“Mas os que andavam dispersos iam por toda a parte anunciando a palavra.” Atos 8:4
Um organismo precisa respirar para continuar vivo. A respiração é um movimento de mão dupla. Inspiramos e aspiramos. O ar entra por nossas narinas, atravessa nossa traquéia, e enche nossos pulmões, para depois ser devolvido à atmosfera.
Tente manter o ar preso em seus pulmões por alguns segundos. Você vai ficando vermelho, seus olhos começam a lacrimejar, até que você não agüenta mais e solta o ar.
Não é simplesmente do ar que necessitamos, mas da entrada e saída ininterrupta deste ar. Sem ar pra respirar, morremos. E prendendo o mesmo ar dentro de nós, também morremos.
A igreja de Cristo é um organismo vivo que também necessita respirar.
Em Seu discurso de despedida, Jesus garantiu aos Seus discípulos que lhes enviaria o Espírito Santo a fim de fossem capacitados sobrenaturalmente a dar testemunho do Evangelho:
“Mas recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas, tanto em Jerusalém como em toda a Judéia e Samaria, e até os confins da terra” (At.1:8).
A palavra traduzida neste texto por ‘poder’ é dinamus, que dá origem a alguns vocábulos em português, como dinamismo, dinâmica e até dinamite. Dinamus significa poder em movimento.
O Espírito Santo não apenas capacitaria os discípulos a testemunhar, como também os levaria a lugares e circunstâncias jamais imaginadas por eles, para que cumprissem a sua missão.
O mesmo Espírito que nos atrai a Cristo, nos transforma, também nos envia ao mundo.
Narrando sua experiência de conversão perante o rei Agripa, Paulo diz que Jesus se lhe apareceu, dizendo: “Eu sou Jesus, a quem tu persegues. Agora levanta-te e põe-te em pé. Eu te apareci por isto, para te fazer ministro e testemunha tanto das coisas que tens visto como daquelas pelas quais te aparecerei ainda. Eu te livrarei deste povo, e dos gentios, a quem agora te envio, para lhes abrir os olhos, e das trevas os converter à luz...” (At.26:15b-18a).
Observe que a comissão de Paulo se deu no exato momento de sua conversão.
O dinamus do Espírito exerce na igreja uma força centrípeta e centrífuga. Ele atrai, transforma e imediatamente envia.
Não há intervalo! Todos os que são chamados, são também enviados.
Quando o endemoninhado gadareno se viu livre de sua possessão, quis deixar tudo para seguir a Jesus, mas recebeu d’Ele outra ordem: “Volta para casa e conta quão grandes coisas Deus fez por ti” (Lc.8:39a).
No reino de Deus tudo é muito prático. Porém, quando a igreja se institucionalizou, tratou de burocratizar o que antes era promovido pela dinâmica do Espírito.
Quanto tempo de preparo precisou a mulher samaritana para atrair toda uma cidade a Cristo? Foi só o tempo de deixar seu cântaro, ir à cidade e anunciar ao seu povo: “Vinde, vede um homem que me disse tudo o que tenho feito. Poderia ser este o Cristo?” (Jo.4:29). Mesmo sabendo que Jesus era o Cristo, ela preferiu instigar aquele povo à curiosidade. Em vez de apresentar uma contundente resposta, ela instigou-os a questionar.
E aqui nos deparamos com uma importante questão: será que para testemunhar do amor de Cristo temos que esperar até que todas as nossas questões sejam respondidas?
Precisamos desburocratizar e dinamizar o processo de evangelização com urgência.
Ninguém necessita de um mestrado em teologia para anunciar aos seus amigos e familiares quão grandes coisas fez o Senhor em sua vida.
Não temos o direito de impedir o trânsito pelas portas do reino de Deus. Muitos agem como os fariseus e religiosos contemporâneos de Jesus, que se punham à porta, não entravam e não deixavam ninguém entrar. E quando alguém demonstra desejo de sair testemunhando do amor de Deus, tratam de jogar-lhe um balde de água fria.
A estes, diz o Senhor: “Mas ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Fechais o reino dos céus aos homens. Vós mesmos não entrais, nem deixais entrar aos que estão entrando” (Mt.23:13).
Temos que manter o trânsito livre, e para isso, o caminho tem que está desobstruído.
Veja o que Jesus disse sobre isso:
“Eu sou a porta. Todo aquele que entrar por mim, salvar-se-á. Entrará e sairá, e achará pastagens” (Jo.10:9).
Há um detalhe neste verso que tem passado despercebido. O caminho para o Reino é uma via de mão dupla. Quem entra, tem que sair. E o mais surpreendente é que só depois de sair que se acha pastagens.
As pastagens não estão do lado de dentro da cidade, mas lá fora, entre os vales e montanhas da realidade social e cultural na qual peregrinamos.
