Por Hermes C. Fernandes
Como não se surpreender com
Jesus? Até a maneira como Ele revela o modus
operandi do Seu reino nos causa admiração. Pena que quase dois mil anos
depois, os que se identificam como Seus discípulos parecem não terem entendido
a natureza do reino de Deus.
De um lado, estão os que
acreditam que o reino é um evento futuro, que teve que ser adiado quando os
patrícios de Jesus recusaram Sua oferta. Do outro lado, estão os que creem que
o reino deva se estabelecido na história através de mecanismos legais. Estes
são, geralmente, chamados de teonomistas. Acreditam que por força da lei, o pecado será
restringido e a justiça do reino será estabelecida na terra. Bastaria que o decálogo
fosse a base da constituição de todas as nações e, pronto, o mundo seria
transformado. Como esperar que homens inconversos produzam leis justas? Ou ainda: como esperar que leis justas convertam homens maus? A restauração do mundo deve começar pelo ambiente do coração humano, onde Deus prometeu gravar as Suas leis (Hb.8:10).
Entre um grupo e outro, estão os
que perceberam o caráter subversivo do reino de Deus. Ele não vem por meios legais, mas, em certo
sentido, por meios considerados marginais. Ele não virá de maneira espalhafatosa como
fantasiam alguns, como no filme Independence Day de Spielberg. Tampouco se
manifestará através de canetadas nos palácios de governo. Mas de maneira
sorrateira, discreta, quase imperceptível, ele vai se infiltrando no tecido
social, transformando mentes e corações, levando cativos todos os pensamentos à
obediência de Cristo.
Paulo seguiu à risca esta cartilha. Jamais o veremos
promovendo o boicote de instituições contrárias à justiça do reino de Deus.
Mesmo vivendo numa sociedade escravagista, poligâmica, onde a pedofilia era
incentivada pelo Estado, nem ele ou algum outro apóstolo foi para as ruas em
protesto contra tais práticas. Todavia, em cada epístola, Paulo deixou cair
sementes que eventualmente eclodiriam. Ao dizer que em Cristo não há mais macho
ou fêmea, escravo ou livre, grego ou judeu, o apóstolo enterrava minas no
terreno, que em algum momento explodiriam e derrubariam as fortalezas da
discriminação e do preconceito. Demorou séculos até que uma dessas minas
explodiu e fez ruir o regime escravocrata no mundo. Mais tarde, outra dessas
minas explodiria fazendo com que a mulher conquistasse seu espaço no mercado de
trabalho, bem como seu direito a voto. Creio que ainda haja minas que a qualquer
momento explodirão e que nos farão lembrar que não é por força, nem por violência, mas exclusivamente pela ação do Espírito Santo (Zc.4:6), convencendo o homem do pecado, da justiça e do juízo (Jo.16:8).
As parábolas de Jesus tinham como
objetivo explicar os mecanismos subversivos usados na instalação do reino de
Deus entre os homens. Uma das mais significantes é conhecida como a parábola do
semeador. Prefiro chamá-la de “a parábola do semeador pródigo”.
O semeador em questão é ninguém
menos que o próprio Cristo. Porém, considerando o fato de sermos o Seu Corpo
Místico, podemos identificá-lo igualmente com cada cristão infiltrado nas
engrenagens deste mundo.
Nosso principal papel não é
alardear, mas apenas semear. Nada mais subversivo que isso. Sementes não chamam
a atenção para si. Porém, têm um potencial infinito. Cada semente poderá
produzir novas plantas que por sua vez produzirão inúmeros frutos, que por sua
vez produzirão ainda mais sementes e o ciclo se retroalimentará ad infinitum. Pode-se contar quantas
sementes há num fruto, mas não se pode contar quantos frutos produzirá uma
única semente.
Cada agente do reino é um
semeador de sonhos. Por onde ele passa, sempre fica um rastro de sementes que
parecem ter caído acidentalmente, mas que, no fundo, foram deixadas
propositadamente.
Jesus diz que “uma parte da semente caiu à beira do
caminho, e vieram as aves, e comeram-na”(Mt.13:4). Na explicação particular
que dá aos discípulos, “o que foi semeado
à beira do caminho” é aquele que ouvindo “a palavra do reino, e não
a entendendo, vem o maligno, e arrebata o que foi semeado no seu coração”
(v.19).
É, no mínimo, curioso que Jesus tenha começado Sua exposição
falando sobre os que vivem à beira do caminho. Estes são os excluídos e marginalizados
pela sociedade. São os que comem das migalhas que caem da mesa dos poderosos.
