Era um domingo chuvoso de novembro de 2013, quando às 7h da manhã o trecho central do Elevado da Perimetral próximo ao centro da cidade do Rio de Janeiro foi implodido. Foi necessária mais de uma tonelada de explosivos para transformar a via em escombros e poeira, muita poeira. Uma estrutura que levou anos para ser concluída foi ao chão em apenas cinco segundos. Porém, foram necessários vários para a remoção do entulho.
Enquanto assistia pela TV ao circo montado em torno da implosão, ocorreu-me a passagem em que Jesus diz aos discípulos que estavam estupefatos ante à suntuosidade do templo em Jerusalém: “Não vedes tudo isto? Em verdade vos digo que não ficará aqui pedra sobre pedra que não seja derrubada” (Mt.24:1-2)
Aquele templo era o coração da fé judaica, e o que havia restado do orgulho de uma nação dominada por legiões estrangeiras. Era, por assim dizer, a prova de que Israel já havia vivido tempos gloriosos, e a esperança de que um dia voltaria a vive-los. Séculos antes, o templo fora derrubado pelos babilônios, mas reconstruído após um exílio de setenta anos.
Pouco tempo antes da sentença proferida por Jesus, o templo havia passado por sua última reforma. Foi Herodes, o rei postiço, que, no afã de conquistar a admiração dos judeus, resolveu torná-la ainda mais suntuosa do que nos dias de Salomão, seu construtor.
Dias antes, Jesus promoveu um choque de ordem ao entrar no templo e deparar-se com os cambistas e mercadores que o transformavam numa enorme feira livre. Munido de chicote, o mestre galileu os pôs para fora, derrubando suas mesas, soltando os animais destinados ao sacrifício e denunciando sua ganância. “Minha casa será chamada casa de oração, mas vós a transformaste num covil de ladrões!”, vociferava.
Uma vez restaurada a ordem, tudo indicava que o templo ainda se manteria de pé muitos séculos. Porém, Jesus surpreende a Seus discípulos garantindo-lhes que não ficaria pedra sobre pedra. Aquela estrutura conhecida como “casa de Deus” tornara-se obsoleta. Seu prazo de validade estava prestes a ser expirado. Em seu lugar, Deus construiria um templo feito de pedras vivas, destinado a durar para sempre (1 Pe.2:5). Nesse templo feito de gente, cumprir-se-ia a profecia de que “a glória da última casa será maior que a primeira” (Ageu 2:9).
Como em qualquer demolição, o primeiro passo é o aviso prévio. Isso Jesus já fizera, conforme vimos. O segundo passo é a interdição. Esta se deu no momento exato em que Jesus consumou Sua obra na cruz.
Lemos que, do alto do Gólgota, ao render Seu espírito a Deus, “o véu do templo se rasgou em dois, de alto a baixo” (Mt.27:50).
O véu que tinha uma espessura de cerca de 10 centímetros era uma espécie de cortina pesada que separava o mais consagrado dos recintos do templo, o Santo dos Santos, onde ficava a Arca da Aliança, símbolo da presença de Deus entre o Seu povo. Somente o sumo-sacerdote, uma vez ao ano, podia adentrá-lo. E para tal, tinha que levar consigo o sangue do sacrifício de um cordeiro puro, perfeito e sem mácula. Era como se a glória de Deus estivesse confinada àquele recinto, sendo acessível somente mediante sacrifício. Este era o caminho para que o homem se chegasse a Deus.
Todavia, Aquele que Se apresenta como “o caminho, a verdade e a vida”, inaugurou-nos uma nova via de acesso a Deus, não mais mediante sacrifícios de animais, mas unicamente por Seu próprio sacrifício.
Quando Se oferece ao Pai em sacrifício, o véu do templo se rasga de cima a baixo, indicando que esta nova via era uma iniciativa do próprio Deus e não do homem. A partir daí, todo e qualquer sacrifício que fosse oferecido a Deus já não seria reconhecido. Aquele velho caminho indicado pela Lei Mosaica estava interditado para sempre. Por isso, o escritor sagrado nos desafia a usar de “ousadia para entrar no Santo dos Santos, pelo sangue de Jesus, pelo novo e vivo caminho que ele nos inaugurou, pelo véu, isto é, pela sua carne” (Hb.10:19-20).
Por mais que a religião busque costurar aquele espesso véu de separação, Deus jamais receberá novamente o homem através daquele velho caminho. Aquela aliança, de tão velha, caducou.
Já ouvi de alguns que nos últimos dias Deus reergueria aquele templo e os sacrifícios seriam reeditados. Nada mais longe da verdade do que isso. Para que Deus voltasse a aceitar tais sacrifícios, o sacrifício de Seu Filho Jesus teria que perder a validade. Ainda que alguém ouse reconstruir o templo de Jerusalém, Deus não habitará nele. E se oferecerem sacrifícios, Deus não os receberá.
A próxima etapa da demolição é a detonação.
O templo em Jerusalém não era o problema em si. Mas era o símbolo maior de uma mentalidade que precisava ser transformada. Somente a pregação do evangelho, a boa nova do reino, poderia derrubar os paradigmas religiosos que mantinham aquele povo refém.
De acordo com Paulo, o evangelho é o poder de Deus (Rm.1:16). O vocábulo grego traduzido por “poder” é dynamus, de onde se origina a palavra “dinamite”. Quando a verdade é exposta, o engano vem ao chão. Não precisamos recorrer a nenhum outro artifício. Basta-nos a verdade do evangelho, sem rodeios ou firulas. Sem estratégias mirabolantes. Sem retóricas estéreis. Apenas o anúncio da obra consumada na cruz.
