quinta-feira, abril 03, 2008

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Como perceberemos o Tempo na Eternidade?

“Quando eu era menino, falava como menino, pensava como menino, raciocinava como menino. Mas logo que cheguei a ser homem, acabei com as coisas de menino” (1 Co.13:11).

Em nossa infância, percebemos o tempo de maneira diferente de quando chegamos à idade adulta. A impressão que tínhamos era de que o tempo passava bem devagar. Quanto mais almejávamos a chegada das férias, mais elas pareciam distantes. Contávamos os dias e as horas, até que, depois de uma “eternidade”, elas finalmente chegavam. Qual a criança que nunca quis que o tempo passasse mais rápido pra que chegasse logo a idade adulta, em que ela pudesse sair sozinha, ou comprar o que quisesse? Porém, depois que alcançamos a maturidade, o tempo parece correr. Temos saudades de quando éramos crianças, e gostaríamos de ter a oportunidade de voltar no tempo e aproveitar mais nossa infância.

Quanto mais avançamos no tempo, mais rápido ele parece passar. De uma natal para o outro é um pulo. Se pudéssemos, pelo menos, congelar o tempo! Ou quem sabe, manter nossos filhos sempre crianças, e nosso cônjuge sempre jovem!

Embora pareça que o tempo se acelere com o passar do tempo (desculpe a redundância!), o fato é que nossos anos continuam tendo 365 dias, nossos dias continuam tendo 24 horas, e nossos minutos ainda têm 60 segundos. O tempo continua o seu percurso sem qualquer alteração. É nossa percepção que muda, devido a nossa consciência.

Para exemplificarmos a relatividade da percepção que temos do tempo, imagine os 50 segundos vividos numa montanha russa. Eles parecem uma eternidade. Ou ainda: quanto tempo pareceu durar sua última visita ao dentista? O barulho daquele motorzinho fez com o tempo se prolongasse. Mas quando você está numa atividade prazerosa, que você gostaria que se estendesse um pouco mais, parece que o tempo voa. Contudo, não é o tempo que se altera. Ele permanece o mesmo. O que muda é a percepção que se tem dele.

De acordo com Piaget, nossas idéias sobre o tempo não são inatas, mas resultam de construções lógicas que se originam da experiência e da ação. A construção do conceito de tempo é longa e complexa, atravessando etapas distintas. Quando crianças, começamos a elaborar nosso conceito de tempo a partir do desenvolvimento da linguagem. A criança só constrói a noção de tempo quando é capaz de perceber a duração e a sucessão do tempo (simultaneidade) e o fato de que não é possível parar o tempo (continuidade). Aos poucos ela vai entendendo o significado das palavras “ontem”, “hoje”, “amanhã”, “agora”, “depois”. Até que domine a linguagem, ela poderá cometer erros do tipo: “Amanhã eu fui passear com meu pai”, ou “ontem eu irei...” Com o tempo ela vai se aperfeiçoando, passando a compreender a divisão do tempo em anos, meses, semanas, dias, horas, minutos e segundos. Tão logo seja alfabetizada, a criança aprende a contar as horas no relógio.

A impaciência da criança com o tempo é patente. Quem nunca se aborreceu com o filho perguntando insistentemente durante o trajeto de uma viagem: “Ainda falta muito pra chegar?”
São perguntas como esta que demonstram que desde cedo nós aprendemos que tempo e espaço estão intimamente relacionados. Inocentemente, intuímos o que a física moderna só tornou em teoria no século passado. De acordo com a teoria da relatividade de Albert Einstein, espaço e tempo estão interligados.[1] Tempo e espaço, de fato, estão interligados indissoluvelmente.

O que liga o tempo ao espaço é o movimento. Por isso, todos os inventos para se medir o tempo se baseiam em algum tipo de movimento como o dos ponteiros ou pêndulo de um relógio, da areia na ampulheta, ou da sombra de um relógio de sol. Algo se movimenta quando ocupa posições diferentes no espaço. Percebemos, então, que não se pode conceber o tempo ou espaço como entidades isoladas, antes formam um conceito integrado de uma entidade que a Física passou a chamar de espaço-tempo quadrimensional (três dimensões para o espaço e uma para o tempo).O tempo, portanto, pode ser concebido como a "distância" que um determinado fato está em relação ao agora.

É dentro do binômio tempo-espaço, que o ser humano tem a oportunidade de se desenvolver, alcançando novos níveis de consciência.

Se não quisermos desperdiçar nossa vida, deixando-a aquém de nossas expectativas, precisamos cuidar do aqui-e-agora. É o que semearmos no aqui-e-agora, que nos fará ir além.

Aproveitar o aqui-e-agora é o que Paulo chama de “remir o tempo” (Ef.5:15-16). A palavra grega para “remir” é o particípio médio presente de exagoradzo, que significa “libertar da escravidão”. Na voz média significa “garantir para si mesmo” ou “salvar de perda”. Portanto, “remir o tempo” quer dizer poupar o tempo, garantir que ele não seja desperdiçado.

