domingo, janeiro 12, 2014

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O controverso dom de línguas



Por Hermes C. Fernandes

"O amor nunca falha; mas havendo profecias, serão aniquiladas; 
havendo línguas, cessarão; havendo ciência, desaparecerá (...) quando 
vier o que é perfeito, então o que o é em parte será aniquilado."
1 Coríntios 13:8,10

Falar em línguas… Esta prática tem sido discutida desde o início do século passado, com o advento do pentecostalismo. Para uns, o dom de línguas é imprescindível. Quem não o tem, é tachado de crente carnal, desprovido da presença do Espírito Santo. Para outros, tudo não passa de um mal-entendido. O tal dom teria sido distribuído apenas para a primeira geração de cristãos, e que, portanto, não estaria disponível hoje. Quem pensa assim é chamado de cessacionista.

As Escrituras afirmam que certos dons estariam destinados a cessar, entre eles, os dons de língua e de profecia. Isto está claro. Não há o que discutir. Mas quando isso ocorrerá? Paulo afirma que as línguas somente cessarão “quando vier o que é perfeito”. Os cessacionistas creem que isso aconteceu quando o cânon sagrado foi finalizado, isto é, quando as Escrituras foram terminadas. Uma vez que já temos acesso a toda verdade exposta em suas páginas, já não precisaríamos do dom de línguas, ou mesmo de qualquer outro dom espiritual. Embora o argumento pareça sólido, não resiste a uma apreciação mais profunda.

Paulo não está referindo-se às Escrituras, e sim ao segundo advento de Cristo, quando finalmente o“veremos face a face”. Segundo Paulo, a visão que temos de Cristo mediante as Escrituras equivale ao reflexo de um espelho. Quando Ele Se manifestar em glória, já não precisaremos nem mesmo das Escrituras, muito menos dos dons espirituais.

Se o argumento de que os dons cessaram com o fechamento do cânon procedesse, então, não apenas as línguas teriam cessado, como também a ciência teria desaparecido. E o que temos presenciado é completamente oposto a isso. A ciência jamais esteve tanto em evidência quanto nos dois últimos séculos. Portanto, a conclusão lógica a que chegamos é que o dom de línguas não perdeu a sua validade.

O outro argumento usado por cessacionistas é que as línguas faladas pelos crentes primitivos eram línguas inteligíveis, e não espirituais. O texto usado para respaldar este pressuposto está em Atos 2:4-8:

“E todos foram cheios do Espírito Santo, e começaram a falar noutras línguas, conforme o Espírito Santo lhes concedia que falassem. E em Jerusalém estavam habitando judeus, homens religiosos, de todas as nações que estão debaixo do céu. E, quando aquele som ocorreu, ajuntou-se uma multidão, e estava confusa, porque cada um os ouvia falar na sua própria língua. E todos pasmavam e se maravilhavam, dizendo uns aos outros: Pois quê! não são galileus todos esses homens que estão falando? Como, pois, os ouvimos, cada um, na nossa própria língua em que somos nascidos?” Atos 2:4-8

De fato, o fenômeno ocorrido no dia de pentecostes está explícito na passagem acima. As línguas faladas na ocasião eram vernáculos conhecidos das pessoas das diversas nacionalidades reunidas em Jerusalém para a festa. Há, ainda, outro milagre que muitas vezes passa despercebido nesta passagem. Independentemente da língua que cada um falava, os transeuntes ouviam em sua própria língua. Portanto, o milagre não se deu apenas no campo da fala, mas também da audição. Ninguém duvide que o Espírito Santo seja capaz de reproduzir tal fenômeno em nossos dias.

Entretanto, o dom de línguas descrito por Paulo em suas epístolas não se restringe a tal manifestação. Paulo fala claramente de línguas espirituais.

Em 1 Coríntios 14:2 lemos que “o que fala em língua não fala aos homens, senão a Deus. Com efeito, ninguém o entende, e em espírito fala mistérios”. Esta única passagem derruba o argumento cessacionista acima apresentado. No dia de Pentecostes, os discípulos falaram aos homens, e não a Deus. Todos à sua volta entenderam perfeitamente a mensagem que transmitiam. Portanto, trata-se de fenômenos distintos.

Partindo da premissa que este dom é real e que está disponível para a igreja em nossos dias, deparamo-nos com outras questões igualmente importantes. a) O que é? Do quê se trata?;  b) Qual a sua importância em nossa vida?; c) Equívocos e abusos do dom de línguas; d) Como recebê-lo?

a) O que é? Do quê se trata?