Tentar subverter uma mentalidade arraigada por séculos através de estratégias humanas como reprogramação neurolinguística ou algo do gênero é como querer derrubar o elevado da perimetral com estalinhos de festa junina. Para derrubar a perimetral foram necessários mil e duzentos quilos de explosivos.
As armas às quais devemos recorrer não são carnais, “mas poderosas em Deus, para demolição de fortalezas. Derribando raciocínios e toda altivez que se ergue contra o conhecimento de Deus, e levando cativo todo pensamento à obediência a Cristo” (2 Co.10:4-5).
Nossa cosmovisão, construída a partir de pressupostos, crenças e paradigmas, precisa ser implodida para dar lugar à cosmovisão do reino de Deus. No dizer do escritor sagrado, deve-se promover “a remoção das coisas abaláveis (...) para que permaneçam as coisas inabaláveis” (Hb.12:27). Não pode ficar pedra sobre pedra! Todos os nossos pensamentos devem ser levados cativos à obediência de Cristo. Nossas suposições devem passar pelo escrutínio da Palavra. Uma vez instalada a consciência do reino inabalável, “retenhamos a graça, pela qual sirvamos a Deus agradavelmente, com reverência e temor” (Hb.12:28).
É como desinstalar um sistema operacional do computador para instalar outro em seu lugar. Até os ícones de tela são diferentes. Programas que rodavam no anterior, já não rodam no atual. Tudo precisa ser atualizado. Porém, se o seu computador não for compatível com o novo sistema operacional, de nada adiantará tentar instalá-lo. Não perca seu tempo. Troque a máquina.
O templo em Jerusalém não poderia conter a glória da nova aliança. Seria como derramar vinho novo em odres velhos.
A penúltima etapa da demolição é a implosão.
BOOM! Em segundos, tudo vai ao chão. Uma nuvem de poeira se levanta. A velha estrutura não existe mais.
Não era suficiente que o véu do templo se rasgasse de cima a baixo. O escritor de Hebreus diz que enquanto aquele templo estivesse de pé, o caminho do Santo dos Santos não estaria totalmente descoberto (Hb.9:8). Mesmo com o véu rasgado, os sacerdotes prosseguiram em seus sacrifícios. O velho caminho, apesar de interditado, continuou sendo trilhado. O problema só seria resolvido quando já não restasse pedra sobre pedra.
Foi no ano 70 d.C. que as legiões romanos, sob o comando de Tito, invadiram Jerusalém e destruíram por completo o seu soberbo templo. Isso ocorreu cerca de quarenta anos depois das predições de Cristo de que não passaria aquela geração sem que tudo se cumprisse.
Com a derrubada do templo, o cordão umbilical que mantinha a igreja cristã ligada ao judaísmo do primeiro século foi finalmente cortado. Agora o evangelho estava livre para seguir seu caminho sem ranços judaizantes.
A última etapa no processo de demolição é a remoção dos escombros. Tenho a impressão de que ainda estamos vivendo esta fase.
A perimetral caiu em cinco segundos. Mas a estimativa é que serão necessários dois meses para remover o entulho.
Quase dois mil anos se passaram e ainda estamos trabalhando para remover os ranços de uma mentalidade espiritual infantilizada. Cristãos ainda recorrem a elementos do culto judaico, tais como arcas, chofar, festas, dias santos, restrições dietéticas, votos, sacrifícios, etc. Será que nunca leram Gálatas ou Colossenses? Por que voltar a rudimentos ultrapassados da Lei? Por que manter as pessoas na ignorância? Será que há algum interesse nisso? Creio que sim. Quanto mais infantil e dependente de tais coisas for a igreja, mais fácil de ser dominada por líderes inescrupulosos, cujos interesses são postos acima da agenda do reino de Deus.
As advertências de Paulo caem como luva para a atual geração de cristãos judaizantes:
“Mas agora, conhecendo a Deus, ou, antes, sendo conhecidos por Deus, como tornais outra vez a esses rudimentos fracos e pobres, aos quais de novo quereis servir?” Gálatas 4:9
E ainda:
“Portanto, ninguém vos julgue pelo comer, ou pelo beber, ou por causa dos dias de festa, ou da lua nova, ou dos sábados, que são sombras das coisas futuras, mas o corpo é de Cristo. Ninguém vos domine a seu bel-prazer com pretexto de humildade e culto dos anjos, envolvendo-se em coisas que não viu; estando debalde inchado na sua carnal compreensão, e não ligado à cabeça, da qual todo o corpo, provido e organizado pelas juntas e ligaduras, vai crescendo em aumento de Deus. Se, pois, estais mortos com Cristo quanto aos rudimentos do mundo, por que vos carregam ainda de ordenanças, como se vivêsseis no mundo, tais como: Não toques, não proves, não manuseies? As quais coisas todas perecem pelo uso, segundo os preceitos e doutrinas dos homens.” Colossenses 2:16-22
Que o Senhor nos dê disposição e paciência para remover todo este entulho que ainda insiste em colocar-se como obstáculo diante do novo e vivo caminho que Ele nos inaugurou pelo Seu sacrifício na cruz. E se alguém teimar em viver sob o véu da ignorância depois de ter conhecido a verdade, fica a dica: “Cristo de nada vos aproveitará” (Gl.5:2).
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