sexta-feira, janeiro 09, 2009

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Em caso de Arrebatamento...

“Em caso de arrebatamento, este carro vai ficar desgovernado”. Esta frase é encontrada adesivada em muitos automóveis em nossas cidades. Para os não-evangélicos não faz o menor sentido. Mas para muitos os evangélicos esta frase denota a crença na doutrina doarrebatamento secreto, defendida pelo sistema dispensacionalista de interpretação bíblica.

Segundo este sistema, a volta de Cristo seria dividida em duas fases, a primeira seria secreta e destinada unicamente aos crentes, enquanto a segunda seria pública e aconteceria sete anos depois dos crentes serem arrebatados e levados para o céu.

Os mais antigos se lembram de um hino cujo título era “O Rei está voltando”. Entre suas estrofes, se dizia que o mercado ficaria vazio (e não seria pela alta dos preços!), os aviões cairiam pela ausência súbita dos pilotos. Enfim, o mundo ficaria em polvorosa, e a mídia não se ocuparia com outra notícia que não fosse o desaparecimento de milhões de crentes pelo mundo a fora. Alguns defensores das teorias de conspiração afirmam que a mídia reportaria o desaparecimento súbito de milhões de crentes como um caso de abdução em massa promovida por discos voadores (sic).

Cresci ouvindo isso. Ficava atormentado quando meus pais tocavam na vitrola o disco “A última trombeta”.

Depois de crescidinho, deparei-me com outros sistemas de interpretação, e mesmo formado em Teologia, já tendo dado aula de Escatologia em um seminário, decidi rever meus conceitos.

Dei-me conta que a doutrina do arrebatamento secreto não consta das Escrituras, e foi inventada há pouco mais de duzentos anos, por um inglês chamado John Nelson Darby (1800-1882), e tornando-se febre entre os cristãos evangélicos por causa dos comentários de rodapé da Bíblia de Scofield. Portanto, é a mais recente linha de interpretação da escatologia bíblica. Mais tarde, descobri que tal interpretação já havia sido seminalmente engendrada trezentos anos antes pelo jesuíta espanhol Franscisco Ribera (1537-1591). Por quase três séculos, tal teoria ficou confinada à Igreja Católica Romana, até que, em 1826, Samuel R. Maitland (1792-1866), que era bibliotecário de Canterbury, publicou um panfleto em que promovia a idéia de Ribera.

Mas o que mais me incomodou com esta doutrina não é sua origem, mas os seus efeitos colaterais. Até o seu surgimento, os cristãos estavam engajados na transformação do mundo. Grandes nomes da ciência eram cristãos devotos. Universidades como Havard, Princeton, Oxford, foram fundadas sob a égide dos ideais do Reino de Deus. O surgimento do Dispensacionalismo alimentou o processo de secularismo, fazendo com que os cristãos recuassem, e cedessem espaço aos céticos.

Antes fosse o carro ou o avião que ficasse desgovernado em caso de arrebatamento. Em vez disso, o que ficou desgovernado foi o Mundo. A Igreja deixou de ser o sal da terra, a luz do mundo, para tornar-se numa sub-cultura, num gueto religioso. O que muitos cristãos contemporâneos parecem ignorar é que cada passo que a igreja dá pra trás, é espaço que ela cede a Satanás. Não seria esta uma maneira de "dar lugar ao diabo" (Ef.4:27)?

Se antes a Ciência era praticada por cristãos convictos, hoje está nas mãos dos ateus. Pra quê fazer ciência, se o mundo está prestes a acabar? Por que nos envolver com questãos como preservação ambiental, justiça social, ética, se as coisas têm mesmo que piorar para apressar a volta iminente de Jesus? De onde tiraram esta conclusão, se "a vereda dos justos é como a luz da aurora que vai brilhando mais e mais até ser dia perfeito"(Pv.4:18)?

Recuso-me a crer que Cristo virá ao encontro de uma igreja acovardada, que não terá concluído a Grande Comissão, tampouco terá sido luz do mundo e sal da terra (Mt.5:14). Recuso-me a crer que o mesmo Jesus que pediu ao Pai para que não nos tirasse do mundo, agora mudou de idéia e vem para nos raptar (Jo.17:15).

A febre dispensacionalista alcançou um novo apogeu recentemente com o lançamento da série “Deixados para trás”, de Tim LaHaye e Jerry B. Jenkins (Acho que a série deveria se chamar “Passados para trás”).

