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quarta-feira, maio 18, 2016

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Por que cristãos demonizam Karl Marx?




"Jesus faz milagres e dá. O homem não faz milagres, e vende."


O pastor Ed René Kivitz se atreveu a publicar em seu perfil no facebook  a seguinte citação de Karl Marx:
"Chegou, enfim, um tempo em que tudo o que os homens haviam considerado inalienável se tornou objeto de troca, de tráfico e se pode vender. O tempo em que as próprias coisas que até então eram coparticipadas, mas jamais trocadas; dadas, mas jamais vendidas; adquiridas, mas jamais compradas - virtude, amor, opinião, ciência, consciência, etc. Agora de tudo isso se faz comércio. Irrompeu o tempo da corrupção universal ou, para falar em termos de economia política, inaugurou-se o tempo em que qualquer coisa, moral ou física, uma vez tornada valor venal, é levada ao mercado para receber seu preço."
Pergunto: alguma inverdade no trecho acima? Algo que contradiga nossa fé e prática cristãs? Quando li as reações nos comentários, fiquei a imaginar se as mesmas seriam diferentes se em vez de atribuir o texto a Marx, ele o atribuísse a algum autor cristão incensado entre os evangélicos, em especial, os reformados.

Propus, então, fazer um teste em  meu próprio perfil.

Publiquei várias frases de Marx, atribuindo-as a João Calvino, Martinho Lutero, Charles Spurgeon, John Stott e Agostinho. Um bocado de gente curtiu e compartilhou, sem imaginar seu verdadeiro autor. Publiquei também frases destes mesmos autores, porém, atribuindo-as a Marx. Obviamente, muitos também curtiram. Entretanto, as críticas vieram e foram duras. 

Por exemplo: "A família é a fonte da prosperidade e da desgraça dos povos." Esta frase é do reformador Martinho Lutero. Mas como estava atribuída a Karl Marx, houve quem comentasse: "Família e a base de Deus entre os que ele criou, homens e mulheres. Karl Maxx era um apócrifo imbecil. Era morreu, e com ele suas idéias idiotas" (sic).

Outra frase que atribuí ao sociólogo alemão é de autoria do príncipe dos pregadores C.H. Spurgeon: "Não creia em metade do que você ouve; não repita metade do que você crer; quando ouvir uma notícia negativa divida-a por dois, depois por quatro, e não diga nada acerca do restante dela." Lindíssima frase, não? Mas como estava assinada por Marx, gerou foi confusão. Num dos comentários, lia-se: "Vdd...a vida dele mostra quem ele foi...Marx teve apenas um trabalho fixo e, embora fosse estudioso... Por esse amor, ele aceitou a morte de quatro dos sete filhos, duas filhas se suicidaram, e que dependeu financeiramente da mulher durante os 16 anos que se dedicou a escrever "O Capital". UM EXEMPLO, SÓ QUE NÃO" (sic). Outro comentário dizia: "Sujeito ordinário, preguiçoso e imoral, que não conseguiu sequer colocar a própria vida em ordem. É este pilantra, em muitos aspectos similar ao Lulla, o criador do sistema que tem a pretensão de trazer a solução para o mundo? Pois é. Cada um tem a referência que merece" (sic).

O que tudo isso tem a ver com as frases? O fato de ter tido uma biografia desastrosa, como teve tantos outros, inclusive cristãos, porventura desabona qualquer lampejo de genialidade que tenha tido? O fato de Sócrates ter se suicidado desfaz toda a sua filosofia? Fico a me perguntar se a maioria de seus críticos já reservou um tempinho para ler uma linha de "O Capital". Provavelmente, não. Estavam ocupados assistindo aos vídeos do grande mestre astrólogo e filósofo Olavo de Carvalho, ou lendo seu maravilhoso livro "O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota." (Antes que me perguntem se já o li, minha resposta é não. Não me apetece. As coisas que assisti em seus vídeos foram suficientes para que formasse um juízo acerca de suas ideias).

Até quando comeremos com as mãos dos outros? Quem recebeu procuração para pensar por nós? Conheço calvinistas que nunca leram uma linha das Institutas ou do Sínodo de Dort. Citam Agostinho sem jamais terem lido "Confissões" ou "A Cidade de Deus."  Detonam Darwin sem terem lido nem o prefácio de "A origem das espécies". Criticam acidamente Simone De Beauvior sem nunca terem lido "O segundo sexo" (mesmo porque, a grossura do volume é assustadora! rs). Caem de pau no coitado do Paulo Freire (celebrado no mundo inteiro!), mas nunca leram "Pedagogia do Oprimido". Desdenham de Foucault sem terem lido "Vigiar e Punir" ou "A Arqueologia do Saber".

Não estou dizendo com isso que todos temos a obrigação de ler tudo isso. Mas se formos honestos, ao menos, procuraremos nos inteirar de algumas ideias antes de sair por aí combatendo-as com frases prontas que ouvimos de terceiros.