As línguas espirituais não possuem uma estrutura como os idiomas humanos. Não é possível uma análise sintática. Não há verbos, adjetivos, substantivos, predicados, pronomes ou coisa semelhante. Trata-se de línguas estáticas. Ao quê podemos compará-las, então? O apóstolo Paulo nos dá uma dica preciosa. Leiamos:
“Porque sabemos que toda a criação geme e está juntamente com dores de parto até agora. E não só ela, mas nós mesmos, que temos as primícias do Espírito, também gememos em nós mesmos, esperando a adoção, a saber, a redenção do nosso corpo (…) E da mesma maneira também o Espírito ajuda as nossas fraquezas; porque não sabemos o que havemos de pedir como convém, mas o mesmo Espírito intercede por nós com gemidos inexprimíveis. E aquele que examina os corações sabe qual é a intenção do Espírito; e é ele que segundo Deus intercede pelos santos.” Romanos 8:22-23, 26-27
Paulo identifica os cataclismos naturais como gemidos da criação. O cosmos está grávido, e suas contrações se intensificam à medida que se aproxima o momento do parto, quando um novo céu e uma nova terra emergirão. De maneira análoga, nós que temos as primícias do Espírito também “gememos em nós mesmos”. O próprio Espírito produz esses “gemidos inexprimíveis”, cuja intenção somente é conhecida por Ele. Esta é a linguagem do Espírito. Em vez de palavras cuidadosamente escolhidas, gemidos que revelam os anseios mais profundos da alma. Ninguém, exceto Deus, pode sondar o âmago da alma humana, e interpretar o que não pode ser exprimido em palavras. E por que tais anseios não podem ser expressos em palavras? Porque, todavia, não foram revelados à mente humana. Em outra passagem, Paulo diz que “as coisas que o olho não viu, e o ouvido não ouviu, e não subiram à mente humana, são as que Deus preparou para os que o amam. Deus, porém, as revelou a nós pelo seu Espírito. O Espírito penetra todas as coisas, até mesmo as profundezas de Deus. Pois qual dos homens sabe as coisas do homem, senão o espírito do homem, que nele está? Assim também ninguém sabe as coisas de Deus, senão o Espírito de Deus. Nós, contudo, não recebemos o espírito do mundo, mas o Espírito que provém de Deus, para que pudéssemos conhecer o que nos é dado gratuitamente por Deus. Disto também falamos, não com palavras de sabedoria humana, mas com as que o Espírito Santo ensina, comparando as coisas espirituais com as espirituais. Ora, o homem natural não compreende as coisas do Espírito de Deus, pois lhe parecem loucura, e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente” (1 Co.2:9-14).

Quando somos regenerados, nosso espírito torna-se um só espírito com Ele, numa experiência que podemos identificar como “batismo no Espírito Santo”, de maneira que as coisas antes ocultas nos passam a ser compartilhadas. Esta revelação não se submete ao crivo da mente ou dos sentidos. São coisas que os olhos jamais viram, os ouvidos não ouviram, nem subiram à mente humana. O labirinto instalado em nossa mente, formado de nossos pressupostos, preconceitos, presunções, é driblado pelo Espírito. Tal labirinto é chamado por Paulo de “fortalezas espirituais”, construídas a partir de raciocínios humanos (1 Co.10:4).

Nosso homem interior (espírito) agora é conectado diretamente à Mente de Cristo (1 Co. 2:16). Ao orarmos, não sabemos expressar com palavras inteligíveis aquilo que está revelado ao nosso espírito. Não encontramos qualquer analogia que seja suficientemente precisa para exprimir o que sentimos ou aquilo pelo qual ansiamos. Temos a impressão de que um rio de águas vivas está borbulhando em nosso ser, e que a nossa mente é incapaz de represá-lo. Daí a necessidade de ‘verbalizar’ estes gemidos inexprimíveis. Ainda que não pronunciemos uma única sílaba, o dom de línguas poderá manifestar-se através de sussurros humanamente indecifráveis. Um misto de alegria e expectação toma o nosso ser. Bordões e jargões religiosos são incapazes de externar o que sentimos. Então, gememos. Unimos nossa voz ao coro da criação, num grandioso coral que manifesta a expectativa daquilo que está por vir. Sem a manifestação deste dom precioso, a expectação corre o risco de tornar-se ansiedade.

b) Qual a sua importância em nossa vida? 

