sacerdotes, apresentamos a Deus os anseios humanos na linguagem do céu.

Comunicação é isso: uma via de mão-dupla.

Se quisermos ser ouvidos, temos que aprender a ouvir.

Quero tomar dois exemplos bíblicos, um do Antigo e outro do Novo Testamento.

Em Daniel 2, lemos que Nabucodonosor, rei da Babilônia, teve um sonho e ninguém conseguiu interpretá-lo. Depois de recorrer inutilmente aos magos e sábios do seu reino, chegou a vez de Daniel. O rei sequer se lembrava do sonho que tivera. Sem dúvida, interpretar aquele sonho foi um dos maiores desafios enfrentados pelo profeta. Sua vida estava em jogo, juntamente com a de todos os sábios e magos da Babilônia.

Veja aonde Daniel foi buscar orientação e discernimento:

“Seja bendito o nome de Deus para todo o sempre, porque dele é a sabedoria e a força; é quem muda os tempos e as horas, remove reis e estabelece reis; ela dá sabedoria aos sábios e conhecimento aos entendidos. Ele revela o profundo e o escondido; conhece o que está em trevas, e com ele mora a luz. Ó Deus de meus pais, eu te louvo e celebro, porque me deste sabedoria e força; agora me fizeste saber o que te pedimos, porque nos fizeste saber este assunto do rei” (Dn. 2:20-23).

Estaríamos buscando em Deus o discernimento para compreendermos os anseios dos corações?Estaríamos nos interessando o suficiente por assuntos que aparentemente não nos dizem respeito?

Não há assunto ou matéria que não interesse à igreja do futuro. Tudo o que diz respeito à humanidade e seus anseios, também diz respeito a nós.

Do Novo Testamento tiramos o exemplo de Filipe e o Eunuco Etíope.

Filipe estava desfrutando daquilo que hoje seria considerado o maior sucesso que um ministério poderia alcançar. Uma cidade inteira, antes contrário a qualquer coisa que viesse dos judeus, rendera-se ao amor de Cristo através da pregação de Filipe. De repente, o Espírito Santo o envia a um lugar deserto. “No caminho viu um etíope, eunuco e alto funcionário de Candace, rainha dos etíopes, o qual era superintendente de todos os seus tesouros, e tinha ido a Jerusalém para adorar. Regressava, e assentado no seu carro, lia o profeta Isaías. Disse o Espírito a Filipe: Chega-te, e ajunta-te a esse carro. Correndo Filipe, ouviu que lia o profeta Isaías, e perguntou: Entendes tu o que lês?” (At.8:27-30).

Filipe teve que deixar seu gueto, seu nicho, e ir para um lugar inóspito, deserto, para encontrar-se com um estrangeiro, negro e efeminado. Seus preconceitos foram postos à prova. Ao avistar o carro do Eunuco, o Espírito ordenou que se aparelhasse a ele. Pelo que tudo indica, o carro estava em movimento, e Filipe teve que correr para alcançá-lo.

Estaríamos dispostos a deixar nosso gueto religioso, nosso mundinho gospel, para ir ao encontro de gente totalmente diferente de nós?

Ao se aproximar, a primeira coisa que Filipe notou é que aquele homem estava lendo. O que nossa sociedade tem lido ultimamente? Que filmes tem assistido? Que música tem ouvido? Ora, se não prestarmos atenção, jamais saberemos.

O Eunuco lia as Escrituras. E isso certamente facilitou o processo de evangelização. Porém, hoje o Mundo à nossa volta está repleto de todo tipo de literatura. O que é que nossos jovens estão consumindo em termos de cultura em nossos dias?

A resposta a esta pergunta nos ajudará a compreender os anseios de seu coração.

Por isso, os componentes da igreja do futuro precisam se interar e se inserir na cultura popular. Em vez de ouvir música secular apenas para criticar ou mesmo , para se entreter, devemos ouvi-la em busca desses anseios.

Precisamos ser leitores vorazes. Ler de tudo, e não apenas literatura cristã. Ainda que não sejamos cinéfilos, devemos acompanhar o lançamento de filmes, bem como os programas televisivos, as peças teatrais, etc.

A cultura é uma das principais maneiras do homem expressar o que há em seu coração. E não temos que temer nos expor a ela. Lembre-se da admoestação de Paulo: "Examinai tudo. Retende o bem" (1 Ts.5:21). Você vai se impressionar quando se der conta de que a graça comum tem habilitado homens comuns a produzirem coisas maravilhosas. Particularmente, tenho encontrado verdadeiras pérolas em músicas seculares, que expressam não apenas o que está no coração dos homens, mas também o que está no coração de Deus.

