segunda-feira, março 20, 2017

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DOSSIÊ INFERNO - Parte 2



Por Hermes C. Fernandes

O Inferno como recurso retórico

O termo Hades foi usado por Jesus em outros contextos que fugiam ao conceito original. Por exemplo, quando quis chamar a atenção dos moradores de Cafarnaum, cidade que foi cenário do maior número de milagres que realizou em Seu ministério terreno:

“E tu, Cafarnaum, que te ergues até ao céu, serás abatida até ao inferno; porque, se em Sodoma tivessem sido feitos os prodígios que em ti se operaram, teria ela permanecido até hoje.” Mateus 11:23

Estaria Jesus ameaçando os habitantes daquela cidade a uma eternidade de horrores no inferno? Estou certo que não. Mesmo porque, Jesus tinha um número crescente de discípulos ali. Os termos “céu” e “inferno” nesta advertência significam “exaltação” e “humilhação”, respectivamente. Quando foi que aquela cidade foi elevada até o céu? Quando Deus a escolheu como cenário para alguns dos mais notáveis milagres de Jesus. Todavia, isso não foi suficiente para que ela se arrependesse e se convertesse a Deus, por isso, estava destinada a se deteriorar até sucumbir. Sua incredulidade e indiferença a tornavam tão pecadora quanto Sodoma, que, por sua vez, se ao menos houvesse presenciado tão grandes manifestações da graça de Deus, teria se arrependido e sido poupada do fatídico fim que teve. 

Paulo faz usou da mesma analogia em Efésios 4:9-10, onde diz que o mesmo Cristo que desceu às partes mais baixas da terra, também subiu acima de todos os céus para encher todas as coisas. A expressão “partes mais baixas da terra” é uma referência clara ao submundo, ao Hades. Algo similar pode ser encontrado em Filipenses 2:6-11, onde lemos que Jesus, “sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus, mas esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens; e, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até à morte, e morte de cruz. Por isso, também Deus o exaltou soberanamente, e lhe deu um nome que é sobre todo o nome; para que ao nome de Jesus se dobre todo o joelho dos que estão nos céus, e na terra, e debaixo da terra e toda a língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para glória de Deus Pai.” Repare que neste texto, temos a nítida impressão de que a chamada kenósis (esvaziamento) experimentada por Cristo foi como o descer uma escada, degrau por degrau, humilhando-se até chegar ao fundo. De fato, como diz o Credo Apostólico, Cristo desceu ao inferno, quer tenha sido literalmente ou figuradamente, ao descer o mais baixo degrau experimentado pelo ser humano destituído da glória original. Ele não morreu a morte dos mártires, dos heróis, mas a morte dos proscritos e marginais. Foi no mais profundo inferno existencial que Ele, sentindo-se abandonado e entregue à própria sorte, indagou: “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?” (Mc. 15:34). Não creio que houvesse um degrau a mais para que Ele descesse além deste. O sepulcro seria apenas o lugar onde Seu corpo seria depositado. Mas sua alma experimentou a fúria do inferno no momento que antecedeu a rendição do Seu espírito ao Pai.

Num certo sentido, Vitor Hugo tinha razão ao afirmar que “todo o inferno está contido nesta única palavra: solidão”. Durante toda a Sua peregrinação terrena, o Pai estava com Ele. Porém, naquele instante em que todos os pecados da humanidade lhe foram imputados, abriu-se um abismo entre Ele e Seu Pai (Jo.16:32). O Pai estava com Ele no Getsêmane, durante os flagelos perpetrados pelos romanos, e durante as seis horas em que esteve pendurado no madeiro. Mas nos instantes finais, pela primeira vez, Jesus Se viu inteiramente só. Este era o preço que teria que ser pago para que, ao ser exaltado, recebendo um nome sobre todos os nomes, então, todos os joelhos se dobrassem, tanto no céu, quanto na terra e... debaixo da terra. Cristo é o Senhor de todos os céus. Ele é o Senhor de toda a terra. Ele é o Senhor até do inferno. Não há esfera existencial da qual Ele não seja soberano. Portanto, Dante, Milton, Mary Dexter e outros estão redondamente equivocados ao atribuir a Satanás o senhorio do inferno, seja de que natureza for.

Receber um nome que é sobre todos os nomes é o mesmo que “subir acima de todos os céus”, assim como humilhar-se tomando a forma de homem, se fazendo servo e sendo obediente até a morte é o mesmo que “descer às partes mais baixas da terra”.

