Por Hermes C. Fernandes
Passagem. Todos, sem exceção, estamos de passagem. Não
estamos vindo. Estamos indo. Não estamos de chegada. Estamos de partida. Vemos
paisagens que nunca mais veremos. Vivemos situações que jamais serão
revisitadas. Encruzilhadas que não se repetirão.
A festa mais importante do calendário religioso
judaico-cristão retrata justamente isso. Páscoa (Pessach, em hebraico) significa “passagem”. Foi instituída durante o
chamado “Êxodo”, que por sua vez, significa “saída”.
Nada jamais será como antes. A vida segue um irreversível
fluxo de mudanças. E as maiores mudanças não se dão pela variação de cenários,
mas na sucessão de paisagens internas. Nosso mundo interior está sujeito a
rearranjos. A cada nova peça encontrada, o quebra-cabeça que parecia estar
devidamente montado, desafia-nos a ressignificá-lo. Novas combinações fazem com
que imagens inusitadas emerjam.
Cada pessoa que atravessa nosso caminho traz novos elementos
que contribuirão nesta transformação. Alguns que hoje nos brindam com sua
companhia, ficarão pelo caminho, mas continuarão a nos acompanhar em nossa lembrança. Parafraseando Saint-Exupéry, “cada pessoa que passa por nós, não nos
deixa sós, deixa um pouco de si, leva um pouco de nós.”
Quem se atreveria a atravessar um deserto sozinho? A solidão não passa de ilusão. Somos habitados por todos os que cativaram nossa atenção em
algum momento do trajeto. Afetos não se desfazem, apenas se transformam.
Alegrias viram saudade. Feridas se tornam cicatrizes.
Assim como temos um DNA que nos difere de todos os demais seres humanos, nossas experiências e relações nos fornecem um tipo de DNA existencial que nos torna únicos, indivíduos absolutamente autênticos. Ainda que tais elementos sejam encontrados em outros, a ordem sequencial em que se apresentam em nossa composição é absurdamente única. Portanto, enquanto caminhamos, somos seres inacabados à espera de novos elementos que nos comporão.
Assim como temos um DNA que nos difere de todos os demais seres humanos, nossas experiências e relações nos fornecem um tipo de DNA existencial que nos torna únicos, indivíduos absolutamente autênticos. Ainda que tais elementos sejam encontrados em outros, a ordem sequencial em que se apresentam em nossa composição é absurdamente única. Portanto, enquanto caminhamos, somos seres inacabados à espera de novos elementos que nos comporão.
A tão desejada Terra Prometida se insinua no horizonte. Mas nossa
visão é bloqueada por uma cordilheira montanhosa. As mesmas montanhas que bloqueiam nossa
visão, servem-nos de plataforma para possibilitar que enxerguemos mais longe.
Tudo vai depender de onde nos pusermos, se nos pés do monte ou em seu topo. A
fé nem sempre remove montanhas. Às vezes ela nos faz escalá-las.
Quem tentar rodeá-las estará fadado a andar em círculo.
Dificuldades superadas nos servem como referências
geográficas nesta paisagem interior. Sabemos de onde viemos e para onde estamos
indo.
Porém, mais importante do que a viagem, não é apenas o
destino em si, mas, sobretudo, a companhia.
Feliz é quem, em vez de buscar seguidores, procura por companheiros. As areias do deserto não nos permitem deixar rastro. Como, então, poderão nos seguir?
Todavia, não estamos abandonados à própria sorte. Seguimos a
nuvem. A mesma que nos aquece durante as noites gélidas e nos refresca sob o
sol escaldante. Seguimos Àquele que está acima de nós. O único que foi capaz de
enfrentar o deserto sozinho. Não seguimos uns aos outros. Seguimos ao Ressurreto,
enquanto oferecemos companhia aos que compartilham da mesma travessia.
Qual será nossa surpresa quando finalmente atravessarmos o
Jordão da nossa existência e reencontrarmos lá todos os que nos ofereceram sua
companhia ao longo do trajeto.
Não existe “adeus”! No máximo um “até logo”. Por vezes, o reencontro
se dá antes mesmo do Jordão. As contingências da vida faz com que a gente se
perca, e eventualmente se ache e seja achado. Mas, se porventura, não nos
esbarrarmos mais durante a viagem, certamente nos veremos para além do rio,
onde nada mais passará, mas durará para sempre.
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