quinta-feira, agosto 24, 2006

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O que é "Pleroma"?
Por Hermes C. Fernandes

O termo grego “pleroma” significa plenitude, e pode ser encontrado nas páginas sagradas em diversas passagens.

A Bíblia fala do Pleroma Divino, isto é, da Plenitude de Deus, da qual devemos ser cheios (Ef.3:19). Tal plenitude nos está acessível por meio de Cristo Jesus. Afinal, “nEle habita corporalmente toda a plenitude da divindade” (Cl.2:9). Tanto João quanto Paulo são unânimes em afirmar que “da sua plenitude todos nós recebemos” (Jo.1:16), temos, portanto, “a plenitude em Cristo” (Cl.2:10).

Embora a tenhamos recebido, devemos buscar encher-nos dela constantemente. E por quê deveríamos buscar o que já temos? Não há qualquer paradoxo aqui, embora possa parecer. Afirmar que temos a plenitude, é o mesmo que dizer que ela está acessível à nossa busca. É como na união conjugal. O marido possui a esposa, e vice-versa, entretanto, ambos precisam buscar um ao outro para que possam desfrutar das benesses conjugais.

O Espírito Santo é Deus em Sua plenitude. Nós não O recebemos por medidas (Jo.3:34). Ou O temos, ou não O temos. Não há como recebê-lO em porções. Ao recebê-lO, estamos recebendo a Plenitude, o Pleroma Divino. Entretanto, Sua presença deve ser cultivada, através de um relacionamento íntimo e perene. Por isso Paulo nos admoesta a que não extingamos o Espírito (1 Ts.5:29). Nesta passagem Ele é comparado ao fogo, que para ser mantido precisa de combustível. Nossa comunhão com Ele é o combustível que O manterá aceso em nosso ser.

Não possuímos a plenitude de Deus em nós mesmos, mas em Cristo. É por estarmos enxertados na Videira Verdadeira, que temos participação em Sua seiva. Tornamo-nos “participantes da natureza divina” (2 Pe.1:4), pois “o que se une ao Senhor é um espírito com Ele” (1 Co.6:17).

O único Ser em quem habita a Plenitude da Divindade é Jesus. Só a recebemos por estarmos n’Ele. Jamais alcançaremos algum tipo de auto-suficiência espiritual. Tudo o que temos deriva-se d’Ele.

E por isso, nenhum ser em todo o Universo pode vangloriar-se. Só podemos nos gloriar naquilo de que somos a origem. Sobre isso, escreve Paulo: “...Aquele que se gloria, glorie-se no Senhor (...) Pois quem te faz diferente? E que tens que não tenhas recebido? E, se o recebeste, por que te glorias, como se não o houveras recebido?” (1 Co.1:31, 4:7). A conclusão de Paulo é que ele só poderia gloriar-se em sua fraqueza, uma vez que esta não provinha de outro ser, mas de si mesmo (2 Co.12:9).

Para que sejamos cheios do Pleroma Divino, temos que admitir nossa fraqueza e insuficiência, e reconhecer que é a Graça de Deus que nos basta, e que o Seu poder se aperfeiçoa em nossa fraqueza. Em outras palavras, Sua suficiência cabe como uma luva em nossa deficiência.
Para termos uma experiência pleromática, devemos antes passar por uma experiência kenótica. A palavra kenósis é exatamente o oposto de pleroma. Para que Jesus fosse exaltado, recebendo de volta toda a glória que antes havia tido com o Pai, Ele precisou esvaziar-Se (kenósis). E Paulo nos ordena a ter o mesmo sentimento que houve em Cristo (Fp.2:5). Não há como negociar isso.

O preço do Pleroma é o Kenósis. Se quisermos o que só Ele tem, temos que renunciar o que temos. Se quisermos o que Ele é, temos que abrir mão de nossa vaidade, e admitir que nada somos à parte d’Ele. Nossa dignidade não é algo intrínseco, inerente a nosso ser, e sim algo que deriva-se d’Ele.

Vemos o princípio kenótico não apenas na encarnação de Cristo, mas até mesmo na Criação. Faço coro com Simone Weil, quando afirma: “A criação é da parte de Deus um ato não de expansão de si, mas de retirada, de renúncia. Deus e todas as criaturas é menos do que Deus sozinho. Deus aceitou essa diminuição. Esvaziou de si uma parte do ser. Esvaziou-se já nesse ato de sua divindade. É por isso que João diz que o Cordeiro foi degolado já na constituição do mundo. Deus permitiu que existissem coisas diferentes dEle e valendo infinitamente menos que Ele. Pelo ato criador negou a si mesmo, como Cristo nos prescreveu nos negarmos a nós mesmos. Deus negou-se em nosso favor para nos dar a possibilidade de nos negar por Ele.” E mais: “Do mesmo modo como Deus, na criação, renuncia a ser tudo, devemos renunciar a ser alguma coisa”.[1]

Antes da Criação, Deus era a única realidade. Nada havia além d’Ele. O que O motivou a criar? Se Ele é auto-suficiente, se nada Lhe falta, por quê criar algo além de Si mesmo? Será que o Pai, o Filho e o Espírito Santo não Se bastavam? Claro que sim. Deus não criou nada visando suprir alguma necessidade. A única resposta plausível aqui é o amor. É o amor que nos impulsiona para além de nós mesmos. Foi por amor que Deus deixou de ser o Único ser existente, criando um Universo composto de miríades de seres animados e inanimados. O amor que une as Pessoas da Divindade agora deveria ir além delas mesmas. Isso só seria possível mediante um ato criador. Criar implicaria numa espécie de esvaziamento da Divindade. Agora, Deus tem que conviver com outros seres além de Si mesmo. O Pleroma Divino deve conviver com o pleroma criado, não como uma extensão de Si mesmo, mas como um ser à parte, com o qual pode comunicar todo o Seu amor.

[1] Citado por Comte-Sponville em seu Pequeno Tratado das Grandes Virtudes.

4 comentários:

  1. Anônimo10:55 AM

    Amado Bispo,
    por nossa pura e simples capacidade, não poderiamos amar ao próximo sem conhecê-lo. Somente o amor sobrenatural de "DEUS" em nosso coração faz com que sentimos vontade de abraçar alguém que nunca vimos, como se tiverá conhecido a anos, e ainda neste instante de abraço desejar que tudo seja bom, em todos os aspectos!

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  2. Anônimo11:52 AM

    Esse artigo aqueceu-me o coração, comparar a humilhação e exaltação de Cristo com nossa própria humilhação e exaltação nos traz um vislumbre da vida eterna.

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  3. Anônimo11:51 PM

    O pleroma compreende a plenitude unitária da Trindade Divina numa fina harmonia operadora de transformação na espiritualidade humana e no Universo que o acompanha. O pleroma divina é a extraordinária plenitude harmônica da vida grávida de virtude que atravessa o Ser.

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  4. O pleroma compreende a plenitude unitária da Trindade Divina numa fina harmonia operadora de transformação na espiritualidade humana e no Universo que o acompanha. O pleroma divino é a extraordinária plenitude harmônica da vida grávida de virtude que atravessa o Ser.

    PAIXÃO, Edson.

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