Por Hermes C. Fernandes
Dentre as frases típicas faladas pelas mães, uma das mais usadas em resposta aos filhos é “você não é todo mundo.” Geralmente, esta frase tem o objetivo de tirar do filho a esperança de que ela possa reconsiderar a resposta negativa dada a um pedido. Talvez a única frase que rivalize com esta seja a famosa “na volta a gente compra”, que tem o claro objetivo de engambelar o filho, fazendo-o se esquecer do produto desejado.
Muito mais que uma justificativa para o “não” dado pela mãe, a frase “você não é todo mundo” deveria gerar nos filhos a consciência de que eles são únicos, e que, portanto, não deveriam insistir em se comparar com os demais.
Não somos “soldadinhos de chumbo” produzidos em série. Somos indivíduos. Seres únicos. E será justamente esta consciência que nos dará a fibra moral para sermos exceções em um mundo cheio de réplicas.
Há um personagem bíblico que pode nos ajudar a compreender melhor esta questão. Trata-se de Calebe, um dos doze homens enviados por Moisés para espiar a Terra Prometida.
Seguindo a instrução divina, Moisés deveria enviar um representante de cada tribo de Israel; não um representante qualquer, mas um príncipe. Portanto, todos os doze gozavam do mesmo status social (Números 13:1,2).
De acordo com o registro bíblico, eles deveriam inspecionar a terra e seus moradores:
“Enviou-os, pois, Moisés a espiar a terra de Canaã; e disse-lhes: Subi por aqui para o lado do sul, e subi à montanha: E vede que terra é, e o povo que nela habita; se é forte ou fraco; se pouco ou muito. E como é a terra em que habita, se boa ou má; e quais são as cidades em que eles habitam; se em arraiais, ou em fortalezas. Também como é a terra, se fértil ou estéril; se nela há árvores, ou não; e esforçai-vos, e tomai do fruto da terra. E eram aqueles dias os dias das primícias das uvas.” Números 13:17-20
Ao fim de quarenta dias, eles retornaram para prestar relatório a Moisés e a todo o povo de Israel. Dos doze, dez relataram que a terra, de fato, era muito boa e fértil, fazendo jus à promessa de Deus de que introduziria Seu povo em uma terra que manava leite e mel. Mas havia um porém. A terra era habitada por gente poderosa, fortemente armada que vivia em cidades grandes e fortificadas.
A terra prometida por Deus a Abraão séculos antes, agora estava tomada por povos guerreiros que certamente não receberiam amistosamente os filhos de Israel. Ainda que a terra se constituísse em um direito, este não lhe seria garantido sem luta. Aqueles povos jamais se disporiam a entregar a terra de mão beijada pelo simples fato de haver sido prometida por Deus a Abraão e a sua descendência. Se quisessem desfrutar daquela herança, os filhos de Israel teriam que conquista-la. Aliás, assim se dá com qualquer direito. Sem luta, jamais o desfrutaremos.
Quando aqueles dez espias apresentaram seu relatório, o povo se desesperou, e acusando a Moisés de tê-los enganado, intentou apedrejá-lo. O homem que os liderou, tirando-os da escravidão, agora era considerado um enganador. Na avaliação deles, era melhor ter morrido no Egito ou no deserto. Houve até quem propusesse a eleição de um capitão que os reconduzisse ao Egito. No meio deste tumulto, um homem ousou ser exceção. O texto sagrado diz que Calebe “fez calar o povo perante Moisés, e disse: Certamente subiremos e a possuiremos em herança; porque seguramente prevaleceremos contra ela.” Imediatamente, outro juntou-se a ele, mesmo sabendo que seriam dois contra dez. “E Josué, filho de Num, e Calebe filho de Jefoné, dos que espiaram a terra, rasgaram as suas vestes. E falaram a toda a congregação dos filhos de Israel, dizendo: A terra pela qual passamos a espiar é terra muito boa. Se o Senhor se agradar de nós, então nos porá nesta terra, e no-la dará; terra que mana leite e mel. Tão-somente não sejais rebeldes contra o Senhor, e não temais o povo dessa terra, porquanto são eles nosso pão; retirou-se deles o seu amparo, e o Senhor é conosco; não os temais. Mas toda a congregação disse que os apedrejassem; porém a glória do Senhor apareceu na tenda da congregação a todos os filhos de Israel” (Números 14:6-10). Se não fosse a intervenção divina, eles teriam sido brutalmente mortos pela turba enfurecida.
Não é nada fácil nadar contra a correnteza. É bem mais cômodo fazer coro com a maioria. Josué e Calebe não estavam apenas em oposição aos dez que prestaram relatório negativo, mas em oposição a todo o povo que queria apedrejar tanto eles, quanto Moisés e Arão. Quem em sã consciência faria uma coisa dessas? Não duvido que eles tenham ouvido inúmeras vezes dos lábios de suas mães: “Você não é todo mundo!”