Num certo sentido, poderíamos dizer que não é o tempo que passa, e sim, nós que passamos por ele. A Bíblia confirma tal fato: "O homem, nascido da mulher, é de poucos dias e cheio de inquietação. Nasce como a flor, e murcha; foge também como a sombra, e não permanece....Visto que os seus dias estão determinados, contigo está o número dos seus meses; tu lhe puseste limites, e ele não poderá passar além deles." (Jó 14:1,2,5). Lemos ainda: "A duração da nossa vida é de setenta anos; e se alguns, pela sua robustez, chegam a oitenta anos, a medida deles é canseira e enfado; pois passa rapidamente, e nós voamos" (Salmos 90:10). Quão incômoda é esta verdade: Nós voamos! Não é o tempo que voa, somos nós. Por isso, devemos aproveitar ao máximo o tempo de que dispomos, não deixando escapar nenhuma das oportunidades que nos forem dadas. O grande gênio renascentista Leonardo da Vinci queixou-se de não ter tido tempo suficiente para fazer tudo o que desejava ter feito.

Há ainda duas passagens dos Salmos que chamam nossa atenção acerca disso. No salmo 39:4 lemos: "Faze-me conhecer, ó Senhor, o meu fim, e qual a medida dos meus dias, para que eu saiba quão frágil sou". Já o Salmo 90:12 diz: “Ensina-nos a contar os nossos dias de tal maneira que alcancemos coração sábio”. Estar consciente do tempo de que dispomos nessa vida nos faz humildes e sábios. Portanto, o tempo possui um valor pedagógico para o homem.

A Era da Pressa

O homem moderno tem pressa. Com o avanço tecnológico, as distâncias foram encurtadas. O que antes parecia tão longe, agora ficou tão perto. Uma viagem que antes demoraria dias, agora é feita em poucas horas. A indústria aeroespacial prevê que em trinta anos produzirá um avião supersônico que alcançará dez vezes a velocidade do som, sendo capaz de dar a volta ao mundo em apenas duas horas. A pressa deixou de ser a inimiga da perfeição, pra ser aliada à eficiência. O mundo tornou-se, de fato, numa aldeia global. Encurtando as distâncias, o homem almeja remir o tempo. As notícias são veiculadas pela TV e pela Internet em tempo real. Satélites estrategicamente posicionados ao redor do globo possibilita a informação instantânea.

A pressa é tamanha em receber informações, que os canais especializados já exibem várias notícias de uma só vez. Enquanto o repórter nos fala de uma tragédia ocorrida na Ásia, no rodapé da TV temos informações sobre a cotação do dólar, a meteorologia, e etc.

Como bem sinalizou Frei Betto, “a arte cinematográfica nos introduziu em um novo conceito de tempo. Não mais o conceito linear, histórico, que perpassa a Bíblia e, também, as obras de Aleijadinho ou Sagarana, de Guimarães Rosa. No filme, predomina a simultaneidade. Suprimem-se as barreiras entre tempo e espaço. O tempo adquire caráter espacial e, o espaço, caráter temporal. No cinema, o olhar da câmara e do espectador passa, com toda a liberdade, do presente para o passado e, deste, para o futuro. Não há continuidade ininterrupta”. Apesar das duras críticas que ele faz acerca desse novo conceito de tempo, Frei Betto conclui que há “algo de positivo nessa simultaneidade, nesse aqui-e-agora que nos impõem como negação do tempo. É a busca da interioridade. Do tempo místico como tempo absoluto. Tempo síntese/supressão de todos os tempos. Eis que irrompe a eternidade - eterna idade. Pura fruição. Onde a vida é terna”.
Tanto a TV, a Internet, e outras mídias modernas, com seu novo conceito de tempo, nos oferece uma pálida metáfora da consciência que obteremos na Eternidade.

O conhecimento nos será acessível, não por informações sucessivas, mas por revelação. A diferença entre informação e revelação é que a primeira é mediada por alguém, enquanto que a segunda nos é diretamente transmitida por Deus. Em Jeremias 31:34, Deus nos garante: “Não ensinará alguém mais a seu próximo, nem alguém a seu irmão dizendo: Conhecei ao Senhor, porque todos me conhecerão, desde o menor deles até o maior”. Teremos acesso irrestrito à Mente de Cristo (1 Co.2:16). Na verdade, já o temos hoje, entretanto, sofremos constantes interferências de nossa mente natural, o que produz algum tipo de “ruído”, e compromete a qualidade de nossa comunhão. Mas na Eternidade, em posse de um corpo glorificado, estaremos aptos a conhecer “as profundezas de Deus”, que nos serão reveladas pelo Espírito Santo (1 Co.2:10). Será como se substituíssemos a conexão de discagem de nosso computador, pela de banda larga. Estaremos sempre on-line com Deus.