Alguns dos que criticaram as frases falsamente atribuídas a Marx, curtiram e até compartilharam frases de sua autoria, porém, falsamente atribuídas a alguns dos grandes ícones cristãos. Abaixo, algumas delas:

"De cada um, de acordo com as suas habilidades, a cada um, de acordo com as suas necessidades." (atribuí a John Stott). 
"Se a aparência e a essência das coisas coincidissem, a ciência seria desnecessária." (atribuí a Agostinho). 
"Se uma pessoa ama sem inspirar amor, isto é, se não é capaz, ao manifestar-se uma pessoa amável, de tornar-se amada, então o amor dela é impotente e uma desgraça." (atribuí a Spurgeon).

"Os olhos que só enxergam a mentira quando percebem a verdade, cegam." (atribuí a Lutero). 
"Quem usa o nome da justiça para defender seus erros é capaz de muito mais para desvirtuar um direito." (atribuí a Calvino...rs).

Espero que nenhum dos meus amigos que curtiram qualquer das citações se sinta aborrecido comigo. Foi, digamos, um experimento... E que demonstrou que, de fato, ainda há muito preconceito entre nós, inclusive, de cunho intelectual.

Vira e mexe, sou chamado de Marxista, principalmente, quando saio em defesa das minorias, ou quando denuncio injustiças, e mais recentemente, ao posicionar-me contra o impeachment. O que me consola é saber que eu, Kivitz, Ariovaldo e tantos outros, não somos os únicos a lidar com a mentalidade tacanha que insiste em prevalecer em alguns setores cristãos. Dom Helder Câmara dizia que quando ele alimentava os pobres, chamavam-no de santo, mas ao questionar a razão da pobreza, chamaram-no de comunista. Fazer o quê? Ossos do ofício...rs

É mais fácil rotular do que debater ideias. Rotulando, encerra-se a discussão. Posso garantir, mesmo não sendo marxista, que quem ler Marx desprovido de preconceito, poderá sentir-se constrangido ao encontrar em seus escritos mais de cristianismo do que em muitos escritores cristãos. O mesmo se dá com Nietzsche, Sartre, Voltaire, Espinoza, Freud, Jung e tantos outros. Experimente ler também Rubem Alves, Leonardo Boff, Frei Betto e Teresa d'Ávila com a mesma disposição com que lê Agostinho (se é que lê o bispo de Hipona). Aproveite e leia o rabino Nilton Bonder (ele me surpreendeu! principalmente com "A alma imoral"). Vai por mim... deixe de lado a teologia enlatada "made in USA" e varie um pouco seu cardápio de leitura. Garanto que fará bem à sua alma. 

A propósito, sabe de quem é a frase postada no cabeçalho do meu post? Dele mesmo. Do miserável do Marx! Alguém ousa discordar do velho barbudo? Aliás, Karl Marx faz parte do dileto grupo dos cinco judeus que mudaram o mundo, ao lado de Jesus, Moisés, Einstein e Freud. Dorme com um barulho desses...rs

E responde à pergunta do post: talvez demonizemos tanto Marx porque suas teorias acabam revelando que não somos tão cristãos como deveríamos ser. Como disse um tal Martin Luther King, "só existe o comunismo porque não somos suficientemente cristãos." Podíamos dormir sem essa, não?

quarta-feira, abril 06, 2016

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De Letícia Sabatella a Ariovaldo Ramos: As novas vítimas da intolerância



Por Hermes C. Fernandes

Em tempo de polarização política, era de se esperar que voassem farpas para todo lado. O problema se agrava quando os que se apresentam como os paladinos da moral e da ética atacam injustamente seus oponentes. E o pior é que instigam outros a empreenderem uma verdadeira cruzada de ódio visando desmoralizar os que se atrevem a pensar diferentemente.

Quero tomar alguns exemplos, tanto do mundo artístico, quanto do mundo religioso, em especial, do mundo evangélico.

Recentemente o jornalista Rodrigo Constantino, ex-articulista da Veja, publicou uma lista de artistas que a seu ver deveriam ser boicotados por se pronunciarem contrários ao impeachment da presidente Dilma. Sua sugestão foi dada em tom imperativo: "Não comprem mais nada deles. Não assistam seus programas, não leiam suas colunas. Não comprem seus livros, não vão às suas peças de teatro, não comprem seus CDs. Eles precisam saber que não será impune atentar contra a democracia brasileira. Xô, petralha!"

Entre seus alvos estão grandes e reconhecidos talentos da música, do teatro, do jornalismo. Gente do quilate de Chico Buarque, Gilberto Gil, Wagner Moura, Gregório Duvivier, Jô Soares, Camila Pitanga, Marieta Severo, Luís Fernando Veríssimo, Alcione, Beth Carvalho, Tonico Pereira, Dinho Ouro Preto, Chico César, Marcelo Adnet e Letícia Sabatella. 

