quarta-feira, março 31, 2021

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PASTORES ENTREGARAM OUTROS PASTORES PARA SEREM TORTURADOS DURANTE O REGIME MILITAR



Por Hermes C. Fernandes 

É assustador notar que depois de mais de cinquenta anos do golpe militar, boa parte da liderança evangélica brasileira sinta-se atraída pela possibilidade de que o país retroceda e volte aos "anos dourados" da ditadura. Razão pela qual resolvi postar novamente este artigo que oferece um vislumbre do que foram os anos que se seguiram e de quanto alguns setores da igreja evangélica se beneficiaram do regime, apoiando-o a ponto de pastores entregarem seus colegas para serem torturados.

Durante os primeiros anos do regime militar, os grandes centros do Brasil experimentaram uma enxurrada de pregadores norte-americanos. Com suas tendas portáteis, eles pregavam uma versão do evangelho diluída em uma ideologia reacionária, com discurso notavelmente fundamentalista e declaradamente anti-comunista. Esses movimentos foram os matizes do neo-pentecostalismo brasileiro. Qualquer vertente protestante ou católica socialmente engajada era considerada subversiva, e por isso, tinha que ser combatida. Nesta mesma época o Brasil importava dos EUA o movimento de renovação carismática da igreja católica.

Os militares, atendendo aos interesses do imperialismo americano, perceberam que uma religiosidade mais mística, que promovesse alienação nas camadas populares, inibiria a emergência de uma consciência crítica da realidade. A ênfase exacerbada nos dons espirituais, nas manifestações prodigiosas, somada a uma escatologia escapista, se incumbiriam de manter as pessoas distraídas, enquanto a agenda política americana fosse implantada na América Latina (o mesmo aconteceu no Chile e na Argentina). O fruto disso tudo é o estado atual em que se encontra a igreja brasileira. Lamentável. Deprimente. Para não dizer, desesperador.

Quanto aos pastores delatores, alguns achavam estar prestando um serviço à causa de Deus, e se tornaram marionetes nas mãos dos poderosos. Outros, porém, eram movidos pela ganância e a ambição do poder. Desde então, a igreja evangélica brasileira vem se promiscuindo, aliando-se às famigeradas oligarquias que têm governado este país desde as capitanias hereditárias, em vez de denunciar as injustiças e os descalabros do poder, desperdiçando, assim, a oportunidade de ser voz profética em favor dos que não têm voz.

Temo que a presente animosidade que tem dividido nosso povo tenha chegado também à classe pastoral, e que isso possa gerar disposição semelhante à de outrora; senão de entregar colegas à prisão, pelo menos usar as redes sociais e os púlpitos para desmoralizá-los pelo simples fato de não esboçarem uma visão reacionária ou por não apoiarem o atual governo. Deixa-me perplexo ver homens que têm dado uma grande contribuição à evangelização do país sendo vítimas deste patrulhamento ideológico, execrados por companheiros que antes os apoiavam. Eu mesmo já recebi comentários inusitados em minhas páginas nas redes sociais. Fui chamado de patife, esquerdopata, herege; e o pior de tudo é que isso partiu de irmãos em Cristo. Eles apenas repetem exaustivamente o que ouvem de seus gurus e mentores espirituais. Se, de fato, almejamos dias melhores, temos que aprender a conviver com o contraditório, sem nos ressentir nem sair por aí ofendendo a quem quer que seja. Por favor, mais amor, menos rancor. 

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O Ato Institucional Número Cinco foi o quinto de uma série de decretos emitidos pelo regime militar nos anos seguintes ao Golpe militar de 1964 no Brasil. Redigido pelo Presidente Artur da Costa e Silva em 13 de dezembro de 1968, veio em represália à decisão da Câmara que se negara a conceder licença para que o deputado Márcio Moreira Alves fosse processado por um discurso pedindo ao povo brasileiro que boicotasse as festividades do dia 7 de setembro. Mas o decreto também vinha no correr de um rio de ambições, ações e declarações pelas quais a classe política fortaleceu a chamada linha dura do regime instituído pelo Golpe Militar. O Ato Institucional Número Cinco, ou AI-5, foi um instrumento de poder que deu ao regime poderes absolutos e cuja primeira consequência foi o fechamento do Congresso Nacional por quase um ano.

O AI-5 era o endurecimento do regime militar. A tortura tornou-se instrumento de política de Estado e a repressão entrou na sua fase mais violenta. Começava então o estranhamento entre o governo militar e a Igreja Católica, principalmente com o setor progressista, defensor da Teologia da Libertação, uma leitura da inspiração marxista do Evangelho. Aquele foi o único espaço que realmente encarou a ditadura. Até jovens evangélicos abandonados por suas igrejas encontraram apoio nos progressistas católicos. Diante do silêncio da maioria das igrejas evangélicas, para muitos seminaristas e pastores, a Igreja Católica tornou-se um grande guarda-chuva onde podiam se abrigar.

