quinta-feira, novembro 23, 2006

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O Amor e o Poder

“O poder sem amor é imprudente e abusivo”.
Martin Luther King Jr.


Vivemos em um mundo que serve de cenário para disputas de poder. Todos almejam a supremacia. Querem ser reconhecidos, respeitados, e obedecidos. É a lei do mais forte.

Filhos assistem a seus pais se digladiando, para ver quem de fato manda na relação. Países ricos se acham no direito de ditar diretrizes políticas aos países subdesenvolvidos.

Poder e amor parecem realidades excludentes.

O fato é que, se não quisermos cair numa anarquia, precisamos estabelecer hierarquias. Entretanto, o poder não deve ter primazia sobre o amor.

Não podemos conformar-nos ao espírito deste mundo. Amar é caminhar na contramão deste espírito.

Mateus nos informa que a mãe de dois dos discípulos de Jesus resolveu fazer um lobby por eles, para garantir-lhes um espaço reservado à direita e à esquerda do Trono de Cristo, em Seu Reino. Sem dúvida, houve um mal-estar entre os discípulos. Pelo que tudo indica, todos almejavam um lugar de destaque no Reino de Deus. Pelo que Jesus lhes respondeu: “Bem sabeis que os governadores dos gentios os dominam e que os grandes exercem autoridade sobre eles. Não será assim entre vós. Pelo contrário, todo aquele que, entre vós, quiser tornar-se grande, seja vosso servo”.[1] Repare que em momento algum Jesus questionou a legitimidade das autoridades exercidas no mundo. O que Jesus fez foi lançar uma nova luz acerca de suas atribuições. Elas não foram instituídas para se servirem das pessoas, e sim, para servi-las.

Jamais foi plano de Deus que o homem vivesse em uma sociedade anárquica. Por isso, a recomendação apostólica é que “toda pessoa esteja sujeita às autoridades superiores, pois não há autoridade que não venha de Deus. As autoridades que há foram ordenadas por Deus. Por isso, quem resiste à autoridade resiste à ordenação de Deus”.[2]

Deus concede às autoridades o direito de exercer juízo[3], de estabelecer leis, de receber tributos,[4] mas não lhes concede o direito de exercer domínio a seu bel-prazer.

Todo poder que procura dominar é contrário ao espírito do Amor. “Amar é renunciar o poder que domina, para abraçar o poder que liberta e promove a vida [...] O poder domina e inibe. O amor liberta e torna as pessoas criativas”.[5]

Deus estabeleceu a autoridade do Estado sobre seus cidadãos, do patrão sobre seus empregados, do marido sobre sua esposa, dos pais sobre os filhos, do pastor sobre o rebanho, do bispo sobre os pastores, e assim por diante. Mas essa autoridade visa promover a ordem e o serviço motivados pelo amor.

Autoridade não deve ser imposta, mas proposta, exposta e disposta. Isto é: em vez de se valer de coação para se impor, ela deve ser proposta, imbuída de propósitos definidos; exposta à avaliação, e disposta a servir e a mudar quando necessário.

Muitos se escondem por trás de uma fachada autoritária e dominadora. Acham que podem compensar sua carência de amor através do exercício do poder. É frustrante e revoltante ver alguém tentando dominar a outros para compensar seu sentimento de inferioridade e mesquinhez.

Para exercer qualquer autoridade, é necessário que a pessoa esteja bem resolvida, e disposta a assumir as atribuições de servo daqueles que lhe se submetem.

Não é preciso humilhar ninguém, nem tentar apagar a luz dos outros, para que a nossa luz resplandeça.

O Governo é servo do povo que o elegeu; o marido é servo da mulher a quem desposou; os pais são servos dos filhos que geraram; o pastor é servo do rebanho por quem Cristo deu a vida.
A regra é simples: só podemos servir a quem a amamos.

Muitas vezes a Bíblia tem sido criticada como um livro ultrapassado e machista. Não soa bem pedir que as mulheres sejam submissas a seus maridos. Mas o fato é que as esposas não as únicas a receberem tal encargo. Na verdade, sobre pra todo mundo!

Paulo diz que se quisermos ser cheios do Espírito Santo, teremos que sujeitar-nos uns aos outros no temor de Cristo.[6] Os jovens, por exemplo, devem ser submissos aos mais velhos.[7]As ovelhas devem submeter-se a seus pastores, pois eles velam por suas almas, “como quem há de prestar contas. Obedecei-lhes para que o façam com alegria e não gemendo, pois isso não vos seria útil”.[8]

Para resumir, espera-se de cada cristão autêntico, que “considere os outros superiores a si mesmo”[9]

Sem sombra de dúvida, tal procedimento soa tão estranho hoje quanto nos dias da igreja primitiva.

O fato é que as pessoas não conhecem o verdadeiro amor em toda sua plenitude.

O próprio Jesus, Deus encarnado, afirmou que não veio pra ser servido, mas para servir. [10]
Nada expressa melhor o amor do que o serviço. Quem ama, serve. Quem não serve, não ama.
Na passagem onde Paulo diz que devemos considerar os outros superiores a nós mesmos, ele nos aponta Cristo como padrão. Nas palavras do apóstolo, devemos ter e expressar “o mesmo sentimento que houve em Cristo Jesus, “que sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus, mas a si mesmo se esvaziou[11], tomando a forma de servo”.[12]

Ele não fez isso apenas pra nos dar uma lição de moral. Ele Se fez servo daqueles a quem amou. O preço do Pleroma é o Kenoma. Se quisermos ser cheios da Plenitude de Deus, devemos esvaziar-nos de nossa arrogância, egoísmo, amor-próprio, para sermos capazes de nos submeter uns aos outros em amor.

Não se trata de submeter-se aos caprichos do outro, ou a um autoritarismo desmedido e abusivo. Trata-se, antes de tudo, de submeter-se aos cuidados daquele que Deus estabeleceu como autoridade sobre nós.

Submeter-se também é posicionar-se “sob”, abaixo, como quem coloca as bases firmes sobre as quais a pessoa amada possa crescer segura, confiante, livre, desenvolvendo todas as suas potencialidades.

Submeter-se é servir de suporte, para alavancar o outro. É nesse contexto que Paulo diz que devemos suportar uns aos outros em amor. [13] “Suportar” aqui não significa tolerar, e sim, ser suporte. O amor é que nos motiva a isso, pois o amor tudo suporta.[14] Para que a pessoa amada cresça, devemos diminuir. “Convém que Ele cresça, e eu diminua”, disse João Batista, referindo-se a seu primo Jesus.[15]

A regra é simples: só podemos nos submeter de verdade a quem amamos.

[1] Mateus 20:25-26
[2] Romanos 13:1-2a
[3] v.4
[4] v.6
[5] Conte, Hildo, Op.cit.,pp.171,172
[6] Efésios 5:21
[7] 1 Pedro 5:5
[8] Hebreus 13:17
[9] Filipenses 2:3
[10] Mateus 20:28
[11] “Esvaziou-se”, do grego “kenosis”. Só podemos experimentar o Pleroma (Plenitude), quando experimentamos o Kenoma (esvaziamento). Kenosis é um verbo que se origina do substantivo Kenoma.
[12] Filipenses 2:5-7a
[13] Efésios 4:2
[14] 1 Coríntios 13:7
[15] João 3:3


Um comentário:

  1. Nossos políticos deveriam deixar de lado "O Príncipe" de Maquiavel, e fazer da Bíblia o seu livro de cabeceira.

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