“Ou qual a mulher que, tendo dez dracmas, se
perder uma dracma, não acende a candeia, e varre a casa, e busca com diligência
até a achar? E achando-a, convoca as amigas e vizinhas, dizendo: Alegrai-vos
comigo, porque já achei a dracma perdida.” Lucas 15:8-9
Àquela época,
diferentemente de hoje, cobrava-se um dote pela mão de uma mulher pedida em
casamento. Esta era uma maneira de se
compensar a família por ter tido filhas, uma vez que estas não poderiam
trabalhar e assim, ajudar com as despesas domésticas.
Quando Roma
conquistou aquela região, impôs o uso de sua própria moeda, o denário,
substituindo a dracma, a moeda grega que circulava desde os dias de Alexandre,
o Grande. De maneira criativa, as mulheres judias resolveram adotar as dracmas
como adorno, transformando-as em coroas que representavam o valor pago por seu
dote. Apesar de não circularem mais como moeda corrente, as dracmas serviam a
um propósito inusitado. Perderam o valor, mas não o significado. Por isso,
tiveram sua utilidade resgatada. Se não eram mais úteis para comprar e vender,
tornaram-se úteis para enfeitar a fronte das mulheres casadas. Tornaram-se num
sinal de comprometimento. Somente mulheres casadas as usavam.
Antes de
descartar algo, deveríamos considerar a possibilidade de ressignificá-lo. Se
não serve mais para algo, pode ser que sirva para outro.
Aquela mulher
perdeu uma das dracmas de sua coroa. Isso poderia sugerir que ela não dera o
devido valor ao dote pago por seu marido. Daí o desespero com que ela
empreendeu tão diligente busca.
Semelhantemente,
Jesus pagou o dote por Sua noiva, a Igreja. Recebemos d’Ele uma coroa cujas
dracmas representam o valor que nos foi atribuído. De acordo com o diagnóstico
apostólico, “todos se extraviaram, e
juntamente se fizeram inúteis”[1], tornando-se “destituídos da glória de Deus.”[2] O pecado nos destituíra de qualquer valor.
Porém, Seu amor por nós foi capaz de restituir o valor perdido. Ele não pagou
por nós o que valíamos, nem sequer o que merecíamos.
Para Deus, muito
mais do que utilidade, temos significado.
Recebemos uma
coroa composta de tudo aquilo que Ele nos confiou. Cada dracma representa algo
cujo valor está em seu significado, não em sua utilidade. O problema é que
a gente não costuma dar valor ao que não nos custa nada. Por isso, quando
perdemos uma das dracmas de nossa coroa, muitas vezes, nem ao menos sentimos
falta. Precisamos
atentar para o fato de que o que nada nos custou, custou a vida de nosso
Salvador. Portanto, saiu de graça para nós, não para Ele. E se, de fato, o
amamos, valorizaremos tudo o que teve o custo de Sua preciosa vida.
O valor que atribuímos
a algo corresponde ao lugar que aquilo ocupa em nossa lista de prioridades.
Tudo o que postergamos, que empurramos com a barriga, revela o desconcertante
fato de não lhe darmos o devido valor. Às vezes é
preciso perder, sentir falta, para só então perceber o valor que aquilo
possuía.
Todavia, há que
se cuidar para não permitir que algo ou alguém encabece nossa lista de
prioridades. Este lugar pertence exclusivamente ao Senhor. O valor de tudo o
que possuímos decorre da importância exercida pelo Senhor em nossa vida. Se Ele
não ocupar o primeiríssimo lugar, todas as demais coisas estarão fora de lugar.
Nada do que
recebemos d’Ele deve ser banalizado. Mas também nada que d’Ele recebemos deve
ocupar o Seu lugar de primazia. E será assim que encontraremos o balanço, o
equilíbrio perfeito para seguirmos em nossa jornada.
Quando não damos
o devido valor a algo, o Senhor permite que o percamos, ainda que eventualmente
possamos reencontrá-lo. Mas quando damos um valor excessivo, o próprio Senhor
nos pede aquilo. Se valoriza de menos, perde. Se valoriza demais, Ele pede.
A mesma Bíblia que nos adverte a guardar o que temos recebido para que ninguém tome a nossa coroa[3], revela-nos os anciãos lançando suas coroas aos pés do Cordeiro. [4] Não há lugar mais seguro no universo!
A mesma Bíblia que nos adverte a guardar o que temos recebido para que ninguém tome a nossa coroa[3], revela-nos os anciãos lançando suas coroas aos pés do Cordeiro. [4] Não há lugar mais seguro no universo!
Voltando à
parábola em questão:
A primeira
pergunta que devemos nos fazer é: o que temos perdido? Que valor tem para nós?
Valeria a pena empreender uma busca? Quem não sabe o
que perdeu, não sabe o que procurar. Quem não dá valor ao que perdeu, não
encontra razão para procurar.
Estaria faltando
alguma dracma em nossa coroa? Talvez necessitemos dar uma conferida olhando-nos
no espelho.
A segunda
pergunta é: onde o perdemos?
Onde aquela
mulher perdeu sua dracma, afinal? Não foi na rua ou no mercado, mas dentro de
sua própria casa. Portanto, não fazia sentido procurar em outro lugar.
Quando perdemos
algo de valor, procuramos nos lembrar de todos os lugares por onde passamos.
Certamente, aquilo se perdeu num desses lugares. Ninguém vai perder tempo
procurando em lugares onde não tenha estado.
Não adianta buscar
lá fora o que se perdeu dentro de casa.
Uma vez
localizado o lugar onde possivelmente o perdemos, precisamos adotar algumas
medidas a fim de que nossa busca não seja infrutífera.