Pregadores bradam de seus púlpitos: “Somos a última geração! A geração do arrebatamento!”Mas se contradizem quando gastam milhões na construção de catedrais suntuosas. Imagino o que pensam nossos filhos quando afirmamos que somos a geração final. Com isso, nós os privamos de qualquer perspectiva de futuro. Prefiro ficar com o salmista, e declarar: "A posteridade o servirá; falar-se-á do Senhor às gerações futuras" (Sl.22:30-31).

Encruzando os braços, os cristãos estão entregando o mundo às baratas. Desistindo de lutar pelas próximas gerações. Isso sim é que podemos chamar de alienação.

Se os leitores da Bíblia comentada por Scofield deixassem de dar crédito àquilo que está em seu rodapé, e começassem a ler mais o conteúdo das Escrituras, talvez houvesse uma revolução. O problema é que estamos condicionados a uma leitura, e qualquer um que faça uma leitura diferente é logo tachado de herege.

Por desconhecerem a história, ignoram que muitos dos escritores cristãos aclamados também esboçavam uma escatologia esperançosa quanto ao futuro do Mundo. Gente como Spurgeon, Whitefield, Wesley, Calvino, Lutero, Lloyd-Jones, Jonathan Edwards, os puritanos, e tantos outros, criam no avanço do Evangelho e na eventual conversão das nações a Cristo (Leia Salmo 22:27-28). Era a isso que chamavam “avivamento”.

Aos vidrados em teorias de conspiração devo informar que vocês estão sendo vítimas da maior de todas elas. Esqueçam “Deixados pra trás”! Olhem para Cristo, o Cavaleiro Fiel e Verdadeiro, que saiu “vencendo e pra vencer”.

Um dos cânticos mais cantados pelos cristãos ao redor do mundo foi composto por alguém que tinha esta esperança. Ele diz:

Já refulge a glória eterna,

De Jesus, o rei dos reis;

Breve os reinos deste mundo,

Seguirão as Suas leis;

Os sinais da sua vinda,

Mais se mostram cada vez;

Vencendo vem Jesus!

Glória, glória, aleluia (3x),

Vencendo vem Jesus!

O clarim que chama as crentes,

A batalha já soou;

Cristo, à frente do seu povo,

Multidões já conquistou;

O inimigo em retirada,

Seu furor patenteou;

Vencendo vem, Jesus!

E por fim entronizado,

As nações há de julgar;

Todos grandes e pequenos,

O juiz hão de encarar;

E os remidos triunfantes,

Em fulgor hão de cantar:

Vencendo vem Jesus!

Sinceramente? Prefiro este hino àquele que estimula os crentes à irresponsabilidade com o futuro da Terra.

Recomendo que os leitores deste blog busquem comparar o sistema dispensacionalista com outros sistemas de intepretação da Escatologia Bíblica. Vocês se surpreenderão.

Alguns link que recomendo:

Apocalipse Desvendado


Escatologia Reinista


Monergismo - Pós-milenismo


Monergismo - Preterismo


Pós-milenismo


Preterismo


Teonomia

2 comentários:

  1. Anônimo11:23 PM

    Achei interessantíssimo a postura do autor, além de inteligente. Desde o ataque das torres gêmeas e até antes, em 1999, tenho ficado bastante impressionada e temerosa em relação aos fatos relacionados ao Apocalipse.Como este assunto me interessa tenho lido e buscado fontes para aumentar meu conhecimento e crescimento espiritual, me detive mais atentamente a este em particular. Eu cheguei a comentar com meu marido, e isto é ,se não natural, humanamente compreensível.Comentei com ele que não precisaríamosnos preocupar com nosso futuro e aperfeiçoamento profissional e talvez o aniversário de 15 anos de minha filha , que tem 7 anos de idade. Tudo porque , se o arrebatamento está próximo, e Jesus vem nos arrebatar, poderíamos nos concentrar no trabalho de evangelização das almas mais necessitadas, deixando em segundo plano coisas secundárias e mais difíceis de serm alcançadas a curto prazo. Gostei de ver que existem pessoas cristãs com este ponto de vista de que não devemos desistir nunca, e depois de refletir, cheguei à conclusão que devemos orar e vigiar, mas nos comportar como pessoas normais, viver nossas vidas, sem jamais esquecer de Deus e o que fez por nós, mas sem fanatismo,e principalmente sem radicalismos, coisa que sempre descartei em minha vida.Muito bom este texto!

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  2. Anônimo8:10 PM

    Eu continuo acreditando em um arrebatamento pré-tribulacional, senti um forte embasamento.

    Eu penso que se a tribulação começa, já sabemos então a data da vinda, e foge à palavra essa sabedoria.

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