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segunda-feira, abril 03, 2017

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Sexo antes do casamento, pode?



Por Hermes C. Fernandes

Esta é uma das questões mais recorrentes e delicadas que me chegam nos comentários de meus artigos ou em mensagens "in box" pelos meus perfis no facebook. Vou tentar ser sucinto para expressar o que penso sobre isso.

Primeiro, sexo é invenção divina. Não há nada de errado ou vergonhoso nele.

Segundo, sexo não é só para procriação, mas também para aprazimento dos seres humanos.

Terceiro, o ideal é que fosse praticado entre pessoas comprometidas através do casamento. Eu disse: o ideal. Isso não me dá o direito de dizer que quem o pratica fora do casamento seja necessariamente um pervertido, um fornicário, um ser desprovido de moral.

As convenções sociais evoluem ao longo do tempo. Nos primórdios, o casamento era acertado entre os pais, envolvendo questões econômicas e interesses mútuos. Estes costumes ainda são praticados por algumas culturas espalhadas pelo mundo. Não havia a bênção por parte de um sacerdote, nem registros em cartórios ou coisa parecida. Tudo se dava no ambiente doméstico, sem padrinhos, bolos, vestidos de noiva, buquê, etc. 

Durante os tempos bíblicos, as pessoas se casavam muito cedo. Tão logo a menina menstruasse, sinalizando que podia se engravidar, ela estava apta para ser entregue por seus pais ao matrimônio. Com o rapaz, bastava que fosse economicamente ativo e pudesse pagar pelo dote da moça. Portanto, nenhum jovem vivia sob a pressão que se vive hoje em dia. Não bastando a pressão hormonal, ainda há a pressão social que se agrava devido à vulgarização do sexo por parte da mídia.

Além do mais, antigamente não havia métodos contra-conceptivos tais como pílulas e camisinhas. Se a transa resultasse em gravidez, os envolvidos deveriam arcar com a consequência. Daí a pressão para que o sexo só ocorresse somente no contexto do casamento.

Hoje em dia, ninguém em sã consciência planeja se casar cedo. Cada vez mais, moços e moças optam por terminar seus estudos, encontrar um bom emprego e só então pensar em constituir família. Quando isso ocorre, a maior parte já está lá pelos 24, 25 anos. Esperar todo este tempo para fazer sexo é um verdadeiro desafio. Quem consegue deveria ser considerado um herói.

Obviamente, creio que a graça de Deus possa nos habilitar a isso. Porém, não me vejo em condição de tornar isso numa regra.

Se um jovem cristão está namorando firme, preparando-se para se casar e porventura cede à tentação e transa com sua namorada, não sou eu quem vai crucificá-lo. Tampouco me vejo em condição de dizer que estão em pecado. Se eles se amam, são mutuamente fiéis, não vivem de maneira promíscua (trocando de parceiros como se troca de roupa), o sexo foi apenas a consumação de seu amor. Repito: sigo achando que o ideal é esperar até o casamento. Mas não faço disso um cavalo de batalha.

O que as Escrituras condenam veementemente é a promiscuidade, que pode ocorrer tanto entre solteiros quanto entre casados.

Quando Isaque se encontrou com Rebeca pela primeira vez, beijou-a apaixonadamente e a levou para a cama (Gênesis 24:63-37). Não houve sacerdotes para legitimar a união, nem papéis para assinar. Alguém se atreveria a dizer que o patriarca hebreu foi um devasso? Eles se amaram desde a primeira vez em que se viram e consumaram sexualmente seu amor.

Não se trata de dar licença para o pecado. Mesmo porque, sexo não é pecado quando consentido por dois adultos que se amam e se comprometem a se amar para sempre.

Meu conselho aos jovens cristãos solteiros é que busquem preservar-se. Eu, particularmente, namorei por cinco anos e só mantive relações com minha esposa após o casamento. Posso garantir que valeu a pena esperar. Mas não posso fazer de minha experiência uma regra. Parafraseando Paulo, adoraria que "todos os homens fossem como eu mesmo; mas cada um tem de Deus o seu próprio dom" (1 Coríntios 7:7). E mais: "Se um homem tem suficiente domínio sobre a sua própria natureza para não casar, e decide então não casar, terá tomado uma decisão ajuizada. Assim uma pessoa que casa faz bem, e uma pessoa que não casa fará melhor"(1 Coríntios 7:37-38). Parafraseando: Se consegue segurar a onda e não transar, certamente escolheu o melhor caminho. Mas se não consegue, e ambos concordarem em ter relações de maneira responsável, não vejo porque condená-los.

