Por Hermes C. Fernandes
“Eu era feliz e não sabia!” Li
esta frase, se não me engano, pichada no muro de uma estação de trem durante o
governo José Sarney. Quem a escreveu não pretendia homenagear Ataulfo Alves, o
brilhante compositor que a escreveu na linha final da canção "Meus tempos de criança", em que celebra as memórias
de sua infância. Em vez disso, seu propósito era expressar a saudade que sentia
do período da Ditadura Militar. O fato é que o primeiro governo civil que
tivemos depois de vinte anos de ditadura foi uma lástima. A inflação explodiu.
O desemprego e a violência urbana, idem.
Quem nunca se viu tomado por um
sentimento de nostalgia que atire a primeira pedra. Ah, meu tempo de criança... A gente tem por hábito achar
que o passado foi muito melhor do que o presente. Todavia, a recomendação das
Escrituras vai da direção oposta:
“Nunca digas:
Por que foram os dias passados melhores do que estes? Porque não provém da
sabedoria esta pergunta.”
Eclesiastes 7:10
Cada
etapa de nossa peregrinação existencial serve a um propósito maior. Se há, de
fato, um tempo áureo, este se encontra no futuro, não no passado. Por isso,
somos convocados a cultivar a flor da esperança e não da nostalgia.
O salmo 137 expressa
eloquentemente este sentimento:
“Junto aos rios da Babilônia, ali nos
assentamos e choramos, quando nos lembramos de Sião. Sobre os salgueiros que há
no meio dela, penduramos as nossas harpas. Pois lá aqueles que nos levaram
cativos nos pediam uma canção; e os que nos destruíram, que os alegrássemos,
dizendo: Cantai-nos uma das canções de Sião. Como cantaremos a canção do Senhor
em terra estranha?” Salmos 137:1-4
O que se poderia esperar de alguém
naquelas condições? Como esperar ouvir canções de quem fora tirado à força de
sua terra e levado cativo para uma terra estranha? Para os judeus havia chegado
a hora de pendurar suas harpas. Não fazia o menor sentido celebrar durante um
tempo de cativeiro. Para eles, a felicidade habitava em algum lugar do passado.
Eles adorariam se as profecias de que passariam apenas alguns dias na Babilônia
fossem verdadeiras. Mas em vez disso, Jeremias os importunava dizendo que sua estada
ali abrangeria várias gerações.
Mas o que seriam 70 anos de
cativeiro na Babilônia para quem já havia amargado mais de 400 anos de
escravidão no Egito? Antes cativo por duas gerações do que escravo por dez.
A verdade é que as pessoas nunca
estão satisfeitas com o presente e em vez de se projetarem para o futuro,
preferem murmurar e cogitar o quão felizes já foram um dia. Se rebobinassem a fita um pouco mais, veriam
que antes de chegarem a Sião, amargaram 40 anos de peregrinação no deserto, e
antes disso, 400 anos de serviços forçados no Egito.
A felicidade não está em algum
lugar do passado, mas em algum lugar do porvir. E quanto mais retrocedermos ao
passado, mais distantes estaremos dela. A ordem é avançar (Fp.3:13). Se não for
possível agora, é melhor marcar passo por alguns instantes do que andar para
trás. Afinal de contas, Deus não tem prazer nos que retrocedem (Hb. 10:38).
Não importa em que etapa
estivermos, sempre haverá quem reclame e expresse saudade do passado. Durante
sua marcha pelo deserto, o povo hebreu sentiu falta das cebolas do Egito,
esquecendo-se de quão dura havia sido sua estada naquela nação (Nm.11:5). Eles
chegam a dizer que tudo o que recebiam no Egito vinha-lhes de graça. E as
chibatadas? E ver os filhos trabalhando sem qualquer perspectiva, não conta?
A verdade é que insistimos em
nutrir uma visão romântica do passado. O tempo dos nossos avós é que era bom.
Havia mais cavalheirismo, dirão as mulheres. E quanto a ser tratada como objeto
pelo marido, não conta? Não faz tanto tempo assim que as mulheres nem sequer
podiam votar. E se o marido a matasse alegando ser para lavar a sua honra,
nenhum juiz o condenaria.
Quantas vezes tenho ouvido meus
filhos dizerem que prefeririam ser jovens nos anos 70 ou 80. Posso até
concordar que a música era bem melhor do que as que ouço hoje nas rádios. Mas,
sinceramente, não trocaria este tempo por nenhum outro da história. Quem tem a
minha idade sabe o que é viver na expectativa de que a qualquer momento poderá
estourar uma guerra nuclear que dizimará a população mundial. Conhece também a
fúria de uma inflação galopante. O mesmo pacote de biscoito que se comprava por
um preço pela manhã no supermercado, custaria mais caro depois do meio-dia.
Somente os ricos tinham telefone em casa, carro, geladeira e TV colorida. Não
tenho saudade disso.
Saímos do Egito da Ditadura Militar, atravessamos o deserto dos primeiros governos civis depois de duas décadas, e agora aspiramos pela terra prometida de uma nação mais justa, menos corrupta, mais solidária, menos preconceituosa. Cada governo deu sua contribuição neste processo, e algumas vezes, também contribuiu para o retrocesso. Porém, devemos lealdado ao futuro e não a uma ideologia, partido ou candidatura em particular.