Teremos um conhecimento panorâmico da realidade. Entenderemos onde as partes se encaixam na formação do Todo. E o mais importante: compreenderemos onde cada evento da vida encontra seu lugar na execução do supremo propósito.

Na Eternidade, todos os tesouros do conhecimento e da sabedoria, disponíveis em Cristo, nos serão acessíveis. Encontraremos respostas para as sete questões básicas: Quem, O quê, Por quê, Para quê, Onde, Quando e Como. O sujeito, o objeto, a razão, o propósito, o local, o tempo e o modo nos serão revelados.

Na Eternidade ouviremos a execução completa da Sinfonia da Vida, com todos os seus acordes, incluindo os graves, os agudos, e até mesmo os dissonantes.

Contemplaremos o grande mosaico da existência, e distinguiremos a figura que dele emergirá.
Por enquanto, o que vemos é o avesso daquilo que o Grande Artista está bordando. Mas lá veremos o outro lado, e apreciaremos estupefatos à Sua obra-prima.

A música nos oferece uma analogia interessante para o tipo de percepção de tempo que nossa consciência terá na Eternidade. Agostinho nos brinda com sua compreensão do tempo:

“Vou recitar um hino que aprendi de cor. Antes de principiar, a minha expectação estende-se a todo ele. Porém, logo que o começar, a minha memória dilata-se, colhendo tudo o que passa de expectação para o pretérito. A vida deste meu ato dividi-se em memória, por causa do que já recitei, e em expectação, por causa do que hei de recitar. A minha atenção está presente e por ela passa o que era futuro para se tornar pretérito. Quanto mais o hino se aproxima do fim, tanto mais a memória se alonga e a expectação se abrevia, até que esta fica totalmente consumida, quando a ação, já toda acabada, passar inteiramente para o domínio da memória”.[2]

Na Eternidade faremos uma síntese perfeita do tempo. Viveremos um “agora eterno”, síntese de sucessivos eventos.

A diferença entre a maneira como percebemos o tempo no “tempo”, e como o perceberemos na Eternidade é que, em nossa condição caída, nossa expectação quanto ao futuro vira ansiedade, nossa memória do passado produz saudade, e nossa experiência do presente é temor e angústia. Temos receio de que o que é bom termine. Queremos eternizar os momentos bons, e evitar os momentos desagradáveis. Não será assim na Eternidade. Não estaremos exprimidos entre a ansiedade, a saudade e a angústia. Nossa consciência, livre da corruptibilidade, processará a síntese perfeita. Nossa memória nos permitirá revisitar experiências maravilhosas que houvermos tido. Nossas lembranças serão tão perfeitas, que será como se revivêssemos tais experiências. Cada momento terá o peso de uma eternidade. Cada momento será como um degrau de uma grande escada espiralada. Dos andares superiores, pode-se ver perfeitamente os andares que já percorremos. Não perceberemos o tempo numa forma linear, mas espiralada, como são nossos genes, como são as galáxias.[3] O tempo, como o compreendemos agora, segue um padrão linear. É como uma linha esticada, com pontas nos dois extremos. Se quisermos ver o passado, temos que olhar para trás. O futuro se nos apresenta como algo que está à frente. Já na eternidade, perceberemos o tempo como um carretel de linha. Passado, presente e futuro estarão sempre “presentes” nesse carretel eterno, sobrepondo-se uns aos outros. O tempo se apresentará em forma de espiral, como o fio telefônico ou uma mola.

Não haverá evento algum do qual queiramos nos esquecer. Não haverá porão em nossa alma, para que nele lancemos nossas lembranças dolorosas. Mesmo as experiências ruins que tenhamos tido durante o tempo de nossa peregrinação, serão relembradas de um modo diferente. Isso porque as entenderemos em um contexto mais amplo. Constataremos a veracidade da promessa que diz que todas as coisas cooperam em conjunto para o bem daqueles que amam a Deus, e que foram chamados segundo o Seu propósito (Rm.8:28). Eis a palavra mágica: propósito.

Veremos não apenas os fatos isolados, mas as conexões entre eles. Tudo fará sentido. E isso resultará num tipo de louvor e adoração até então desconhecido. Nosso culto racional será plenamente consciente.

[1] "Algumas vezes me pergunto do porque de ter sido eu quem desenvolveu a teoria da relatividade. A razão, eu acho, é que um adulto normal nunca pára e pensa na questão do tempo e do espaço - essas coisas são pensadas quando criança. No entanto, meu desenvolvimento intelectual foi atrasado, o que me fez pensar sobre isso apenas quando mais velho." - Albert Einstein
[2] Santo Agostinho LIVRO XI, 28 das Confissões.
[3] O DNA tem a forma de espiral, e sua função transmitir informações acerca das características de cada indivíduo. As galáxias também possuem forma espiralada, e segundo recentes teorias, o Universo funciona como uma computador, processando informações.

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