Se não aguentarem esperar e acabarem se entregando, por favor, previnam-se. Uma gravidez indesejada ou uma DST poderão trazer muita dor de cabeça.

O mesmo serve para os adultos solteiros. Se não podem se conter, sejam, ao menos, responsáveis.

Aconselho aos meus filhos a buscarem o ideal. Mas não os condenarei se porventura cederem ao apelo do coração (eu disse, "apelo do coração", não chantagem do tipo "prova que me ama". Quem pede prova do seu amor está provando não lhe amar.) Só peço que não sejam inconsequentes e que valorizem mais o sentimento do outro do que suas próprias pulsões. Amem, mas não usem ninguém. Deixem-se amar, mas não se deixem usar nem mesmo por quem afirma amá-los.

Se preferirem esperar (e torço que sim!), que sejam movidos pela consciência, imbuídos de um propósito, e não por pressão de quem quer que seja.

Quanto ao mais, bom seria se nos posicionássemos como Paulo na questão envolvendo as restrições dietéticas judaicas: quem come, não deve julgar quem não come (sem trocadilhos, por favor!), e quem não come, também não deve se considerar superior ao que come. Nisso, "bem-aventurado o que não se condenada naquilo que aprova"(Romanos 14:22). Cada qual deve seguir sua consciência devidamente iluminada pelo Espírito Santo, diante de quem um dia prestará conta. Como bem recomendou o sábio Salomão: "Alegra-te, jovem, na tua mocidade, e recreie-se o teu coração nos dias da tua mocidade, e anda pelos caminhos do teu coração, e pela vista dos teus olhos. Mas não te esqueças que terás de dar conta a Deus de cada coisa que fizeres" (Eclesiastes 11:9),

O que acho uma covardia é a maneira como muitas igrejas tratam os jovens que eventualmente transam durante o namoro. Alguns são excluídos da comunhão depois de expostos publicamente. Outros são suspensos por um tempo e só são readmitidos depois de prometerem não se tocarem mais até estarem devidamente casados. Quantos jovens já não foram 'devolvidos' ao mundo devido a este tipo de rigidez desproporcional?

Não adianta fazer vista grossa. Nossos jovens estão transando. E maneira de se lidar com isso não é jogando-os fora, nem colocando sobre seus ombros um peso que até a liderança teve dificuldade de carregar durante a sua própria juventude. Estou convencido que a melhor maneira de se lidar com isso é através da conscientização. Em vez de proibir terminantemente, prefiro advertir quanto à seriedade do ato e suas eventuais consequências. Evitem transar. Mas se o fizerem, o mundo não vai acabar por isso. Sejam, ao menos, responsáveis. Lembrem-se ainda: Todas as coisas me são lícitas, mas nem todas me convém (1 Coríntios 6:12). A resposta à pergunta do post é "sim". Poder, pode. Mas será que devem? Convém? Se der para segurar a onda, aconselho que segurem. Principalmente se isso causar dor ou decepção a alguém que ama, sobretudo, a seus pais.

E aos 'moralistas de plantão' que a esta altura já estão escandalizados comigo, dedico uma reflexão de C.S.Lewis:
"Se alguém acha que cristãos consideram a falta de pureza sexual como o pecado supremo, está errado. Os pecados da carne são ruins, mas são os menos ruins dentre todos os pecados. Os piores prazeres são puramente espirituais: o prazer de apontar os erros dos outros, de agir como um superior, de querer mandar, maldizer e de ser um estraga-prazeres; os prazeres do poder, do ódio. Pois há duas coisas dentro de mim, competindo com o ser humano que eu preciso tentar me tornar. São elas o ser Animal e o ser Diabólico. O segundo é o pior dos dois. É por isso que um pedante, frio e hipócrita que vai à igreja regularmente pode estar mais perto do inferno do que uma prostituta. Mas, é claro, é melhor não ser nenhum dos dois."


sábado, junho 11, 2016

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Toda nudez será castigada - A moral cristã e o tabu em torno da nudez



Por Hermes C. Fernandes

"Toda nudez será castigada" é um filme brasileiro lançado no final de 1972, dirigido por Arnaldo Jabor e baseado na peça de teatro homônima de Nelson Rodrigues. Como em toda a obra de Nelson Rodrigues, expõem as vísceras da hipocrisia das famílias tradicionais brasileiras. A censura da época sob o regime militar achou o filme imoral e tentou proibir o seu lançamento. Com apenas três meses de estreia, a polícia federal apreendeu todos os rolos da película em todo o território nacional. Porém, não pôde impedir que o filme fosse exibido no Festival Internacional de Berlim na Alemanha, e ainda ganhasse o Urso de Prata. Tal façanha fez com que o governo revisse sua postura e permitisse que o filme voltasse às salas de exibição em todo o país. 