Muitos acham que vão encontrar tais pastagens do lado de dentro da igreja. Por isso, entram, e não querem mais sair. Ficam viciados em igreja.
Assim como ar que respiramos tem que ser devolvido à atmosfera, temos que devolver ao mundo as pessoas que entram na igreja. Por favor, não se escandalize ainda. Continue sua leitura, e veja se o que digo não faz sentido.
Qualquer espiritualidade que não nos devolva à realidade é maléfica e alucinógena.
Se não concorda comigo, tente concordar com Cristo, que em Sua prece sacerdotal, rogou ao Pai:
“Não peço que os tires do mundo, mas que os guardes do mal. Eles não são do mundo, como eu do mundo não sou. Santifica-os na verdade, a tua palavra é a verdade. Assim como tu me enviaste ao mundo, também eu os enviei ao mundo” (Jo.17:15-18).
Não se trata de uma questão facultativa. Fomos chamados, santificados e enviados ao mundo. Os pés formosos de que diz a Escritura, são os que estão enlameados pelo chão da vida.
Cuidado pra não confundir santificação com alienação.
A igreja não pode ser uma redoma para os seus membros. Ela tem que ser um liquidificador. Experimente colocar várias frutas em seu liquidificador. Ao ligá-lo, elas serão processadas e se tornarão numa deliciosa vitamina. A hélice do eletrodoméstico exerce a força centrípeta e centrífuga. Ela atrai as frutas para si, processando-as ao mesmo tempo em que as empurra para fora. É isso que o Espírito Santo almeja fazer na igreja.
O mesmo Cristo que diz ‘vinde’, também diz ‘ide’. E não há intervalo. A gente já vem indo, e já vai vindo.
Em vez de despendermos energia e dinheiro numa mirabolante estratégia de evangelismo (ou seria de marketing?), que tal abrir a porteira do aprisco, permitindo que as pessoas transitem normalmente pelo mundo, testemunhando o que Deus fizera em suas vidas? Haveria estratégia melhor e mais eficiente do que esta?
Elas não precisam esperar por um "ide" personalizado, vindo direto dos lábios de Cristo para elas. Não!
A bem da verdade, todos que viemos a Ele, já fomos liberados por Ele para ir. Já estamos no Caminho, indo e vindo no constante fluxo e refluxo da vida.
No texto original, Jesus não disse "ide", num tom imperativo, mas disse "indo", numa espécie de gerúndio existencial. O texto diz: "Indo por todo mundo, pregai o evangelho...". Queiramos ou não, já estamos na chuva, e quem está na chuva é pra se molhar.
O vinde é personalizado, mas o ide (ou indo) é generalizado.
Alguém poderá perguntar: E quanto aos riscos? Como enviar ao mundo pessoas despreparadas para testemunhar? Não seria melhor segurá-las o máximo de tempo possível, até que se vejam prontas?
Concordo. O risco não pode ser ignorado. Porém, vale a pena corrê-lo.
Jesus não ignorou os riscos ao enviar Seus discípulos ao mundo. Confira o que Ele diz:
“Ide. Eu vos envio como cordeiros ao meio de lobos” (Lc.10:3).
Neste texto em particular, o ide foi imperativo.
O que atenua os riscos é o fato de que o pastor das ovelhas vai à frente do seu rebanho.
“Mas aquele que entra pela porta é o pastor das ovelhas. A este o porteiro abre, as ovelhas ouvem a sua voz, e chama pelo nome às suas ovelhas, e as leva para fora. Quando tira para fora todas as ovelhas que lhe pertencem, vai adiante delas, e elas o seguem, porque conhecem a sua voz. Mas de modo nenhum seguirão o estranho, antes fugirão dele, porque não reconhecem a voz dos estranhos” (Jo. 10:2-5).
Será lá fora, no mundão, que as ovelhas de Jesus terão suas maiores experiências com Ele. O mundo será o cenário por onde Ele as conduzirá aos pastos verdejantes, às águas tranqüilas. E mesmo quando passarem pelo vale da sombra da morte, não terão o que temer, pois Seu cajado e Sua vara as protegerão.
O que a igreja deveria fazer é procurar levar as pessoas a uma intimidade tal com o Bom Pastor, que elas jamais confundam Sua voz com a voz do estranho. Em outras palavras, temos que aprender a discernir a voz de Deus no mundo. Seja no ambiente profissional, acadêmico, familiar, ou mesmo nos corredores do poder político, será a Sua voz que guiará a nossa consciência, e, por conseguinte, as nossas atitudes.
Portanto, já está na hora de liberarmos as ovelhas do Senhor para que cumpram sua missão de transformação do mundo.
Abramos a porteira, e deixemos o trânsito livre, pra que entrem e saiam, e assim, encontrem pastagem para as suas almas.
Não há motivo pra insegurança. Quem de fato é do Senhor, jamais abandonará seu redil.
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