Em Volta Redonda, no sul do Estado do Rio de Janeiro, o pastor batista Geraldo Marcelo foi preso três vezes como agente da subversão, chegando a ficar 43 dias em poder dos militares. Ex-funcionário da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e membro do Conselho Fiscal do Sindicato dos Metalúrgicos, o religioso, hoje com 84 anos, superou os traumas e relembra dos cultos que realizava na cadeia: “Cinco companheiros se converteram e um deles hoje é pastor”, aponta. A mesma sorte não teve Anivaldo – preso em 1970, ele permaneceu 11 meses incomunicável no famigerado Departamento de Operações e Informações - Centro de Operações e Defesa Interna, o DOI-Codi, principal órgão de repressão do regime militar. Sofrendo torturas diárias, pensou em suicídio para não sucumbir à coação para entregar os amigos e irmãos de fé. “Eu pensava em me matar. A pressão era muito grande. Só que eu era forte – precisava de cinco, seis, para me torturar”, conta, ainda visivelmente comovido com as lembranças. “Foi pela ação de Deus que eu não morri. Eu me sentia como Jesus, querendo passar de mim aquele cálice de dor”.

Por sua vez, Anivaldo soube pelos torturadores que foi denunciado por um pastor e um bispo da Igreja Metodista. Mas a certeza só veio quando, anos depois, teve acesso à sua documentação nos arquivos da ditadura. “No meu processo está o bilhete que o pastor José Sucasas Junior e seu irmão, o bispo Isaías Sucasas, mandaram ao coronel Faustine, diretor do Serviço Nacional de Informações e presbiteriano, me entregando. Havia uma aliança implícita entre os setores conservadores da Igreja e os órgãos de repressão”, denuncia. A falta de registros históricos do período da ditadura pela Igreja Evangélica é uma das formas de não revelar seus paradoxos. A mesma denominação que o delatou também tinha setores que o apoiavam e à sua família. “Houve um bispo que tentou me visitar e não conseguiu. Igrejas oraram em atos de fé e coragem”.

Deduragem – Luiz Caetano Grecco Teixeira, também preso após o AI-5, lembra que a “deduragem era fenomenal” entre os crentes e até entre pastores e as próprias ovelhas. Ele conta que, numa reunião de oração de estudantes cristãos, uma então líder da Aliança Bíblica Universitária, a ABU – hoje, pregadora conhecida – entregou ativistas aos agentes da repressão que entraram no recinto. Entre eles, estava Mozart Noronha, que na época era crente presbiteriano e hoje é pastor luterano no Rio. O nome da mulher, Grecco não revela. “É um acerto de contas pessoal”, justifica.

Para ele, a partir de 1970 houve um desmonte da consciência política da Igreja Evangélica brasileira, movimento com influência americana: “Veio para cá o chamado grupo da Califórnia, da extrema direita protestante americana, uma organização com muito dinheiro.” A ação do movimento consistia em enviar ao Brasil professores de teologia e recursos para tocar projetos educacionais ligados a igrejas. “Era a direita se fortalecendo dentro da Igreja."

A partir dali, começou a falência da Escola Bíblica dominical e o fortalecimento do modelo eclesial americano”, avalia Gracco.Percival de Souza, que em 1968 era repórter do Jornal da Tarde, em São Paulo, foi duas vezes enquadrado na Lei de Segurança Nacional, acusado de jogar o povo contra os militares através de suas matérias. Denunciado na Justiça Militar, o jornalista diz que não recebeu nenhuma palavra de apoio da igreja a que pertencia: “Só não fui preso pelos desígnios divinos”, comenta.

Enquanto o regime prendia pessoas que sequer sabiam porque eram detidas, Percival lembra que movimentos extremistas de esquerda executavam sumariamente companheiros que consideravam ter práticas burguesas. Ele conta um episódio curioso: “Um casal de militantes comunistas foi repreendido simplesmente por cantar "parabéns pra você" no aniversário da filha”. Percival também faz questão de contar que Diógenes de Oliveira, que durante o regime pertencia ao movimento revolucionário, em 2001 foi acusado de fazer acordo com a polícia para não incomodar o jogo do bicho, em Porto Alegre (RS), quando era coordenador financeiro da campanha de Olívio Dutra à reeleição para o governo do Estado. “Escapamos da ditadura militar e entramos na ditadura da mediocridade, inclusive na Igreja”, conclui Percival.

Comissão da Verdade vai apontar religiosos que ajudaram a ditadura

A Comissão Nacional da Verdade criou um grupo para investigar padres, pastores e demais sacerdotes que colaboraram com a ditadura militar (1964-1985), bem como os que foram perseguidos. 

“Os que resistiram [à ditadura] são mais conhecidos do que os que colaboraram”, afirmou Paulo Sérgio Pinheiro, que é o coordenador desse grupo. “É muito importante refazer essa história." 

Ele falou que, de início, o apoio da Igreja Católica ao golpe de Estado “ficou mais visível”, mas ela rapidamente se colocou em uma “situação de crítica e resistência.” 