Citei o fato para exemplificar o quanto a nudez segue sendo um tabu em nossa sociedade. Desde a chamada Era Vitoriana, passamos a relacionar nudez com sensualidade. A associação que antes era ocasional, passou a ser constante. A sociedade que se formou a partir daquela era, revelou-se pródiga em moralismos e disciplina severa para o corpo, alimentando todo tipo de preconceitos. Mui provavelmente, foi graças a este moralismo exagerado que Jacques Lacan chegou a dizer que sem a rainha Vitória a psicanálise jamais teria existido. 

Se observarmos a época anterior à Vitoriana (que coincide com o início da revolução industrial), principalmente durante os tempos áureos da Renascença, veremos que a nudez era tratada com naturalidade. Mesmo nos espaços considerados sagrados como igrejas e mosteiros, encontraremos algumas das personagens bíblicas mais notórias esculpidas completamente nuas, com suas genitálias à mostra. 

Nos dias atuais, consideramos desrespeitoso e inadmissível  retratar Jesus dependurado na cruz completamente nu, como de fato aconteceu. A moral cristã tratou de vestir o crucificado com uma espécie de tanga a fim de preservar-lhe a honra. 

E como seria nos tempos bíblicos? Como a nudez era encarada?

Há um episódio narrado no Novo Testamento que passa despercebido pela maioria dos leitores e que talvez nos ofereça pistas acerca do tema.

O clima era tenso. Jesus acabara de ser identificado por um beijo. Um dos seus discípulos tentara impedir sua prisão e quase tira a vida de um dos soldados do sinédrio. Ainda bem que ele não era tão bom de mira. Em vez de acertar o pescoço, arranca a orelha. No meio da confusão, alguém rouba a cena. Somente Marcos relata o episódio. Um jovem que o seguia discretamente, sai de trás de algum arbusto correndo, envolto unicamente num lençol. Os soldados tentam agarrá-lo, mas ele, largando o lençol, foge completamente nu (Mc.14:51).

Seria cômico, não fosse num momento trágico em que o Filho de Deus era entregue para ser sacrificado por nós.

Por que cargas d’água aquele jovem seguia Jesus de madrugada naquelas condições? Seria um voyeur? Um exibicionista? Um pervertido?

Não creio que tal episódio estaria exposto nas Escrituras sem que houvesse uma boa razão. Alguma lição pode ser extraída daí. Mas, qual?

Proponho aqui uma leitura arquetípica deste fato desconcertante e hilário.

Desde os primórdios, a nudez tem sido relacionada à vergonha, e por isso mesmo, tornou-se num tabu. A primeira reação de Adão ao perceber-se nu foi esconder-se e improvisar um tapa-sexo com folhas de parreira.

Não há absolutamente nada de errado com a nudez. Deus não nos fez vestidos. A nudez é apenas um eufemismo da nossa condição de vergonha decorrente da culpa.

O próprio Deus providencia roupas para o primeiro casal, feitas a partir da pele de algum animal. Os teólogos creem que o sacrifício daquele animal prefigurava o sacrifício de Jesus, meio pelo qual nossa culpa seria expiada e nossa vergonha devidamente coberta.

Dentro da simbologia bíblica, as vestes representam o resgate de nossa dignidade. Somos mais do que meros animais guiados por instintos. Somos seres dotados de consciência, aptos à reflexão, instigados a buscar sentido para a existência. Nada nos convence a aceitar a vida de maneira crua. A consciência é a tecelagem onde se produz o tecido da espiritualidade. É nela que os fios se entrelaçam. Descobrimo-nos como um ponto na grande teia da vida. Estamos conectados a tudo e a todos, e, sobretudo, ao Supremo Tecelão.

