sexta-feira, setembro 22, 2006

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A Ruptura
Por Hermes C. Fernandes


“No princípio criou Deus o céu e a terra”, que em vez de serem dois “mundos” separados, eram, na verdade, dois lados de uma única realidade. Paulo nos informa que foi em Cristo que “foram criadas todas as coisas que há nos céus e na terra, visíveis e invisíveis (...) tudo foi criado por ele e para ele” (Col.1:16).

A criação, em seu estado original, era incorruptível; qualidade inerente a algo que deve durar por toda a eternidade. Só mais tarde ela foi submetida à corrupção, conforme lemos em Romanos 8. Céu e terra caminhavam juntos, em plena harmonia, pois estavam inteiramente submetidos à tutela divina, sob a Sua boa,perfeita e agradável vontade. Mas algo aconteceu que provocou uma ruptura. Houve uma bifurcação na Eternidade, e que deu origem à História, ao tempo e à corrupção. O que teria originado isso? A resposta é: o pecado.

Quando se fala do pecado original, geralmente se usa o termo “Queda”, pois a ênfase é moral, e recai sempre sobre o resultado do pecado na vida humana. Porém o homem não foi o único afetado nisso tudo. O Cosmos inteiro foi prejudicado. A criação original, antes avaliada por Deus com um sonoro “muito bom!”, agora passava a produzir “espinhos e abrolhos”.

O evento que chamamos “Queda” deu origem à História, tirando o homem da Eternidade, e lançando-o em um universo em movimento.

Ser expulso do Paraíso para a terra de onde havia sido tomado significa ter sua comunhão com o Criador rompida, e passar a transitar por um mundo hostil, fundado sobre a lógica do conflito (dialética), e submetido ao tempo/espaço, e por conseguinte, à corrupção.

O que, do ponto de vista da eternidade, teria acontecido em frações de segundo, agora se revelava como produto de uma evolução contínua de bilhões de anos.

Uma vez que a lógica deste mundo é a lógica do choque entre tese e antítese formando uma síntese que, novamente, se afirma como tese realimentando o ciclo de eterna mutação, produzindo a História, a entrada de Adão se dá no momento em que ele pode ser integrado ao processo, ou seja, quando há outros homens, com os quais ele pode se relacionar, transformando-os em verdadeiros homo-sapiens sapiens, dando-lhes a fermentas que necessitavam para se transformar em seres humanos, quais sejam, o conhecimento de Deus, o que vai permitir a criação das religiões; da natureza, pois foi ele que deu nome à todas as espécies, e o conhecimento do bem e do mal, o que permitiu ao homem tomar decisões.

Para facilitar nosso entendimento, tomemos a história de Adão como uma recaptulação metafórica da história do mundo. Assim que foi criado, Adão estava só. Embora o relato bíblico anterior diga que Deus fez o homem macho e fêmea, Adão aparece sozinho, em um primeiro momento. Mas uma coisa não contradiz a outra. De fato, em Adão estavam os cromossomos X e Y. Não que ele fosse um ser andrógino, mas que possuía, potencialmente, ambos os sexos. Tanto é, que Deus faz a mulher a partir de seu próprio corpo. Adão representa a realidade única criada por Deus. Assim como no princípio criou Deus o céu e a terra, “assim criou Deus o homem à sua imagem, a imagem de Deus o criou; macho e fêmea os criou” (Gn.1:27). Entretanto, houve um momento em que a mulher foi tirada do homem, e passou a ser uma pessoa à parte. Agora, homem e mulher tinham vidas distintas, embora as vivessem em perfeita comunhão. Da união deles surge o primeiro filho, Caim, cujo procedimento foi reprovado pelo Senhor. Caim representa o velho mundo, resultado da Ruptura entre o céu e a terra. Porém, quando Adão e Eva se relacionam uma segunda vez, concebem Abel, que representa Cristo e o Novo Mundo. Assim como Caim se levanta para matar seu irmão, o velho mundo se insurge contra o Novo Mundo, matando o seu Messias.

E os paralelos não terminam aí. O texto diz que Caim foi lavrador da terra, enquanto Abel foi pastor de ovelhas. Caim estava dando seqüência à vocação de seu pai, que foi lançado fora do Jardim do Éden, “para lavrar a terra de que fora tomado” (Gn.3:23). Adão trocou um mundo perfeito, por um mundo cheio de espinhos e abrolhos.

Caim e Abel, dois mundos, frutos da Ruptura e da Comunhão.
E qual a condenação de Caim, por haver assassinado seu irmão?

“Agora maldito és desde a terra, que abriu a sua boca para receber das tuas mãos o sangue do teu irmão. Quando lavrares o solo, não te dará mais a sua força; fugitivo e errante serás pela terra” (Gn.4:11-12).

De acordo com o relato bíblico, Caim foi o pai da civilização. Pois tão logo conheceu sua mulher, que concebeu e teve um filho, “Caim edificou uma cidade” (v.17).

Uma pergunta inevitável é: Aonde Caim conseguiu uma mulher pra se casar? Ora, Adão só havia tido dois filhos. Só no verso 25 é que “tornou Adão a conhecer a sua mulher, e ela teve um filho, a quem pôs o nome de Sete”.

Alguns sugerem que Caim tenha se casado com uma irmã, ou quem sabe, uma sobrinha. Mas isso seria simplesmente improvável, pra não dizer, impossível.

O fato é que já havia outras pessoas no mundo. Quem eram?

Pra entendermos melhor a questão, temos que compreender a Ruptura.

Ao sair do Éden, Adão deixa a eternidade, e é arremessado no tempo. O mundo antes acabado, agora se mostra em constante processo. Este “novo” mundo em que Adão é lançado é concebido como fruto do pecado primordial.

Adão trocou um mundo pronto, por um mundo em processo de acabamento.

A questão toda gira em torno da consciência e da lógica, isto é, da maneira como o mundo é percebido. Lembre-se que eles estavam nus, e não se davam conta disso. A criação não se tornou ruim após a queda. A maneira como o homem a percebe é que ficou deformada.

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