Saímos do Egito da Ditadura Militar, atravessamos o deserto dos primeiros governos civis depois de duas décadas, e agora aspiramos pela terra prometida de uma nação mais justa, menos corrupta, mais solidária, menos preconceituosa. Cada governo deu sua contribuição neste processo, e algumas vezes, também contribuiu para o retrocesso. Porém, devemos lealdado ao futuro e não a uma ideologia, partido ou candidatura em particular.
A jornada no deserto deveria ter
durado quarenta dias. Mas por causa da saudade do Egito, durou quarenta anos.
Foi mais fácil tirá-los do Egito do que tirar o Egito deles.
Que Deus nos livre e guarde de
uma nova ditadura, seja de esquerda ou de direita, militar ou civil. Enfrentemos o que tivermos que enfrentar, mas
não retrocedamos. Se não houver motivos para celebrar, penduremos nossas
harpas, adiemos nossa esperança por mais um prazo, mas não nos entreguemos ao
desespero, nem retornemos ao Egito.
O exílio na Babilônia equivalia à
estadia num hotel cinco estrelas em comparação ao tempo de escravidão egípcia.
Pelo menos, o que nos pedem na
Babilônia é que cantemos as canções de Sião. O que nos pediam no Egito era que
construíssemos seus palácios ao poder de chibatadas.
Os filhos de Israel chegaram ao
Egito como convidados especiais de Faraó, devido ao seu parentesco com José,
então governador do país. Na medida em que foram se multiplicando, tornaram-se
alvo de preocupação. Um novo Faraó se levantou e, por não ter conhecido a José,
não teve qualquer consideração pelos hebreus. Para evitar um levante, tornou-os
escravos. Já na Babilônia, os judeus chegaram como exilados. Não eram forçados
a nada. Só não podiam voltar à sua terra. Alguns foram levados ao palácio do
rei e tratados como príncipes, dentre eles, Daniel. Pelo menos, havia perspectiva de ascensão.
No Egito, eles trabalharam na
construção de palácios para os egípcios. Na Babilônia, tinham a oportunidade de
construírem suas próprias casas, plantarem seus jardins, casarem seus filhos,
etc. (Jer. 29:4-7).
Quanto maiores os direitos e
privilégios, maiores também as responsabilidades.
Enquanto estavam no Egito, foram poupados das
pragas enviadas por Deus. Somente os egípcios eram atingidos (Êx.10:21-23). Mas
na Babilônia, foram instruídos pelo profeta Jeremias a trabalharem pela
prosperidade da cidade, pois se ela prosperasse, eles igualmente prosperariam.
Trata-se, portanto, de um paradigma diferente do egípcio. Na condição de
escravos, Deus os protegia das pragas. Mas na condição de cativos, tudo o que
ocorresse à cidade, igualmente os acometeria.
Creio que vivemos neste paradigma
nos dias atuais. Deus não nos tem colocado numa redoma. Como disse o escritor
de Eclesiastes, “tudo sucede igualmente a todos: o mesmo sucede ao justo e ao
ímpio, ao bom e ao mau” (Ecl.9:2). Não é em vão que Pedro se dirige à igreja
como aquela que habita na Babilônia (1 Pe.5:13). A ordem, portanto, é que nos
insiramos em seu contexto social, cultural, político e econômico, buscando
fazer a diferença em vez de ficar nos lamentando de saudade de Sião.
E não adianta recorrermos ao Egito em busca de ajuda contra a Babilônia (Is.30:1-3). Deixemos o Egito onde ele deve ficar, nas páginas do livro de história (Êx.14:13). O que nos espera à frente é uma terra que mana leite e mel. Enquanto atravessamos o deserto, aproveitemos o maná que cai do céu, sem nos esquecer de que, tão logo atravessemos o Jordão, o maná cessará, pois viveremos daquilo que cultivarmos na terra da promessa.
Cada nova etapa tem suas
próprias demandas. Não se pode viver em Canaã como se perambulasse ainda pelo
deserto. Como não se pode viver em Babilônia como se vivesse na escravidão do
Egito. No dizer de Paulo, "quando eu era menino, falava como menino, pensava como menino; desde que me tornei homem, deixei as coisas de menino" (1 Co. 13:11),
Aproveitando a proximidade do dia das crianças, quero dizer que até tenho saudade da minha infância, mas não do meu tempo de criança. Acho que preferiria ser menino hoje...rs
Deus te abençoe por este texto! Temos que melhorar dia a dia os erros passados para alcançarmos o aperfeiçoamento... O passado é a sabedoria de hoje!
ResponderExcluirexcelente texto!! Meus Parabéns!!
ResponderExcluirHermes, este Kichute aí na foto acima, quem tinha este tênis era o cara na época.
ResponderExcluirEra uma porcaria de tênis, mas dava até para jogar futebol de campo com ele.
Eu não tinha chuteira na época e jogava com o kichute, e dava certo,
hehehe.
Fora o chulé que ele fazia nos pés.
Mas eu curita este tênis.
rsss....
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