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quinta-feira, outubro 15, 2015

Abrindo o jogo sobre SALVAÇÃO




Por Hermes C. Fernandes

Por que há tanta discordância entre os cristãos quando o assunto é salvação? Ora, se temos um único Salvador, não deveríamos pensar e sentir a mesma coisa acerca do assunto? Talvez, parte do problema se deva aos múltiplos significados da palavra grega “soteria” traduzida por “salvação” no Novo Testamento. Basta que encontremos tal palavra, e logo achamos tratar-se do mesmo conceito, isto é, da salvação da alma. Todavia, há diversas passagens que não nos permitem atribuir o mesmo significado. Por exemplo: Em Filipenses 1:19, Paulo afirma que as orações daquele povo lhe resultariam em salvação. Ora, Paulo ainda não era salvo? E mais: nossa salvação não é obra exclusiva de Cristo? Sua constante intercessão junto ao Pai não nos bastaria? Porventura, não lemos em Hebreus que Ele “pode também salvar perfeitamente os que por ele se chegam a Deus, vivendo sempre para interceder por eles” (Hb.7:25)? Então, que estória é essa que a oração de alguém pode resultar em salvação para nós? A resposta é óbvia. Não se trata de salvação no sentido soteriológico, isto é, salvação da alma, mas de livramento de alguma circunstância em particular. Paulo estava preso e desejava ser “salvo” daquela condição.

Outra passagem interessante é a que diz que a mulher só seria salva, “dando à luz filhos” (1 Tm.2:15). Imagine quão injusto seria se a salvação da mulher estivesse condicionada à maternidade? Mas é óbvio que não era disso que o apóstolo falava nesta passagem. Dentre várias interpretações possíveis, ele estaria se referindo ao fato de que a mulher que não tivesse filhos para ajudá-la em sua velhice, certamente estaria em maus lençóis, pois aquela era uma sociedade machista, em que a mulher não gozava da autonomia que conquistou posteriormente ao longo dos séculos. Se Paulo estivesse se referindo à salvação da alma, estaria se opondo radicalmente ao resto das Escrituras, dentre as quais destaco o que fora dito por Pedro de que os maridos deveriam honrar suas esposas como vaso mais frágil, levando em conta serem elas herdeiras juntamente com eles da graça da vida (1 Pe. 3:7). Portanto, a mesma graça que salva a homens, salva igualmente a mulheres, independentemente de serem ou não mães.

Outra passagem instigante é aquela em que Paulo afirma suportar tudo “por amor dos eleitos, para que também eles alcancem a salvação que está em Cristo Jesus em glória eterna”(2 Tm.2:10). Logo de cara, temos a impressão de que ele esteja falando da salvação eterna, isto é, daquela que se aplica à alma. E de fato, este é o assunto em questão. O desejo do apóstolo era que todos os eleitos fossem salvos, e, para tal, ele se dispunha a sofrer. Todavia, não se trata de um sofrimento expiatório, isto é, capaz de salvar. O que Paulo tinha em mente era o sofrimento decorrido de expor-se pela pregação do Evangelho. Afinal, o meio escolhido por Deus para que fôssemos salvos é a pregação. Porém, isso está longe de atribuir aos nossos esforços um valor salvífico. Caso contrário, seríamos co-redentores. Nada há que se acrescentar ao sacrifício feito por Cristo, que, não apenas viabiliza nossa salvação, mas a efetua plenamente. Seu sacrifício não nos torna salváveis, mas absolutamente salvos. Outra passagem que pode parecer sugerir que nosso sofrimento tenha atribuições expiatórias é a que Paulo afirma cumprir em sua carne “o resto das aflições de Cristo, pelo seu corpo, que é a igreja” (Col.1:24). Caso não tomemos os devidos cuidados, cederemos à tentação de atribuir ao sofrimento impingido a Paulo e aos demais apóstolos um poder salvífico, como se Cristo houvesse pago apenas a entrada e deixado um carnê para ser quitado por Seus apóstolos, ou quiçá, por todos os Seus discípulos. Porém, o que lemos nas Escrituras é que o preço pela nossa salvação foi integralmente pago na cruz. O brado de “está consumado” indica isso. O escritor de Hebreus diz que “já não resta sacrifício pelos pecados” (Hb.10:26) e que “por meio de um único sacrifício, ele aperfeiçoou para sempre os que estão sendo santificados” (Hb.10:14). Então, o que Paulo quis dizer com isso? O que ele teria a acrescentar ao sacrifício de Cristo, afinal?