Todavia, nossa espiritualidade precisa ser devidamente costurada. Caso contrário, será como aquele lençol que cobria o jovem foragido, deixando-nos expostos quando mais precisarmos dela.

Entre as atribuições do Messias, Isaías profetiza que Ele nos daria “vestes de louvor no lugar de espírito angustiado” (Is.61:3). O que difere uma veste de um lençol é a costura. Estar vestido de louvor nada mais é do que tornar-se motivo de louvor a Deus. A maneira como nos portamos ante as demandas da vida poderá resultar em glória ou em vergonha, honra ou desonra para Aquele a quem devemos nossa existência.

Uma espiritualidade sem costura pode parecer mais conveniente, fácil de descartar depois de usada. Todavia, não oferece qualquer garantia. Na hora do aperto, a gente vai e ela fica.

A igreja de Laodiceia foi seriamente repreendida por Jesus devido a este tipo de espiritualidade ‘sem eira, nem beira’.  Apesar de arrogar-se rica, poderosa, influente, Cristo diz que ela ignorava seu real estado de desgraça, miséria, pobreza, cegueira e nudez. “Aconselho-te que de mim compres ouro provado no fogo, para que te enriqueças; e roupas brancas, para que te vistas, e não apareça a vergonha da tua nudez” (Ap.3:17-18). Nossa avaliação é constantemente confrontada com a avaliação divina. Geralmente, somos exigentes com os outros, mas condescendente conosco mesmo.  Todos igualmente estamos sujeitos à inspeção relâmpago de Cristo. Sem dizer o dia, a hora e o lugar, Ele vem e  “bem-aventurado aquele que vigia, e guarda as suas vestes, para que não ande nu, e não se veja a sua nudez” (Ap.16:15). E nestas horas, de nada adianta tentar esconder-nos atrás de algum arbusto como fez Adão.  Afinal, “não há criatura alguma encoberta diante dele; antes todas as coisas estão nuas e patentes aos olhos daquele a quem havemos de prestar contas” (Hb.4:13).

De repente, o que está escondido vem à tona. A vergonha é exposta. E nosso caráter é devidamente tratado.

Só há uma maneira de escaparmos desta exposição e da vergonha que ela produz. Paulo diz que devemos nos despojar “da ira, da cólera, da malícia, da maledicência, das palavras torpes”, deixar de mentir uns aos outros, pois já nos despimos do velho homem com os seus feitos e nos vestimos do novo, “que se renova para o conhecimento, segundo a imagem daquele que o criou” (Cl.3:8-10).

Adão deve primeiro livrar-se das folhas da parreira para vestir-se com as roupas providas pelo próprio Deus.  Devemos livrar-nos do lençol que nos cobre para vestir-nos com as vestes da justiça de Cristo. E depois de vestidos, devemos revestir-nos “como eleitos de Deus, santos e amados, de coração compassivo, de benignidade, humildade, mansidão, longanimidade”, suportando-nos e perdoando-nos uns aos outros, da mesma maneira como Ele nos perdoou. E como se não bastasse, há ainda uma espécie de sobretudo: “Revesti-vos do amor, que é o vínculo da perfeição” (Cl.3:12-15).

A gente se cinge (roupa de baixo), se veste, se reveste e no final, ainda coloca o sobretudo do amor. Ele é o retoque final, sem o qual a indumentária não estaria completa.

Interessante notar que a palavra grega traduzia por “vínculo” é “syndesmos”, que poderia ser igualmente traduzida por “costura”. Sem amor, a bainha se desfaz, os botões caem, a manga solta. Mesmo vestidos, estaríamos potencialmente nus. 

Numa visão genuinamente cristã, a nudez do outro deveria nos incomodar não pela reação que nos provoca, mas pela exposição a que é submetido. É a honra do outro que está em jogo e não a nossa dificuldade em lidar com nossas pulsões. 

Jesus diz que um dos critérios pelos quais seríamos julgados por Deus é a maneira como nos portamos ante a nudez do próximo: "Estava nu e me vestistes." Cobrir a nudez é preservar a dignidade do outro. Expô-la é o mesmo que desonrá-lo, como fez Cão, filho de Noé ao flagrá-lo nu e embriagado.

Resumo: nada há de errado com a nudez em si, e sim como a maneira como nos posicionamos ante à fragilidade humana nela representada. Que a nudez do próximo seja um lembrete de que por dentro de todas as camadas de roupas que usamos há um ser tão frágil e carente quanto ele.