Por Hermes C. Fernandes
Algumas horas antes da abertura das Olimpíadas 2016, eu
estava com minha esposa no hospital. Enquanto ela era medicada, fui para o lado
de fora do hospital e fiquei a observar o céu estrelado. Um segurança se
aproximou de mim e comentou que naquela noite havia seis planetas visíveis a
olhos nus. Próximo da lua, podíamos ver três deles, Júpiter, Vênus e Mercúrio.
Bem acima de nós, estavam Marte e Saturno. E do outro lado, Netuno (não o
pudemos ver por causa do prédio do hospital). O único planeta ausente era
Urano. Comentei com ele (que se disse um astrônomo amador nas horas vagas) que
os deuses do Olimpo resolveram aparecer para a abertura dos jogos. Não é
corriqueiro aparecer tantos planetas numa mesma noite. Para quem não sabe, os
planetas do nosso sistema solar são batizados com nomes dos deuses do panteão
greco-romano, os mesmos que, de acordo com a mitologia, habitavam numa montanha chamada Olimpo. Razão pela
qual os jogos iniciados na Grécia são chamados de Jogos Olímpicos. A diferença
é que os planetas são chamados pelos nomes que os romanos deram a tais
divindades. Júpiter no lugar de Zeus, Mercúrio no lugar de Hermes, Vênus no
lugar de Afrodite, e assim por diante.
Eles não devem ter se arrependido de terem dado as caras por aqui.
A abertura dos jogos foi apoteótica. Sem dúvida, uma das melhores que já assisti.
Lembrei-me de uma conversa que tive com o meu pai vinte
anos atrás, justamente no dia da abertura das Olimpíadas de 1996. Morávamos na mesma rua. Ele chegou sem avisar
e me chamou ao quintal. A noite estava estrelada como a de ontem. Perguntou-me
se eu havia assistido à abertura e confessou-se ter ficado emocionado com o desfile
das comitivas. Disse-me que imaginou algo assim promovido pela igreja. Que seu
sonho era que um dia tivéssemos igrejas espalhadas por cada um daqueles países,
e que suas caravanas entrassem desfilando com suas respectivas bandeiras numa
convenção internacional. Meu pai já estava com a saúde bem debilitada à época.
De repente, apontou para as estrelas e disse-me: - Está vendo essas estrelas no
céu? Minha mente as alcança, mas meu corpo não corresponde. Mas onde eu não
conseguir chegar, você e sua geração chegarão.
Lá estava meu velho pai, a quem eu considerava um herói,
expondo-me sua fraqueza e humanidade. No auge de sua carreira ministerial,
quando reunia até 80 mil pessoas num único evento, chegando a batizar 5 mil
numa manhã (foi capa do Jornal O Globo), sofreu uma parada cardíaca que por
pouco não o matou. Ele costumava contar que Deus lhe deu um beliscão para lembrá-lo de que
ele não era um deus, mas um homem mortal. De fato, meu pai era idolatrado. As pessoas projetavam
nele expectativas sobre-humanas. Até que um dia o andor balançou, e o santo se
revelou de barro.
A julgar pelos últimos
acontecimentos envolvendo personalidades do panteão gospel, tenho a impressão de
que Deus está desmontando nossa fábrica de deuses.
Mas não pensem que isso
seja um fenômeno recente. Já nos primórdios do cristianismo, Paulo e Barnabé
cortaram um dobrado para impedir que o povo de Listra lhes oferecesse
sacrifícios por considerá-los deuses do Olimpo que haviam descido até eles. Acharam
que Barnabé fosse o próprio Júpiter (Zeus para os gregos), o “deus dos deuses”,
e que Paulo fosse Mercúrio (Hermes), seu mensageiro. Tudo porque curaram um
paralítico. Os discípulos tiveram que rasgar suas vestes em protesto, e
argumentar que não passam de seres humanos de carne e osso, “sujeito às mesmas
paixões”. Repare bem nisso: eles não
disseram que eram sujeitos às mesmas intempéries apenas, nem sujeitos a ficarem
enfermos ou coisa parecida, mas que eram sujeitos às mesmas paixões (confira
Atos 14:8-18).
É cômodo para muitos
líderes venderem uma imagem de seres infalíveis, detentores de poderes
especiais. Tem-se a impressão de que se
rasgarem suas vestes como fizeram Paulo E Barnabé, revelarão o traje do super-homem
por baixo de seus ternos Armani. Até que num belo dia, o casamento perfeito
desmorona, o marido do ano é acusado de pedofilia, o pastor-deputado santarrão
é acusado de tentativa de estupro, um pastor político (ex-candidato a presidente do país) que tem histórico de violência doméstica ameaça uma jovem de morte, um líder evangélico considerado suprassumo da honestidade é flagrado
recebendo suborno e em seguida aparece agradecendo a Deus pela "provisão", e por aí vai.