Creio que esta questão pode ser resolvida considerando porções de outros dois textos da lavra do mesmo apóstolo. No primeiro deles, Paulo diz: E, ainda que seja oferecido por libação sobre o sacrifício e serviço da vossa fé, folgo e me regozijo com todos vós” (Fp 2:17). E no outro, já em clima de despedida, ele afirma: ”Porque eu já estou sendo oferecido por libação, e o tempo da minha partida está próximo” (2 Tm 4:6). Repare que em ambos encontramos a palavra “libação”. O que consistia tal prática? Era uma oferta de líquidos, em geral de vinho ou de azeite, ou mesmo de água, derramada sobre o sacrifício oferecido a Deus. Paulo dá a entender que, uma vez que o sacrifício perfeito pela nossa salvação foi oferecido a Deus por Jesus Cristo, o que nos resta é oferecer nossas vidas como libação sobre este sacrifício. Isso não agrega valor algum ao sacrifício, mas atribui-lhe honra e dignidade. É neste contexto que Paulo diz que cumpria o que restava das aflições de Cristo. Não se trata, portanto, de complementar o que já está feito, mas de reconhecer seu valor. Sobre isso, João diz em sua primeira epístola: Nisto conhecemos o amor: que Cristo deu a sua vida por nós; e nós devemos dar a vida pelos irmãos” (1 Jo.3:16).


Uma das máximas mais usadas por cristãos no mundo inteiro é a que diz “Só Jesus salva”. Quem, em sã consciência, se atreveria a discordar dela? Entretanto, deparamo-nos com Paulo aconselhando a Timóteo a ter cuidado de si mesmo e da doutrina, “porque, fazendo isso, te salvarás, tanto a ti mesmo como aos que te ouvem” (1 Tm.4:16). Ora, se só Jesus salva, que recomendação mais estranha é esta de Paulo a seu pupilo! Salvar a si mesmo e, de quebra, os que o ouviam? É isso mesmo, Arnaldo? Este é mais um caso clássico de salvação fora do contexto soteriológico. “Salvar” aqui é sinônimo de beneficiar. Com efeito, Paulo estava dizendo: Se você agir desta maneira, vai ajudar a você mesmo e àqueles que o acompanham, entende?

O mesmo se dá nas passagens em que Jesus diz a alguém a quem curou: “A tua fé te salvou” (Mc.5:34). Ninguém pode salvar a si mesmo no sentido soteriológico. Portanto, ninguém é salvo por sua própria fé. Caso contrário, teríamos em que nos vangloriar diante de Deus e o ciclo do pecado se retroalimentaria. Aliás, não podemos sequer nos estribar em nossa fé, uma vez que a mesma nos fora conferida por Deus como um dom, e, portanto, não vem de nós mesmos. Neste caso em particular, não se trata de salvação da alma, mas de cura do corpo.

Ninguém salva ninguém! Pelo menos, não no sentido soteriológico.

Então, o que dizer das passagens abaixo?

“Sabei que aquele que fizer converter um pecador do erro do seu caminho salvará da morte uma alma e cobrirá uma multidão de pecados.” Tiago 5:20

“E se é com dificuldade que o justo se salva, o que será do ímpio e do pecador?” 1 Pedro 4:18

“Como também eu em tudo agrado a todos, não buscando o meu próprio proveito, mas o de muitos, para que assim se possam salvar.” 1 Coríntios 10:33

Na primeira passagem em questão, salvar tem o sentido de poupar. Salvar alguém da morte é o mesmo que poupar sua vida, isto é, impedir que colha o fruto resultante dos seus erros.

Na segunda passagem, salvar tem o sentido de escapar. Considerando o contexto, vemos que Pedro está se referindo ao juízo de Deus que cairia sobre a sociedade como um todo, começando pela própria casa de Deus. Em outras palavras, ninguém sairia ileso. E os critérios deste juízo seriam tão rigorosos que dificilmente um justo escaparia, quanto mais um pecador.