O bispo Carlos de Castro, presidente do Conselho de Pastores do Estado de São Paulo, admitiu que houve pastores que trabalharam como agentes do Dops, a polícia de repressão política da ditadura. Mas disse que nenhuma igreja apoiou oficialmente os militares. 

No ano passado, a imprensa divulgou o caso do pastor batista e capelão Roberto Pontuschka. De dia ele consolava os presos, falando sobre Deus, e à noite os torturava. Em maio deste ano, a Comissão de Anistia concedeu indenização ao evangélico Anivaldo Padilha, 72, que foi denunciado ao regime pelo bispo Isaías Fernando Sucasas e pastor José Sucasas Jr, da Igreja Metodista. Os sacerdotes desses casos já morreram. 

O batista Enéas Togninini, 97, é um religioso que ficou do lado da repressão militar. Ele chegou a pedir aos aos fiéis um dia jejum e oração ao regime. "Não me arrependo porque eles [os militares] fizeram um bom trabalho", disse ele recentemente à revista Istoé. "Salvaram a pátria do comunismo."

O novo grupo da Comissão da Verdade vai pesquisar documentos, depoimentos, teses e arquivos internacionais. O resultado desse trabalho será divulgado em um relatório final. 

"Podemos indicar elementos de igreja que trabalharam como informantes da ditadura, mas não condená-los", disse Pinheiro.

Pastor torturava à noite presos da ditadura e de dia falava da Bíblia

O pastor batista e capelão Roberto Pontuschka era um assíduo frequentador dos porões da ditadura militar (1964-1985). À noite ele torturava os presos políticos, no pau de arara, e de dia os consolava falando de Deus e lhes dava exemplares do Novo Testamento. Entre os presos, havia evangélicos, como o presbiteriano Rubem Cesar Fernandes, 68.

Fernandes foi preso em 1962 pelos policiais da Oban (Operação Bandeirantes) por ser militante estudantil. Ele disse ter sido dedurado por pastores por ser considerado “elemento perigoso”. Até hoje o antropólogo não se conforma: “Não é justificável usar o poder militar para prender irmãos”.

Outras histórias como a de Fernandes estão vindo à tona a partir do exame das cópias de documentação de tribunais militares que o CMI (Conselho Mundial de Igrejas), organização internacional ecumênica, acaba de repatriar ao Brasil. Mais de um milhão de páginas estavam protegidas em Chicago, no Center For Research Libraries. Sem que os militares suspeitassem, as cópias foram feitas quando os advogados dos presos retiravam dos tribunais os processos para examiná-los por 24 horas.

Os militantes de oposição à ditadura sempre acusaram as igrejas evangélicas de terem dado apoio à repressão, diferentemente da Igreja Católica de dom Paulo Evaristo Arns, arcebispo de São Paulo, que se colocou na linha de frente da resistência ao regime.

A documentação do CMI confirma a conivência institucional dos evangélicos.

Anivaldo Padilha foi torturado pela ditadura militar.

Padilha foi denunciadopor pastores metodistas

Anivaldo Padilha, hoje com 71 anos, foi denunciado pelo pastor José Sucasas Jr. e pelo bispo Isaías Fernandes Sucasas, ambos metodistas e já falecidos.

Padilha foi torturado por 20 dias no DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna) de São Paulo entre fevereiro e março de 1970. Estava com 29 anos. Era metodista e estudava ciências sociais na USP (Universidade de São Paulo). O trauma quase o levou ao suicídio. Viveu 13 anos no exílio.

Preso em 1969, Leonildo Silveira Campos foi torturado por dez dias. Estava com 21 anos e era seminarista da Igreja Presbiteriana Independente. Hoje é teólogo e professor de ciências da religião na Umesp. Ele também não se esqueceu das “pregações” de Pontuschka, o pastor torturador.

Zwinglio Mota Dias, 70, hoje pastor emérito da IPU (Igreja Presbiteriana Unida do Brasil), foi expulso em 1962 do Seminário Presbiteriano de Campinas porque defendia que a salvação das almas passava pelas questões sociais. Outros 38 seminaristas foram expulsos.

Na Faculdade de Teologia de São Paulo, da Igreja Metodista, o pastor Boanerges Ribeiro, presidente na época da denominação, “convidou” alunos e professores a se retirarem.

Anivaldo Padilha afirmou que vários evangélicos colaboraram com a repressão, delataram irmãos e assumiram o discurso dos militares. “Eu acreditava ser impossível que alguém que se dedica a ser padre ou pastor, cuja função é proteger suas ovelhas, pudesse dedurar alguém.”

Ele contou que anos depois se encontrou com um de seus torturadores em um Carnaval e o perdoou. “O perdão, para mim, foi uma forma de exorcizar os demônios das torturas que me causaram pesadelos durante quase seis anos”.

Mas nem por isso os torturadores devem ficar impunes, disse.

“A punição deles é importante para resgatar a dignidade dos que foram torturados, da memória dos assassinados, das famílias que não puderam ainda sepultar seus membros desaparecido.”

Fontes: Wikipédia, Eclésia, Istoé e Blog do Paulo Lopes


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