Paulo diz que “o que fala em língua edifica-se a si mesmo” (1 Co.14:4a). No lugar onde antes havia uma fortaleza espiritual que servia de base operacional para o inimigo, agora é edificada uma catedral de louvor e adoração a Deus. O livre fluxo do Espírito promove a demolição de tais fortalezas. Nossos pensamentos são levados cativos à obediência de Cristo. Nossa vontade submetida ao Seu senhorio. Todos os demais dons espirituais têm como objetivo o bem coletivo. O dom de línguas é o único que visa a edificação do indivíduo. Porém, somos desafiados a dar um passo além, na direção do outro, para que este também seja edificado pelo nosso dom. Mas como alguém poderia ser edificado por um dom que visa a minha própria edificação? Como alguém seria edificado sem que entendesse uma palavra do que eu dissesse? Confira a resposta de Paulo:

“Assim também vós, como desejais dons espirituais, procurai abundar neles para a edificação da igreja. Pelo que, o que fala em língua, ore para que a possa interpretar. Pois se eu orar em língua, o meu espírito ora, de verdade, mas o meu entendimento fica sem fruto. Que farei, pois? Orarei com o espírito, mas também orarei com o entendimento, cantarei com o espírito, mas também cantarei com o entendimento. De outra maneira, se tu bendisseres com o espírito, como dirá o não instruído o Amém sobre a tua ação de graças, visto que não sabe o que dizes? Em verdade tu dás bem as graças, mas o outro não é edificado.” 1 Coríntios 14:12-17

Repare: não recebemos o dom para interpretar o que o outro diz, e sim o que nós mesmos estamos dizendo. Não se trata, porém, de interpretar a língua em si, uma vez que esta não possui a estrutura comum aos idiomas humanos. Trata-se, antes, de interpretar os anseios que brotam do nosso coração, de maneira que possamos expressá-los, ainda que imperfeitamente, em nosso próprio idioma. Nosso objetivo ao pedir que o Senhor nos permita compreender tais anseios é poder compartilhá-los com os demais, e assim, edificá-los tanto quanto a nós mesmos. O que queremos não é impressionar ninguém com nossa super-espiritualidade, mas compartilhar o que nos foi confiado. Assim, quem ora conosco poderá dizer um sonoro “amém”, em concordância com nossa oração. 

Amanhã postaremos a continuação deste estudo, em que abordaremos os abusos cometidos com este dom. 

8 comentários:

  1. Claudio3:51 PM

    Depois que uma pessoa converte a Jesus, deve-s batizar na água, e pedir a a Deus o batismo do Espírito Santo é fundamental isto para vida do cristão.
    Agora falar em línguas estranhas, é dom, um dom de Deus, e o cristão
    deve busca-lo em ter em sua vida.
    Falar em línguas estranhas é falar com Deus diretamente, é um contato vc e Deus sem ter interferência de ninguém, é vc e Deus mais ninguém saberá o que está falando, nem Satanás.
    O que é diferente em orar em voz alta, aí todos ouvem, principalmente Satanás tenta desviar sua oração para não chegar a Deus.
    Mas o cristão tem que discernimento pois Satanás, e seus anjos caídos pode incorpora em uma pessoa e falar em línguas estranhas enganosa, que pode enganar o cristão, ele usa esta prática sempre .
    Busquemos o discernimento espiritual

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    1. Irmão, concordo em partes com sua afirmação. Digo em partes porque alguma coisa ficou bem confusa em seu texto.

      Eu acredito que orar, seja em línguas estranhas ou em línguas conhecidas, é falar com Deus. Acredito que com o coração ligado a Deus, com o auxílio do Espírito Santo, estamos conectados com Deus. Sendo assim, como poderá Satanás e seus anjos caídos 'participar' dessa oração, incorporar numa pessoa, tentar desviar a oração?

      Quer dizer que devo orar em línguas porque se eu orar em voz alta Satanás pode ouvir e tentar atrapalhar? Pelo amor de Deus!

      Me desculpe, eu não sei de qual ministério você faz parte, nem o que andam te ensinando. Mas acho que você deve rever seus conceitos sobre dons espirituais.

      Parece até que devemos buscar dons espirituais como esse dom de línguas, por medo do Diabo ao invés de ser por adoração a Deus.

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  2. Anderson Melo6:23 PM

    Irmão Hermes, graças e paz, gostei muito de seu texto, porém, gostaria de fazer uma pergunta.

    O senhor usou, para defender a idéia de linguas ininteligíveis com propósito de ''comunicação com Deus'' a passagem de 1 Cor 14:2, porém, confesso que a interpreto de um modo diferente.

    O que me parece é que o próprio versículo responde a si mesmo, ou seja.... "O que fala em linguas fala com Deus; PORQUE ninguém o entende, e em espírito fala mistérios" (transicrção da versão almeida corrigida e revisada fiel).

    Ou seja, o cristão fala com Deus através de linguas que ele mesmo não entende não porque esse dom espiritual é designado para isso, mas por falta da interpretação do que está sendo falado sendo que apenas Deus entende o que está sendo dito.