Só que agora, não se tratava de uma criança pedindo à mãe para ir ao cinema com os amigos, mas de dois homens que resolveram peitar a maioria por aquilo que consideravam justo, certo e bom.
Deus não é comprometido com maiorias. Pelo contrário, na maior parte das vezes, Ele se revela através de uma minoria desprezada que ousa contrariar a opinião majoritária. Bem antes deste episódio, o Senhor já havia dado instruções acerca disso através de Sua Lei: “Não seguirás a multidão para fazeres o mal; nem numa demanda falarás, tomando parte com a maioria para torcer o direito” (Êxodo 23:2).
Mais importante que estar com a maioria é ter a consciência de quem, de fato, está conosco. O mesmo Deus que interveio para impedir o apedrejamento dos dois, também interveio para impedir que uma mulher flagrada em adultério fosse sumariamente executada no pátio do templo. Deus e sua mania de se colocar em favor das vítimas...
A murmuração do povo de Israel custou-lhe muito caro. Daquela geração que saiu do Egito, somente Calebe e Josué entraram na terra prometida. Os demais, morreram no trajeto pelo deserto. Leia a sentença proferida pelo próprio Deus:
“Que os homens, que subiram do Egito, de vinte anos para cima, não verão a terra que jurei a Abraão, a Isaque, e a Jacó! porquanto não perseveraram em seguir-me; Exceto Calebe, filho de Jefoné o quenezeu, e Josué, filho de Num, porquanto perseveraram em seguir ao Senhor.” Números 32:10-12
Eis o valor de ser exceção! Todos ficaram pelo caminho, EXCETO Calebe e Josué.
Não basta começar bem. Tem que terminar bem. Tem que concluir o trajeto. Tem que atravessar o Jordão e colocar a planta dos pés da Terra da Promessa. E isso tem um custo: PERSEVERAR EM SEGUIR AO SENHOR. E para tal, não dá para seguir a maioria quando esta se opõe aos desígnios divinos.
Ser exceção tem ônus e bônus. O ônus está em aborrecer a maioria e correr o risco de ser engolido vivo, tachado de herege, vilipendiado, difamado, apedrejado. Mas o bônus supera todo ônus. O bônus é chegar onde se tem que chegar e concluir a missão que lhe foi confiada nesta vida.
Quando Moisés morreu, coube a Josué comandar o povo de Israel na conquista daquela terra. A geração que adentrou Canaã não foi a que saiu do Egito, mas a que nasceu no deserto durante a jornada.
Assim que atravessaram o Jordão, cada tribo requereu sua parte na herança. Calebe que já estava com seus 85 anos, não se fez de rogado e reivindicou de Josué sua porção: “Tu sabes o que o Senhor falou a Moisés, homem de Deus, em Cades-Barnéia por causa de mim e de ti. Quarenta anos tinha eu, quando Moisés, servo do Senhor, me enviou de Cades-Barnéia a espiar a terra; e eu lhe trouxe resposta, como sentia no meu coração; Mas meus irmãos, que subiram comigo, fizeram derreter o coração do povo; eu porém perseverei em seguir ao Senhor meu Deus. Então Moisés naquele dia jurou, dizendo: Certamente a terra que pisou o teu pé será tua, e de teus filhos, em herança perpetuamente; pois perseveraste em seguir ao Senhor meu Deus. E agora eis que o Senhor me conservou em vida, como disse; quarenta e cinco anos são passados, desde que o Senhor falou esta palavra a Moisés, andando Israel ainda no deserto; e agora eis que hoje tenho já oitenta e cinco anos; E ainda hoje estou tão forte como no dia em que Moisés me enviou; qual era a minha força então, tal é agora a minha força, tanto para a guerra como para sair e entrar. Agora, pois, dá-me este monte de que o Senhor falou aquele dia; pois naquele dia tu ouviste que estavam ali os anaquins, e grandes e fortes cidades. Porventura o Senhor será comigo, para os expulsar, como o Senhor disse. E Josué o abençoou, e deu a Calebe, filho de Jefoné, a Hebrom em herança” (Josué 14:6-13).
Não importava quão íngreme era o terreno, ou qual a estatura dos seus moradores; a única coisa que importava era que Calebe seguia com a mesma disposição e disponibilidade. O que se poderia esperar de um homem de 85 anos? O tempo não foi capaz de erodir sua coragem. Calebe seguia sendo uma exceção, e como tal, não morreu sem concluir sua vocação existencial.
Se a maioria desiste diante das circunstâncias, seja a exceção! Persevere! Se a maioria adere ao discurso de ódio, seja a exceção! Destile amor!
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