quarta-feira, julho 06, 2016

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Topa brincar com coisa séria?



Por Hermes C. Fernandes 

“Toda criança quer ser homem. Todo homem quer ser rei. 
Todo rei quer ser Deus. Só Deus quis ser criança.” 
Leonardo Boff 

Recriançar-se é voltar a enxergar o mundo como um imenso playground. Tudo passa a ser ressignificado. Criança brinca. Adulto trabalha. Ambos transpiram com o que fazem. A diferença é que o que a criança faz é meramente por prazer, enquanto o adulto encara o trabalho geralmente como dever. É a busca pela criança que se perdeu dentro de si que faz com que o adulto se entregue a uma busca desenfreada por prazer, seja pelo uso de entorpecentes, pela prática sexual promíscua e irresponsável, pelo jogo, e até pelo trabalho quando se torna um workaholic. 

Para o adulto, o mundo perdeu sua magia. As cores que tingem a vida se desbotaram. Aos poucos, a vida vai se tornando num tédio insuportável. Ele já nem lembra qual foi a última vez em que fez algo pela primeira vez. Para a criança, tudo é novo, tudo é descoberta. Recriançar-se, portanto, é redescobrir o aspecto lúdico da vida. É romper com a rotina, surpreendendo a retina. É permitir que as coisas simples do cotidiano se revistam de um significado extraordinário. A vida deixa de ser reprise para ser remake. A monotonia cede à politonia e ao ineditismo. 

Quando um adulto redescobre o prazer de ser criança, o trabalho se torna numa grande brincadeira. Não que perca a seriedade, mas deixa de ser visto como castigo. O processo passa a ter mais importância do que o resultado. A satisfação independe da gratificação econômica, que passa a ser visto apenas como um reforço positivo. 

Até o sexo recobra sua natureza lúdica. A pressão se dissolve. O intercurso sexual é como brincar numa gangorra, onde os parceiros se alternam para dar e receber prazer reciprocamente. Ou como brincar de balanço, desejando impulsionar seu parceiro a alcançar as alturas. 

São Paulo dizia que deveríamos ser adultos no entendimento, porém, crianças na malícia. Portanto, recriançar-se não é tornar-se inconsequente, ingênuo, sem noção do perigo que nos rodeia. Somos crianças que cresceram, que adquiriram know how da vida, que entendem os mecanismos deste mundo. Todavia, quando baixamos o programa da maturidade, nosso antivírus identificou um malware, isto é, um programa malicioso, e o colocou de quarentena. Um dia ele será totalmente erradicado. 

É a malícia que trava nossa máquina, deixando nosso sistema inoperante. Submeter-se à sua nefasta influência equivale a sabotar a própria existência. Desprovidos de malícia, a vida recobra seu encantamento original. Afinal, “todas as coisas são puras para os puros” (Tito 1:15). Como costumava cantar Gonzaguinha: "Eu fico com a pureza da resposta das crianças: é a vida, é bonita e é bonita." Somente as crianças conseguem enxergar a beleza que há na vida. É aquela velha estória: "se os teus olhos forem bons, todo teu corpo terá luz; se, porém, os teus olhos forem maus, o teu corpo será tenebroso. Se, portanto, a luz que em ti há são trevas, quão grandes são tais trevas!" (Mateus 6:22-23). 

Lamentavelmente, a maioria parece adotar uma visão de mundo inversa à proposta por Paulo. Tornamo-nos adultos na malícia, e crianções no entendimento. É como quem acaba de dar uma geral no carro, mas se esqueceu de limpar o para-brisa. A lataria está tinindo. Os estofados, idem. O tanque cheio. O óleo no nível ideal. Mas a visibilidade do motorista é prejudicada de modo que se torna impossível dirigir sem o risco iminente de colidir. 

Por isso, Jesus disse que se não voltarmos a ser crianças, experimentando o que ele chama de “nascer de novo”, não estaremos habilitados nem a ver, tampouco a entrar no reino de Deus. 

Adultos são sempre barrados no baile do reino. A senha que libera sua entrada é o novo nascimento, que nada mais é do que recriançar-se. Recorrendo novamente à analogia do computador, é como voltar o sistema àquele ponto em que ainda não havia sido contaminado. É reiniciar a máquina. A partir daí, qualquer programa roda com leveza e a vida passa a fluir naturalmente. 

E aí, tá a fim de brincar com coisa séria?

Um comentário:

  1. Que texto espetacular !!! Extremamente útil, aliás, como são mesmo todos os textos do Pr Hermes !

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