Letícia Sabatella e Wagner Moura, talvez devido à sua visibilidade e seu engajamento nas redes sociais, foram duas das principais vítimas desta caça às bruxas. O perfil de Letícia no facebook que chegou a ser suspenso, sofreu vários ataques de trolls que destilaram seu ódio injustificável com acusações infundadas, insultos e palavras de baixo calão. Quem a segue como eu faço já a algum tempo, sabe de sua postura aguerrida, porém, dócil e equilibrada, que não dá margem para este tipo de reação estúpida e estapafúrdia. 

Uma das acusações que seus detratores fazem diz respeito ao fato de Letícia e outros artistas que se opõem ao impeachment serem beneficiados pela Lei Rouanet, como se a mesma houvesse sido sancionada pelo atual governo. A tal lei foi sancionada ainda no governo de Fernando Collor de Mello, e nada mais é do que a concessão do direito dos artistas de recolher fundos privados com incentivo fiscal para possibilitar o desempenho de seu trabalho artístico, visando com isso, garantir que a população tenha acesso à cultura e à arte como sendo uma necessidade básica de uma sociedade democrática. Qualquer artista, independentemente de seu posicionamento político, tem o direito de recorrer a esta lei. Alguns dos artistas mais engajados em favor do impeachment também foram contemplados pela Lei Rouanet, dentre eles, o Lobão e o cineasta José Padilha. Nem por isso, o governo os impediu de serem beneficiados. 

Não importa de que lado da trincheira estão, e sim o talento que expressam em sua arte. Não é justo destruir a reputação de artistas que já nos brindaram com momentos inesquecíveis, quer com sua música ou com sua performance no teatro, no cinema ou na TV.  Eles deveriam ser o orgulho nacional e não motivo de chacota e ataques inescrupulosos de quem se morde de inveja de seu talento. 

O mesmo tem ocorrido no mundo religioso, e, em particular, no mundo evangélico.

Recentemente, Dom Odilo Scherer, Arcebispo de São Paulo, foi atacado por uma mulher durante a celebração de uma missa na Catedral da Sé. Além dos arranhões em seu rosto e derrubar sua mitra, Dom Odilo foi xingado de comunista. Aos gritos, ela dizia: "Você e a CNBB são comunistas infiltrados; não podem fazer isso com a minha igreja." Atitudes grotescas como esta são encorajadas por um discurso de ódio como o encontrado em um dos vídeos de Olavo de Carvalho em seu canal no Youtube, onde o filósofo que se tornou o guru da direita brasileira vocifera contra Dom Odilo, chamando-o de comunista excomungado, e dizendo não reconhecê-lo como bispo. Muitos dos haters que atuam na internet bebem desta fonte, usando palavras de baixo calão e outros insultos tão comuns nos vídeos de Olavo. Triste é saber que boa parte daqueles que o seguem é cristã protestante. 

No meio evangélico, o porta-voz deste tipo de postura é, sem dúvida, o pastor Silas Malafaia. Em vídeo recente, ele afirmou que os pastores que assinaram um manifesto contrário ao impeachment estariam recebendo dinheiro do governo. A partir daí, pastores como Ariovaldo Ramos, Ed René Kivitz, Neil Barreto e outros tornaram-se alvos de ataques por parte de "irmãos em Cristo". Foram chamados de "falsos profetas", vendidos, mercenários. Tudo por saírem em defesa do estado de direito e serem contrários à maneira como o processo está sendo conduzido. Trata-se de homens que não se enriqueceram com o ministério. Não são vistos cruzando os céus em seus próprios aviões. Ao contrário de alguns de seus detratores.

O próprio Silas que hoje faz campanha ostensiva para derrubar o governo, não faz muito tempo, surpreendeu seus telespectadores ao agradecer à presidente Dilma pela sanção da Medida Provisória (MP) 668 que, não só ampliou a isenção tributária de igrejas, incluindo as comissões pagas a pastores como ajuda de custo, como também livrou muitas denominações de multas milionárias. Silas Malafaia e o missionário R. R. Soares foram dois dos principais beneficiários da MP, graças à atuação de ninguém menos que Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Silas se livrou de uma multa de R$ 1,5 milhão, enquanto o presidente da Igreja Internacional da Graça se livrou de uma multa de R$ 220 milhões. Dentre os beneficiários, estariam Robson Rodovalho, bispo da Sara Nossa Terra e Mário de Oliveira da Igreja do Evangelho Quadrangular. À luz disso, não faz qualquer sentido atacar os pastores da Missão Integral acusando-os de receberem qualquer benefício do governo. 

Não expus tais fatos para credibilizar a uns ao custo do descrédito de outros, mas com o objetivo de demonstrar que não vale a pena recorrer à difamação para impor seu posicionamento em detrimento de outros. De ambos os lados da trincheira, há gente de bem, mas também há gente do mal, que só almeja se locupletar, nem que para isso tenha que ver o circo pegando fogo. 

O que atenta contra a credibilidade de um ministro ou de um artista não é seu posicionamento político ou ideológico, e sim o faltar com a ética, com o decoro, agindo de maneira incoerente com aquilo que professa.