A primeira
medida tomada por aquela mulher foi providenciar iluminação para o ambiente: o
texto diz que ela acende a candeia. Ninguém procura por algo com as luzes
apagadas, pois a probabilidade de encontra-lo é quase nula.
O poema da
criação diz que no princípio Deus criou os céus e a terra. A terra, porém,
estava sem forma e vazia (no original, estava mergulhada em caos, em desordem).
Antes de colocar ordem naquela bagunça, “disse
Deus: haja luz e houve luz.”[5]
Na simbologia
bíblica, luz significa entendimento, discernimento, compreensão, conhecimento. Não
basta zelo em nossa busca pelo que se perdeu. Há que se ter entendimento. Paulo
diz que os judeus eram zelosos, porém faltava-lhes entendimento acerca da
vontade de Deus. [6] Zelo sem entendimento é ciúme cego e
possessivo. Nossos olhos espirituais devem estar iluminados para que possamos
discernir o que há no coração dos outros e em nosso próprio coração, nossas
motivações mais profundas e o que nos leva a empreender nossa busca pelo que se
perdeu.
A ausência de
luz provocará colisões, jamais encontros. Queremos de volta o que é nosso, não
por amor, mas por capricho. Nosso orgulho ferido não nos permitirá abrir mão.
De repente, sem que percebamos, o amor é substituído pelo ódio. A procura
prossegue, mas no escuro. João nos adverte quanto a isso:
“Aquele que
diz que está na luz, e odeia a seu irmão, até agora está em trevas. Aquele que ama a seu irmão está na luz, e nele não há tropeço.
Mas aquele que odeia a seu irmão está em trevas,
e anda em trevas, e não sabe para onde deva ir; porque as trevas lhe cegaram os
olhos.” 1
João 2:9-11
Quando
há luz, sabemos por onde andamos e, por isso, evitamos colisões ao invadir inadvertidamente
o espaço do outro.
O
entendimento gera compreensão, que por sua vez, pavimenta o caminho do
reencontro. A ignorância gera ódio, repulsa, revolta, provocando choques potencialmente
devastadores.
A
segunda medida adotada pela mulher da parábola é varrer a casa. Quão difícil é
encontrar algo no meio da bagunça, da sujeira, da desordem. Quantas coisas
perdidas dentro de casa já não foram encontradas acidentalmente durante uma
faxina? A gente encontra até o que não está procurando. Que o diga o famigerado
sofá que mais parece um buraco negro, sugando chaveiros, relógios, moedas e etc.
A gente o examina atrás de uma escova, e acaba encontrando muito mais, até
aquilo de que não demos a menor falta.
A
propósito, por que só resolvemos varrer a casa quando perdemos uma dracma? Por
que esperamos as coisas piorarem para decidir que é hora de coloca-las em seus
devidos lugares? Não seria mais sábio a adoção de medidas preventivas? Não
seria melhor manter a casa sempre asseada e arrumada?
A
terceira medida é buscar com diligência. Não basta passar os olhos por
desencargo de consciência. Uma busca superficial não será suficiente. Tem que
sacudir o tapete, colocar os móveis de pernas para o ar, vasculhar cada canto
da casa. Se pensa em desistir na primeira varredura, então é melhor nem começar
a procurar. Quem desiste na primeira tentativa demonstra não dar tanto valor
assim ao que se perdeu.
Após
achar a tão preciosa moeda, ela convoca suas amigas para uma festa. Não lhe soa
meio desproporcional (pra não dizer exagerado!) dar uma festa só para comemorar
o fato de haver encontrado uma moeda?
Fico
imaginando a cara de suas amigas ao tomarem conhecimento da razão daquela
celebração. Onde já se viu comemorar uma coisa dessas!
Cada
pessoa atribui valor diferenciado às coisas. O que para você não possui
qualquer importância, para mim pode ser motivo de insônia. Há quem morreria ou
mataria por aquilo que você descarta todos os dias sem qualquer cerimônia.
Portanto, não nos cabe julgar, mas tão-somente participar da celebração,
atendendo assim à recomendação bíblica de chorar com os que choram e nos
alegrar com os que se alegram.
Todo
reencontro deveria ser motivo de festa. Por isso, tanto a parábola anterior que
conta sobre o pastor que saiu em busca da ovelha perdida, quanto a parábola que
vem em seguida que narra a história do filho pródigo, terminam com festa. Havendo
motivo para festejar, festeje! Se o motivo não for seu, mas do outro, festeje
ainda assim. Se não teve valor para você, teve para ele. Portanto, deixe-se
contagiar pela sua alegria. E no dia em que você tiver motivo de festejar, ele
igualmente tomará parte em sua alegria.
P.S.
Lembro-me da ocasião em que o ônibus espacial faria seu último voo. Morávamos
há cerca de uma hora e vinte minutos do Cabo Canaveral. Infelizmente, não
consegui estar lá. Porém, soube que do meu quintal seria possível assistir.
Fiquei de prontidão. De repente, lá estava ele, rasgando o céu da Flórida em
direção ao espaço. Vários vizinhos vieram para a rua saudar a última viagem do
Columbia. Minha esposa e filhos não parecem ter dado o mesmo valor. Exceto
minha caçula, que vindo para a rua, olhou para o céu e disse: É isso? Tentei explicar do que se
tratava, mas ela esperava um espetáculo vistoso, exuberante. Mas para quem,
como eu, cresceu assistindo a filmes e séries sobre viagens espaciais, aquilo
era um espetáculo imperdível e de valor inestimável.
Abaixo,
a reação inusitada da minha filha.
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