Embora só exista “saudade” em português, este sentimento é comum a todos os povos e culturas. Temos saudade do que passou, de pessoas que se foram, de experiências que vivemos, e até daquilo que fomos um dia.
Mas a pior das saudades é a saudade do futuro.
Como é possível sentir saudade do que ainda não vivemos? Que sentimento é esse?
Imaginemos uma mulher grávida, que subitamente aborta o filho. Mesmo sem nunca tê-lo embalado em seu colo, nem tê-lo visto, o que ela sente é saudade. Não é saudade da barriga preponderante, mas de um futuro que jamais se concretizará. Saudade de toda expectativa investida. Saudade de um choro de criança que ela jamais ouvirá.
É uma sensação estranha, porém, real. Cada momento que vivemos está grávido do futuro.
O futuro é fruto do casamento entre a eternidade e o agora.
Às vezes temos a sensação de que o futuro foi abortado. É esta sensação que produz em nós um tipo de saudade do futuro.
O sábio Salomão diz que Deus “pôs a eternidade no coração dos homens” (Ec.3:11). Em outras palavras, Deus fecundou nossa alma com a semente da eternidade.
Nosso corpo está sujeito ao tempo, mas nossa alma nos conecta diretamente à eternidade. E é por isso que Paulo declarou: “Por isso não desfalecemos. Ainda que o nosso homem exterior se corrompa, o interior, contudo, se renova de dia em dia” (2 Co.4:16).
Se a fé nos conecta à eternidade, a esperança nos conecta ao futuro.
Há situações que enfrentamos em nosso dia a dia que parecem destruir nossa esperança. Aos poucos, a esperança vai cedendo lugar ao desespero. E quando isso acontece, não é apenas o corpo que se consome, mas também o homem interior.
Jó experimentou isso na pele e na alma:
“O meu espírito vai-se consumindo, os meus dias vão-se apagando, e só tenho perante mim a sepultura”. Jó 17:1
Isso me lembra uma cena do filme “De volta para o futuro”, em que o protagonista volta ao passado, e percebe que uma foto que ele trouxera do futuro está se apagando, pelo fato de seu passado estar sendo alterado, e seu futuro comprometido.
Não há como retornar ao passado para alterar o presente ou o futuro. Mas podemos viver o presente comprometidos com o futuro.
Quando vivemos sem qualquer perspectiva, nosso espírito vai se consumindo, quando a vontade de Deus é que ele se renove dia após dia. É nosso homem exterior que se corrompe com o tempo. Nosso espírito tem que ser constantemente renovado. A esperança é a fonte da juventude, onde nosso espírito deve mergulhar para manter-se sempre jovem e disposto.
Se nosso espírito for consumido pela falta de perspectiva, nossos dias desbotarão, e a vida perderá sua cor. Então, só nos restará uma possibilidade: a sepultura.
Nossos dias se apagam, quando nosso futuro se desvanece. Quando já não temos expectativas, nem esperança.
Era assim que Jó se sentia.
“Os meus dias passaram, malograram-se os meus propósitos, e as aspirações do meu coração (...). Se a única casa pela qual espero for a sepultura, se nas trevas estender a minha cama, se à corrupção clamar: Tu és meu pai; e aos vermes: Vós sois minha mãe e minha irmã, onde estará então a minha esperança? Sim, a minha esperança, quem a poderá ver?” Jó 17:11,13-15
Lembremo-nos que a fé que nos conecta à eternidade. Mas é a esperança que nos impulsiona para o futuro. Quando a esperança se esvai, temos que recorrer à fé.
Paulo diz que devemos atentar “nas coisas que se vêem, mas nas que não se vêem. Pois as que se vêem são temporais, e as que não se vêem são eternas (...). Andamos por fé, e não por vista” (2 Co. 4:18; 5:7).
O futuro não pode ser abortado, mas a esperança sim. E se ela tem sido sabotada pelas circunstâncias adversas, somente a fé poderá restaurá-la.
Foi o que aconteceu a Abraão, que “em esperança, creu contra a esperança, que seria feito pai de muitas nações (...). E não enfraqueceu na fé, nem atentou para o seu próprio corpo amortecido” (Rm.4:18a,19a).
Soa estranho para nós o fato de alguém crer contra a esperança. A fé deve ter primazia sobre a esperança.
A fé nos faz acessar a eternidade, onde o futuro já é presente, um presente que ainda não foi desembrulhado.
Na definição do autor sagrado, “a fé é a certeza das coisas que se esperam, e a prova das coisas que não se vêem” (Hb.11:1).
Nossa fé deve estar voltada para Aquele que “chama a existência as coisas que não são, como se já fossem” (Rm.4:17).
O que ainda será na perspectiva do tempo, já o é na eternidade.
Crer contra a esperança, é, ao mesmo tempo, crer aliado à esperança. É transcender o tempo e o espaço, e vislumbrar a eternidade.
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