    A afirmação acima também valeria para o versículo 4, onde Paulo afirma que o que fala lingua desconhecida edifica-se a si mesmo, ou seja, seguindo o pensamento anterior, edifica-se a si mesmo porque não há quem interprete e assim não edifica a comunidade.

    Também penso ser importante ver que no contexto de I Cor 14, Paulo se mostra preocupado com o fato das linguas serem usadas sem interpretação, bem exposto ao decorrer do capítulo. Isso me reforça a idéia primaria do meu comentário: o falar em Deus em mistérios de I cor 14 2 não seria um "segundo propósito'' do dom de linguas, mas um efeito do mesmo quando não há interpretação.


    Outra questão que também vem corroborar com essa afirmação, para mim é que Paulo, poucos versículos(v.21) após o versículo em questão faz menção à lei, afirmando que Deus "falaria aos povos por gente de outras linguas e por outros lábios", ou seja, na minha interpretação, Paulo estaria afirmando o mesmo propósito do dom de linguas visto em atos 2.

    Por fim, não que seja o fim, o versículo 22 afirma que o dom de linguas é sinal para os infiéis, atendendo o mesmo propósito de atos 2.

    Exposto as questões acima finalizo com meu pensamento de que, o versículo I cor 14 2 faria parte de uma explanação do uso do dom de linguas visto em todo o capítulo, e não uma ''outra'' forma de entende-lo....

    A minha pergunta, então, é... estou viajando na maionese? rsrsrs

    graça e paz meu querido, e obrigado pelos ótimos textos, sou muito edificado por eles...


    paz

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  3. Uma Dúvida na interpretação que o pastor Hermes faz de Romanos 8.26.
    Se as linguas são os gemidos inexprimiveis então quem fala em lingua está evidenciando "...fraquezas; porque não sabemos o que havemos de pedir como convém..."(Rm 8.26) toda a vez que o fenômeno ocorre. Será que quem fala em linguas concordará com o irmão?

    Outra dúvida: o mesmo versículo fala que quem intercede é o Espírito e o faz de forma inexprimível.
    interceder - falar por alguem o outro.
    inexprimível - que não pode ser dito.
    Essa intercessão é feita pelo Espírito Santo à Deus no mundo espiritual e de forma inaldível.
    Correto?

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    1. Perfeito o seu comentário! que falta de respeito com o texto de Rm 8:26

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  4. Parabéns Sr. Hermes, transcrevo sua frase...

    "Em 1 Coríntios 14:2 lemos que “o que fala em língua não fala aos homens, senão a Deus. Com efeito, ninguém o entende, e em espírito fala mistérios”. Esta única passagem derruba o argumento cessacionista acima apresentado."

    Em um versículo, isolado do resto do texto, sem levar em conta o contexto você consegue "DERRUBAR" a argumentação cessacionista, e desfazer todo o trabalho e estudo de homens piedosos e eruditos como, Entre os autores conhecidos estão Richard Gaffin , John F. MacArthur e Daniel B. Wallace. No Brasil, Augustus Nicodemus, tudo isso para defender "uma experiencia" em detrimento das Escrituras..., não é a toa que JOÃO CALVINO nas Institutas já dizia...

    "Logo, não é função do Espírito que nos foi prometido configurar novas e inauditas revelações ou forjar um novo gênero de doutrina, mediante a qual sejamos afastados do ensino do evangelho já recebido; ao contrário, sua função é selar-nos na mente aquela mesma doutrina que é recomendada através do evangelho"

    é por defesas movidas pelos sentimentos e desprovidas de fundamentação que estamos infestados de tantas heresias...

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  5. Caro Bispo Hermes,

    Gostei muitíssimo do tema discorrido no site. Tomei a liberdade de publicá-lo em meu blog (com referência e fonte) - www.nandoebella.blogspot.com, pois, foi tema de discussão em minha turma de escola bíblica dominical (EBD). Quero parabenizá-lo pela matéria publicada e oro ao Senhor Jesus para que que Deus abençoe seu ministério segundo o querer dEle.

    Parabéns!

    Fernando

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  6. Falar em línguas contribui em quê e para quê na vida cotidiana? Aumenta em quanto o nosso "crédito' com Deus?
    Puxa vida, isso tem feito com que milhares de babacas espirituais armem barracas nos poucos morros que nos restam para forçar essa situação, e digo para que: demonstrarem ao pastor e ao grupo que pretende rebelar que ele é O CARA! Deus o revelou que o pastor está errado, e após dezenas de esquisitices que chama de "língua estranha" O CARA arrasta o grupinho para sua própria "igreja" que "Deus revelou" que ele abrisse.

    Que idiotas.

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