O que causa escândalo não
é a fraqueza em si, mas a hipocrisia do discurso e o uso do poder para
extravasar a tara contida. Há sempre algo podre por trás de quem arrota
santidade e ainda desdenha dos que considera abaixo de seu suposto padrão moral.
A credibilidade da igreja
repousa sobre a admissão de suas fraquezas e idiossincrasias. Temos que rasgar
nossas vestes para mostrar que abaixo delas não há uniforme de super-herói.
Somos seres plenamente humanos, capazes de atos heroicos, bem como de vergonhosos
gestos de vilania. É justamente isso que nos faz 100% dependentes da graça de
Deus.
Nem Deus, nem o mundo,
esperam de nós perfeição, mas tão somente coerência. Somos admitindo nossas
fraquezas seremos aptos a ganhar os fracos, admitindo nossa ignorância
poderemos alcançar os ignorantes. Nossa pseudo-santidade só serve para
disfarçar taras inconfessáveis, agravando sobremaneira nossas neuroses,
alimentando nossos monstros.
Quando, enfim, nossos
ídolos se espatifam no chão, sentimo-nos órfãos, traídos por aqueles que
considerávamos padrão moral e ético.
De quanta dor, decepção e
vergonha seríamos poupados se fitássemos a Cristo e não os que se dizem seus porta-vozes.
E de quanta dor, decepção e vergonha pouparíamos os que amamos se não nos atrevêssemos
a bancar uma santidade de fachada, desprovida de compaixão e amor.
Os deuses não desceram até
nós. Foram derrubados! E mesmo se fazendo passar por divindades, serão julgados
“como homens” (Sl. 82:1-8).
No final das contas, a
ninguém mais veremos, senão a Jesus (Mt. 17:8), cujo esplendor ofusca a glória
da Lei e dos Profetas, quanto mais a glória estapafúrdia dos homens.
***
P.S.1 - A imagem acima é apenas ilustrativa. Não tem a pretensão de fazer qualquer insinuação acerca das pessoas representadas, mas apenas denunciar nossa mania de eleger heróis, semi-deuses acima do bem e o mal.
P.S.2 - O objetivo deste post não é acusar, nem levantar suspeita. Alguns comentários nas redes sociais foram feitos por quem nem se deu o trabalho de lê-lo até o fim. O que questiono não é a idoneidade de A ou B, nem sua culpa ou inocência, mas a nossa mania de construir ídolos. Nesse sentido, o problema não são propriamente eles, mas nós. Tratá-los como ídolos é nocivo tanto para nós, quanto para eles, haja vista a sua incapacidade de atender às nossas expectativas. As acusações que pesam sobre Felipe Heiderich ainda não foram provadas. Há fortes indícios de que possam ser falsas. A justiça decidirá. Os fatos envolvendo Marco Feliciano ainda estão sob investigação. Não se pode sentenciar ninguém sem que antes seja levado a juízo.
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P.S.1 - A imagem acima é apenas ilustrativa. Não tem a pretensão de fazer qualquer insinuação acerca das pessoas representadas, mas apenas denunciar nossa mania de eleger heróis, semi-deuses acima do bem e o mal.
P.S.2 - O objetivo deste post não é acusar, nem levantar suspeita. Alguns comentários nas redes sociais foram feitos por quem nem se deu o trabalho de lê-lo até o fim. O que questiono não é a idoneidade de A ou B, nem sua culpa ou inocência, mas a nossa mania de construir ídolos. Nesse sentido, o problema não são propriamente eles, mas nós. Tratá-los como ídolos é nocivo tanto para nós, quanto para eles, haja vista a sua incapacidade de atender às nossas expectativas. As acusações que pesam sobre Felipe Heiderich ainda não foram provadas. Há fortes indícios de que possam ser falsas. A justiça decidirá. Os fatos envolvendo Marco Feliciano ainda estão sob investigação. Não se pode sentenciar ninguém sem que antes seja levado a juízo.
You are awesome!
ResponderExcluirmais claro impossivel.
ResponderExcluirMuito boa reflexão! Tremenda verdade!
ResponderExcluirNão fermente o caso do Feliciano, ele pode ser inocente!
ResponderExcluirExcelente texto. Parabéns!
ResponderExcluirExcelente reflexão!
ResponderExcluirÓtima reflexão, é tempo de colocar somente Deus no trono, que é o seu lugar
ResponderExcluirO nosso país os evangélicos daqui, estão com uma terrível maldição de idolatrar quem ocupa os púlpitos. Digo maldição porque tais pessoas colhem maldição. Falo com propriedade. Porque também sou pastora, isso é algo horrível que me incomoda muito. Os gospel estão recebendo mais tributos do que o próprio Deus que é Rei e merecedor de toda honra e toda glória!!
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