Quem os colocou nesta condição? Quem os empurrou para a margem? Ainda que esta
parte da semente não tenha resultado em colheita, não foi em vão que Jesus a destinou
justamente aos da beira do caminho. E se a semente não vingou, não foi por
culpa deles. Foi o maligno que arrebatou o que fora semeado em seu coração. O
fato de viverem à margem, tornou-os vulneráveis à atuação dessas aves de
rapina. Porém, para toda regra há exceções. O mendigo Bartimeu é uma delas. Embora
cego, viu o que muitos não conseguiram ver e não hesitou em clamar pelo Filho
de Davi, e ao ser atendido, recobrou a visão. Qual seria o instrumento de que o maligno se valeria para devorar as sementes lançadas no coração dos que estão à beira do caminho? Estou cada vez mais convencido de que seja todo tipo de preconceito, semelhante ao que levou os discípulos a pedirem que Bartimeu se calasse, alegando que estaria incomodando o Mestre. É lamentável notar que os próprios cristãos têm se prestado a este papel, entrincheirando-se contra alguns segmentos em nome da moral e dos bons costumes. Se esquecem de que quem precisa de médico não são os sãos. A ordem de Jesus aos Seus discípulos foi "tragam-no a mim!" Portanto, devemos tirá-los das margens e trazê-los para o nosso meio, onde receberão amor, carinho, respeito, e terão seus clamores atendidos por Jesus.
Como aquele semeador, devemos ser pródigos com as sementes
que nos foram confiadas. Não há qualquer razão para economizar. Sempre haverá
quem se beneficie delas, principalmente entre os considerados párias da
sociedade. Todavia, enquanto semeamos, trabalhemos para removê-las da
indigência. Partilhemos com elas o nosso pão. Promovamos ações que melhorem
suas condições de vida. Eduquemos seus filhos. Acolhamos os desterrados.
Defendamos os direitos das minorias. Se lograrmos removê-las da beira do
caminho, provavelmente haverá maior chance da semente vingar.
Na sequência da parábola, Jesus diz que “outra parte caiu em pedregais, onde não
havia terra bastante, e logo nasceu, porque não tinha terra funda; mas, vindo o
sol, queimou-se, e secou-se, porque não tinha raiz” (vv.5-6). Na explicação
subsequente, Jesus diz que “o que foi
semeado em terreno pedregoso é o que ouve a palavra, e a recebe imediatamente,
com alegria. Mas não tem raiz em si mesmo, antes é de pouca duração. Chegada a
angústia e a perseguição por causa da palavra, logo a abandona” (vv.20-21).
Eis a razão porque cresce
assustadoramente o número de desigrejados. O coração de muitos tem estado
endurecido, de modo que a semente, ainda que germine, não consegue lançar raízes.
O solo não tem profundidade. O que estaria por trás deste estado de
petrificação dos corações? Talvez, parte do problema se deva à decepção que
muitos têm tido com a igreja. Foi-se o tempo em que o solo dos corações era
virgem, por isso, sempre receptivo à Palavra. Mas hoje, dificilmente encontramos
alguém que já não tenha tido alguma experiência com a igreja. O solo foi tão
explorado que se tornou infértil e duro. Não basta, portanto, lançar a semente.
O solo precisa ser revirado, afofado, irrigado e fertilizado, para que a
semente encontre o ambiente propício para germinar. Alguns necessitam passar
por uma desintoxicação eclesiástica para voltarem a acreditar. Se a semente não
se aprofundar no solo, ficará exposta ao sol e fatalmente secará. Apesar disso,
ela não perde sua validade. Li, recentemente, que cientistas teriam semeado uma
semente com seiscentos anos, e ela, surpreendentemente eclodiu.
Compreendo perfeitamente o drama
dos desigrejados. Porém, devo salientar a necessidade que todos temos de
congregar, de criar raízes, de construir relacionamentos fortes, de nos
alimentar espiritualmente. Se o próprio Deus não desistiu da igreja, por que
nós desistiríamos? Não me refiro à instituição, mas à comunhão dos santos. Não
deixe que a alegria semeada em seu coração seja suplantada pela decepção com os
homens.
A terceira parte das sementes “caiu entre espinhos, e os espinhos
cresceram e sufocaram-na” (v.7).
Segundo Jesus, “o que foi semeado
entre espinhos é o que ouve a palavra, mas as preocupações deste mundo e a
sedução das riquezas sufocam a palavra, e ela fica infrutífera” (v.22).
Pergunto: quem andou semeando
espinhos por aí? Estes espinhos não podem ter surgido do nada. Estou convencido
de que em nossos dias, ninguém tem cultivado tantos espinhos no coração das
pessoas do que os adeptos da teologia da prosperidade. Cobiça, inveja, avareza,
são algumas das manifestações destes cardos que sufocam a boa semente do reino
de Deus. Infelizmente, há uma enorme clientela para este engodo que se faz passar
por evangelho. Esquece-se que a marca registrada de um discípulo de Jesus não é
a prosperidade, mas a generosidade. A proposta do reino nada tem a ver com
concentração de riquezas, e sim com a sua justa distribuição. Urge, portanto,
denunciar e remover tais espinhos para que semente seja arejada e frutifique.
A última parte das sementes “caiu em boa terra, e deu fruto: um a cem,
outro a sessenta e outro a trinta” (v8). Este “é o que ouve a palavra e a compreende” (v.23). Sem que a palavra
seja devidamente compreendida, por melhor que seja a qualidade da semente, não
vingará. Há, aqui, um sinergismo que não podemos ignorar. Semente boa em solo
ruim não pode resultar em colheita. Semente ruim em solo bom, idem. Mas semente boa em solo bom produz além das
expectativas.
Nosso papel, portanto,
é de revirar o solo, adubá-lo, irrigá-lo, remover os espinhos, e garantir que a
semente não se perca.
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