E na terceira passagem, Paulo está falando sobre abrir mão de agradar a si mesmo para que isso traga algum benefício aos demais. Aqui, “salvar” significa “aproveitar”.

Como vemos, o assunto é bem mais complexo do que geralmente julgamos. Há tantos significados para “salvação” que mesmo um calvinista ferrenho poderá concordar que, num sentido estrito, pode-se perder a salvação. Não a salvação eterna, oferecida como um dom irrevogável, mas a salvação como um livramento de uma situação, por exemplo. O escritor de Hebreus inclui na galeria dos heróis da fé as mulheres que “receberam pela ressurreição os seus mortos”, mas também os que “foram torturados, não aceitando o seu livramento, para alcançarem uma melhor ressurreição” (Hb.11:35). O vocábulo traduzido aqui como “livramento” é apolytrósis que em todas as demais passagens bíblicas é traduzido como “redenção”, um sinônimo para “salvação”. Seria como dizer que eles tiveram que perder aquela salvação para receber uma superior.

Tudo vai depender do sentido da palavra geralmente apreendido quando se considera o contexto imediato em que é aplicada.

Porém, quando o assunto é a salvação, aquele dom imerecido nos outorgado exclusivamente pela graça, as Escrituras são unânimes e consistentes em dizer: “Não há salvação em nenhum outro, pois, debaixo do céu não há nenhum outro nome dado aos homens pelo qual devamos ser salvos (At. 4:12). E Ele só foi aprovado como nosso Salvador por não haver sido salvo! Isso mesmo! Jesus perdeu a salvação! Antes que me chame de herege, leia atentamente o que dizem as Escrituras:

“Agora o meu coração está angustiado, e que direi? Pai, salva-me desta hora? Mas foi precisamente para esta hora que eu vim.” João 12:27

Apesar da disposição demonstrada nesta passagem, o fato é que, no auge de Sua angústia, Ele chegou mesmo a pedir que o Pai O salvasse daquela hora. 

Imagina se o Pai O houvesse atendido, salvando-O daquela hora? Estaríamos todos irremediavelmente perdidos. Salvá-lo “daquela hora” resultaria em nossa perdição por toda a eternidade. Uma hora que valia pela eternidade. Não foi em vão que Ele rogou aos Seus discípulos que O acompanhavam na hora decisiva para toda a humanidade: “Nem uma hora podeis vigiar comigo?” O peso da responsabilidade era tão grande que Ele apelou aos Seus companheiros que O ajudassem a carregar. Mas eles insistiam em dormir...

O escritor sagrado nos informa que “durante os seus dias de vida na terra, Jesus ofereceu orações e súplicas, em alta voz e com lágrimas, àquele que o podia salvar da morte, sendo ouvido por causa da sua reverente submissão. Embora sendo Filho, ele aprendeu a obedecer por meio daquilo que sofreu; e, uma vez aperfeiçoado, veio a ser o autor da eterna salvação para todos os que lhe obedecem”(Hb.5:7-9).

Deus, o Pai, ouviu-O, mas não O atendeu. Para que pudesse salvar-nos sem o custo de Sua justiça, Seu Unigênito não poderia ser poupado. Ora, se “nem mesmo a seu próprio Filho poupou, antes o entregou por todos nós, como não nos dará também com ele todas as coisas?” (Rm.8:32). A salvação oferecida em Jesus não se limita à alma, mas abarca tanto nossa existência quanto nossa essência. Ele é quem nos salva em todos os sentidos possíveis. Ele é quem nos livra, nos poupa, nos cura, nos esforça, nos beneficia, quer diretamente, quer através de Seus inúmeros canais. Portanto, a Ele, e exclusivamente a Ele, sejam dados a honra, a glória, o poder e a majestade por todas as Eras e gerações. 

2 comentários:

  1. Fantástico como sempre❣
    Muito bem explicado e conduzido.
    Fazia tempo que não aparecia e já estava com saudades, bispo.
    Pena que não consegui mais te adicionar no meu novo face, devido a tanta gente no seu.
    Fica aqui meu abraço.
    PAZ!!

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