Quando Filipe viu que o Eunuco lia Isaías, perguntou: “Entendes tu o que lês? Ele respondeu: Como poderei entender, se alguém não me ensinar? E rogou a Filipe que subisse, e com ele se assentasse” (vv.30-31).

Não basta correr para alcançar o carro, é necessário entrar nele. Não adianta brincar de apostar corrida com a cultura, temos que nos inserir nela.

O mundo necessita de tutores dispostos a assentar-se e explicar. E este é um dos papéis atribuídos à igreja de Cristo.

De que adianta distribuirmos Bíblias e literatura cristã, se não houver quem explique?

E para lograrmos êxito nessa empreitada, temos que reaprender a língua dos homens.

Veja o que diz Paulo:

“Assim também vós. Se com a língua não pronunciardes palavras bem inteligíveis, como se entenderá o que se diz? Estareis como que falando ao ar. Há, por exemplo, tantas espécies de vozes no mundo, e nenhuma delas sem significação. Mas, se eu ignorar o sentido da voz, serei estrangeiro para aquele a quem falo, e o que fala será estrangeiro para mim” (1 Co.14:9-11).

Ninguém falava mais em línguas angelicais do que os cristãos coríntios. Paulo teve que tratar com isso, pois transformaram o dom de línguas numa espécie de aferidor de espiritualidade. Apesar de ser tão abundante nos dons, a igreja de Corinto era também considerada a mais carnal. O que nos torna espirituais não é a abundância de dons, e sim a abundância de amor.

Tristemente, a igreja contemporânea está muito parecida com a de Corinto. O dom de línguas tornou-se coqueluche. E quem não fala em línguas é logo taxado de carnal, ou de crente de segunda classe. Usam as línguas para impressionarem e passarem uma imagem de espiritualidade.

Paulo arremata:

“Dou graças ao meu Deus, porque falo em outras línguas mais do que todos vós. Todavia, eu antes quero falar na igreja cinco palavras com o meu entendimento, para que possa também instruir os outros, do que dez mil palavras em línguas” (1 Co.14:18-19).

Paulo parece recomendar uma economia de línguas espirituais em público, substituindo-a pelo uso de idiomas inteligíveis. Cabe aqui esclarecer que o dom de línguas recebido no dia de Pentecostes visava promover o entendimento, e não dificultá-lo.

A língua falada pelos cristãos no cenáculo não era de anjos, mas de homens. Repare no relato de Lucas:

“Todos foram cheios do Espírito Santo, e começaram a falar em outras línguas, conforme o Espírito Santo lhes concedia que falassem. Em Jerusalém estavam habitando judeus, homens religiosos, de todas as nações que estão debaixo do céu. Correndo aquela voz, ajuntou-se uma multidão, e estava confusa, porque cada um os ouvia falar na sua própria língua” (At.2:4-6).

Portanto, falar a língua dos homens é mais importante do que falar a língua dos anjos.

Paulo diz ainda que quando profetizamos, isto é, falamos das coisas de cima mas na linguagem aqui de baixo, os segredos do coração dos homens “ficarão manifestos, e assim, lançando-se sobre o seu rosto”, adorarão a Deus, “declarando que Deus está verdadeiramente entre vós” (1 Co. 14: 25).

É disso que precisamos: profetas! Gente que profira a palavra de Deus de maneira inteligível, e que vá de encontro aos anseios mais profundos da alma humana.

Gente como Daniel, que embora transite pelos corredores dos palácios da Babilônia, não come dos seus manjares, não negocie seus princípios, mas é capaz de discernir segredos do coração do rei, que nem mesmo ele discerne.

Nas palavras de Paulo, o espiritual não é aquele que se isola da cultura, que vive a falar em línguas angelicais, mas sim aquele que “discerne bem a tudo” (1 Co.2:15). O espiritual de Paulo equivale ao cristão maduro de Hebreus, “que pela prática, têm as faculdades exercitadas para discernir tanto o bem como o mal” (Hb. 5:14). O instrumento que ele usa para tal alcançar tal discernimento é a Palavra de Deus, “viva e eficaz (...) apta para discernir os pensamentos e intenções do coração” (Hb.4:12).

Que tenhamos um coração reinista, que consiga, ao mesmo tempo, bater no compasso do coração de Deus, e estar atendo e sensível aos anseios do coração dos homens.

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