O inferno não é um lugar geograficamente localizável. Lendas urbanas se propagam afirmando que cientistas teriam ouvido os gemidos de almas presas no centro da terra, onde estaria o destino final dos ímpios. Mesmo que Cristo e os apóstolos tenham se utilizado de categorias que pareçam afirmar isso, seu objetivo era tão-somente facilitar a compreensão dos seus interlocutores.

Há uma corrente ligada à teologia da prosperidade que defende que Cristo teria descido ao inferno para ser torturado por Satanás, e, assim, pagar por completo o preço de nossa redenção. Se isso fosse verdade, Ele não teria dito antes de Seu último suspiro: “Está consumado” (Jo.19:30). A obra da redenção foi finalizada na cruz. Ainda que tenha descido a um inferno literal, não foi para completar nada, mas tão somente para anunciar o que já havia feito (1 Pe.3:18-19).


Outra lenda que se tem disseminado entre muitas igrejas é a de que o Diabo promovia um verdadeiro carnaval no inferno enquanto Jesus era crucificado. Porém, Jesus teria interrompido a celebração e tomado das mãos do Diabo as chaves do inferno. Nada mais distante da verdade que isso. Jamais foi intenção do Diabo que Jesus morresse na cruz. Pelo contrário. Ele fez de tudo para impedir que isso acontecesse, pois sabia que através de Sua morte, seu império seria desbaratado. Por isso, foi capaz de usar até os lábios de Pedro para tentar dissuadir Jesus (Mt.16:22-23). Já no início do ministério de Jesus, o Diabo lhe ofereceu um atalho para reaver os reinos deste mundo, e assim, não precisasse passar pela cruz (Mt. 4:8-9). Mesmo durante Seu suplício no calvário, o Diabo insistia em que Ele descesse da cruz, valendo-se dos lábios de várias pessoas, incluindo um dos ladrões que morriam ao Seu lado (Lc.23:39; Mc.15:30). A cruz sempre foi o centro do plano divino para a redenção de toda a criação (At.2:23). Ela foi a porta pela qual Jesus passou para adentrar o território da morte e libertar os que ali estavam cativos. 

Acompanhe esta série até o fim. Leia o artigo anterior e os que sucederão a este. 

4 comentários:

  1. Anônimo1:18 PM

    Senhor Hermes, é possível Deus perdoar os demônios num futuro muito distante? Hipóteses existem: 1 Deus é misericordioso e perdoa e não seria diferente com demônios. 2 Existe diferença entre humanos e anjos caídos e o mesmo Deus que se "arrepende" e perdoa poderia se manifestar e tirar do cativeiro os demônios. 3 A palavra eternamente é usada em textos poéticos e pode não significar "para todo o sempre" desta forma pode esta palavra eternamente pode ter variações e ser inferior à característica de Deus de ser eterno, ou seja, eternamente no inferno pode ser um tempo muito longo, mas não para sempre.

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  2. Anônimo5:41 PM

    Senhor Hermes, Deus não é diferente em épocas e espaços distintos. O Deus que se revelou ao inspirar o texto que diz que o que semear ceifará é o mesmo Deus dos anjos. Desta forma, os anjos caídos desobedeceram a Deus, estão colhendo o que plantaram e ficarão neste estado de erro por um tempo muito longo ou eternamente para todo sempre.

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  3. Anônimo5:44 PM

    Senhor Hermes, um tema que precisa ser analisado também é o corpo dos anjos. De que é feito o corpo dos anjos? Como e quando foram criados? Sabe-se que os humanos foram feitos há milhares de anos atrás e foram formados do pó da terra e com a "virtude de Deus". A bíblia também relata que os humanos terão corpos glorificados. Paulo chega a comentar em uma carta sobre a matéria das coisas e dos anjos. Mas afinal, do que são feitos os anjos?

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  4. Anônimo7:33 PM

    Senhor Hermes, o tema do inferno e dos demônios é interessante, por exemplo: qual a quantidade de demônios que existem. Apocalipse 5 relata que no céu João ouviu milhões de milhões de anjos. Milhões de milhões em português seria 10 a sexta potência vezes 10 a sexta que daria 10 elevado a doze? A quantidade de demônios teria que ser inferior a esta quantidade. Poderia ser inferior a 1/3? Senhor Hermes, como isto está escrito no grego e que dedução pode ser feita sobre a quantidade de demônios?

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