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domingo, fevereiro 27, 2022

RÚSSIA OU UCRÂNIA? Leia antes de querer escolher um dos lados

Por Hermes C. Fernandes 

Quem diria que um dia Silas Malafaia se pronunciaria em redes sociais para justificar a invasão russa na Ucrânia? Não duvido que só tenha se posicionado após consultar seu mito. Como ele poderia contrariá-lo a esta altura, depois de se comprometer até o pescoço com o seu projeto de poder? Deve ter sido constrangedor ver seu presidente prestando continência ante o túmulo de soldados soviéticos, e vê-lo dizer que o Brasil era solidário à Rússia às vésperas da invasão da Ucrânia. Ainda mais constrangedor deve ter sido ver Bolsonaro vangloriar-se de ter evitado uma possível guerra mundial enquanto estava à bordo do avião que o levava a Moscou. 

Tenho a impressão de que bolsonaristas ferrenhos fiquem sempre aguardando o sinal de seu mito para saber a quem devem odiar, ou quem seria o comunista da vez. Fico a me perguntar: será que Bolsonaro seria simpático a Putin se este não fosse um aliado de Trump? E será que Malafaia se posicionaria da mesma maneira se Bolsonaro se pronunciasse a favor da Ucrânia? No mesmo vídeo, o pastor da Assembleia de Deus Vitória em Cristo aproveitou a deixa para desvirtuar o assunto, introduzindo inusitadamente a questão do aborto, acusando de hipocrisia quem se diz contrário à guerra enquanto apoia a morte de milhões de bebês abortados. 

Um canal cristão/bolsonarista de humor  que atende pelo sugestivo nome de "Hipócritas" aproveitou a guerra para defender o acesso da população às armas, como se isso fosse impedir um conflito bélico ou ao menos proteger a população de uma invasão estrangeira. Ledo engano. Uma paz garantida por armas não passa de uma bomba relógio prestes a explodir. Ou você acha que distribuir armas para a população ucraniana vai coibir o avanço das tropas russas? Não sejamos ingênuos. 

Fato é que nunca foi tão difícil se posicionar acerca de uma guerra como agora. Mas quem disse que precisamos torcer por um dos lados? Até quando nos comportaremos como torcida organizada como se tudo não passasse de um espetáculo? 

De um lado do ringue, um autocrata megalomaníaco, ex-agente da KGB, que se perpetua no poder à frente da segunda maior potência bélica do mundo. Do outro lado, um comediante que alcançou projeção ao vencer a “dança dos famosos”, e se notabilizou na TV ao interpretar um professor de história que chegava cargo de presidente da república de forma inesperada. O ator decidiu apostar na popularidade do personagem e se candidatou à presidência da Ucrânia, vencendo o segundo turno das eleições com mais de 70 por cento dos votos. Não, ele não é um neonazista como Putin anda espalhando por aí. Aliás, ele é judeu. Seu avô lutou na Segunda Grande Guerra contra o exército nazista. Mas ele também não é um santo. Em um dos esquetes como humorista, Volodymyr Zelensky aparece metralhando os membros do parlamento após uma discussão.  Não chegou a fazer isso. Mas tão logo assumiu a presidência da Ucrânia, dissolveu o parlamento. 

No meio desta guerra de egos e narrativas está o povo ucraniano. Se parasse aí, talvez ninguém saísse machucado. Tudo se resumiria à troca de farpas, memes e fake news. Mas o ego de Putin não poderia tolerar que bem no seu quintal, um país que foi parte do antigo império soviético, desafiasse seu poderio, filiando-se à OTAN, união dos desafetos da antiga União Soviética. 

Quanto malabarismo é necessário para justificar o que está ocorrendo ao povo Ucraniano? Há quem relativize o fato e justifique as pretensões imperialistas da Rússia alegando que os Estados Unidos protagonizaram inúmeras invasões ao longo das últimas décadas. De fato, não há mocinho nesta história. Trata-se de duas potências bélicas disputando a hegemonia mundial. Mas não se pode justificar as atrocidades de uma, apelando às atrocidades de outra. Não há Batman nesta história, nem tampouco comissário Gordon clamando por socorro enquanto projeta a imagem do morcego nas nuvens. Nesta história só encontramos Coringas, Charadas e Pinguins disputando Gotham City. 

Às favas com as pretensões imperialistas da Rússia ou dos Estados Unidos! Minha preocupação é com a população ucraniana que está no meio deste fogo cruzado. E mais: preocupar-me com os ucranianos não significa desprezar o sofrimento de outros povos que se encontram em situação semelhante ou até pior. 

Infelizmente, nem sempre a mídia dá a devida atenção a conflitos que ocorram em países mais pobres, de modo que as informações que temos são mínimas em comparação às que nos chegam acerca do que ocorre no leste europeu. 

Em suma, devemos condenar igualmente toda e qualquer pretensão imperialista, independentemente da ideologia que propague, assim como devemos nos solidarizar com qualquer povo ou nação que seja vítima de tais pretensões, independentemente de questões étnicas, culturais ou econômicas. Que nossa solidariedade não seja seletiva, mas abarque o povo ucraniano tanto quanto o povo da Síria, da Somália e do Iêmen. 

O que não podemos é passar procuração para que outros pensem e decidam por nós, fazendo-nos simpatizar com aqueles com os quais compartilhem interesses, e odiar os que se encontram na trincheira oposta. 

Para evitar que sejamos manipulados, temos que nos informar, não por memes em grupos de whatsapp, mas através de canais devidamente abalizados, em que se possa ouvir a explanação de historiadores, especialistas em geopolítica e relações internacionais, sociólogos, filósofos, etc. Através deles, você poderá entender as razões do conflito, mesmo que as opiniões sejam enviesadas. Porém, jamais se esqueça que nenhuma razão, por mais plausível que seja, justifica o derramamento de sangue inocente. 

Lembre-se, ainda, que a terra plana não dá voltas, ela capota. Inimigos de hoje, serão aliados amanhã. O que dita de que lado estarão são os interesses que estão acima do bem-estar de seus respectivos povos.

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