domingo, janeiro 14, 2018

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A maldição das múmias vivas




Por Hermes C. Fernandes


A expressão “ossos do ofício” é usada comumente quando nos referimos às dificuldades de uma determinada atividade. Por exemplo: por trás de todo glamour que envolve a medicina, o contato diário que o médico tem com portadores de doenças contagiosas pode ser considerado como ossos do ofício.  A origem desta expressão é, no mínimo, curiosa. Diz-se que antigamente utilizava-se pó de tutano para obter o tom alvo das folhas de ofício. O tutano é uma substância encontrada no interior dos ossos e era conhecido por suas propriedades alvejantes. Como esse processo de branqueamento era lento e trabalhoso, convencionou-se chamar de “ossos do ofício” toda e qualquer atividade que oferecesse alguma dificuldade para o exercício pleno de uma profissão. Toda e qualquer atividade tem seus "ossos". Porém, alguns desses "ossos" são completamente desnecessários, constituindo-se pesos extras que carregamos nos ombros e que acabam por retardar nossa caminhada.

Durante o êxodo dos hebreus, Moisés se lembrou de um juramento feito quatro séculos antes entre José e seus irmãos: seus ossos não poderiam ficar no Egito quando o Senhor removesse de lá o Seu povo para introduzi-lo na terra que prometera a Abraão, Isaque e Jacó (Gênesis 50:25; Êxodo 13:19; Josué 24:32; Hebreus 11:22).

Se já é difícil carregar um caixão desde a capela até o túmulo, imagine ter que carregar um sarcófago egípcio (bem mais pesado que um caixão!) por quarenta dias pelo deserto. Este era o tempo estimado da jornada entre o Egito e a Terra Prometida. O que Moisés jamais poderia supor é que, em vez de quarenta dias, a jornada duraria quarenta anos. Quantos se interessariam em ser voluntários para carregar os ossos de José? Por mais que ele tenha sido o instrumento usado por Deus para prover a subsistência daquele povo em seus primórdios, não duvido que não raras vezes alguém tenha sugerido a Moisés que largasse seus restos mortais no meio do caminho. Mas juramento é juramento. Aquela múmia teve que acompanhá-los até que atravessassem o Jordão e pisassem na terra da promessa.

De maneira semelhante, muitos têm carregado um "peso morto" durante sua peregrinação existencial. A caminhada, além de longa, se torna insuportavelmente pesada. Esses "ossos" podem representar um padrão de comportamento, resquício de nosso velho homem, que deveria ter sido sepultado juntamente com ele no batismo, porém, teima em nos assombrar. Podem ser uma palavra que ouvimos lá trás e que ainda repercute em nosso coração, minando nossas energias e sobrecarregando-nos de expectativas fantasiosas e sobre-humanas. Podem ser um paradigma que precisa ser rompido. Um vício que deveria ter sido abandonado. Um hábito que ainda não foi desarraigado. Um ciclo que se retroalimenta. Um relacionamento tóxico. Mesmo que jamais nos tire da rota, no mínimo, retardará nossa caminhada.

Diferentemente de José, Miriam e Arão, ambos irmãos de Moisés que tiveram participação importante na retirada dos hebreus do Egito, morreram a caminho de Canaã, e ali mesmo, onde morreram, foram sepultados. Nenhum deles deu trabalho extra para o seu povo como o fez José. O próprio Moisés, apesar de sua liderança inquestionável, morreu também no caminho, faltando pouquíssimo para adentrar a terra prometida. Moisés nem sequer deu trabalho para que o sepultassem. Deus mesmo o sepultou e seu túmulo jamais foi encontrado. Nenhum mausoléu foi construído em sua memória. Todavia, o legado que deixou à humanidade jamais se perderá. 

Que ninguém tenha que se ocupar de carregar o que restar de nós. Que em vez de um peso a ser carregado pelas próximas gerações, deixemos uma chama que lhes caberá manter acesa até que adentremos à Era prometida. Que sejam depositárias de nossos sonhos e não de nossos ossos. Que perpetuem nossas virtudes, jamais nossos vícios, nossa paixão pelo bem comum e não nossos interesses mais vis. Que se sintam desobrigadas a nos carregar nos ombros, mas que nos carreguem no coração como inspiração, e não como modelos inquestionáveis a serem seguidos. 

Assim como não devemos ser pesos mortos na vida de ninguém, não temos o direito de transformar ninguém em uma múmia viva. Qualquer pessoa que se sinta nosso refém é uma forte candidata a múmia viva. Já não basta sermos assombrados por fantasmas do passado? Já não é suficiente ter que lidar com o peso extra da culpa por algo que não foi o que esperávamos? É sério que teremos que transformar relacionamentos em prisões eternas? Ao ressuscitar a Lázaro, Jesus ordenou às suas irmãs: "Desatai-o e deixai-o ir" (João 11:44b). Em outras palavras: não pensem que o fato de haverem intercedido por ele torna-o prisioneiro da vida que levava antes de morrer. Quem está vivo é livre para ir aonde quiser. Se ele quiser retomar a vida que levava antes, ele é livre para fazê-lo. Mas se quiser retomar as rédeas de sua vida e refazê-la em outro lugar,ele também é livre para fazê-lo. Não basta desatá-lo. Vocês devem deixá-lo ir. 

Adivinhem para onde Lázaro foi depois disso. Para casa. Ele poderia ter ido para qualquer outro lugar. Afinal, estava vivo. E mais: estava livre. Mas preferiu voltar para casa onde vivia antes com suas irmãs. A vida simplesmente voltou ao que era antes. A cena se repetia: enquanto Marta, como sempre, servia, "Lázaro estava entre os que se reclinavam à mesa com ele" (João 12:2).

Quem está vivo deve sentir-se livre. Quem está livre deve sentir-se vivo. Nosso papel é desatar, não mumificar. Libertar, não aprisionar. Emancipar em vez de manter uma dependência doentia e castradora.  

Livres das ataduras das chantagens emocionais, das expectativas inalcançáveis, das cobranças, da gratidão vista equivocadamente como dívida, deixamos de ser peso morto, carregados de um lado para o outro, sem vida própria. Passamos a ser bênção, não maldição. Tornamo-nos motivo de gratidão, não de assombração. 

4 comentários:

  1. Obrigado pastor pela apregaçao eu amo sua pregação! que deus te dê muitas saúde muito dias de vida para senhor continua falando do amor de deus!

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  2. Anônimo1:47 PM

    O governo da Bolívia criminalizou a evangelização. O silêncio da mídia, dos esquerdopatas... é gritante!!!

    Cadê os pastores comunistas pra ir pregar o Evangelho num modelo de País que querem transformar o Brasil?

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    1. Anônimo1:41 PM

      Nessas hora os "pastores" ficam pianinho amigo, é vergonhoso "pastores" que sempre se posicionam a favor de bandidos por conta de sua ideologia, mas se calam quando essa ideologia ataca a "fé" que dizem professar.

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